
Presas, condenadas a viver longe da fam�lia. Depois de ver de tr�s das grades parte da exist�ncia passar, finalmente chega a hora de colocar o p� fora da cadeia. � o dia mais esperado. � dia de respirar fundo e seguir em frente, com esperan�a. Elas sonham em reconstruir a fam�lia, estudar, trabalhar e, principalmente, n�o voltar ao crime. Nem sempre � poss�vel. �s vezes, o projeto de futuro � atropelado pela realidade.
Apesar dos obst�culos, o �ndice de reincid�ncia entre elas � considerado baixo em rela��o ao dos homens. “No geral, a reincid�ncia da mulher no crime � baixa. Ela s� � mais elevada no tr�fico de drogas, mas por causa da influ�ncia dos companheiros. Sem romper o relacionamento, fica dif�cil deixarem o submundo”, observa o juiz da Vara de Execu��es Penais de Montes Claros, Francisco Lacerda de Figueiredo. No pres�dio da cidade do Norte de Minas, estat�sticas comprovam o baixo retorno delas ao crime: o percentual de reincid�ncia � de 30%, contra taxas superiores a 60% entre os detentos no pa�s.
A secret�ria-adjunta de Enfrentamento � Viol�ncia contra as Mulheres da Secretaria de Pol�ticas para as Mulheres da Presid�ncia da Rep�blica (SPM/PR), Ros�ngela Rigo, diz que permitir que egressas do sistema prisional tenham oportunidades � o principal desafio. Em Minas, conv�nios possibilitam a detentas ainda no regime fechado sair da penitenci�ria sob escolta para trabalhar em hor�rio comercial. Outras, por meio de acordo com a Pastoral Carcer�ria e uma institui��o privada de ensino, conseguem fazer um curso superior gratuito. Todas continuam lutando para que seu passado fique onde deveria ficar: no passado. (Com Luiz Ribeiro)
Um sonho fora dos muros
Maria de F�tima Souza (nome fict�cio), de 45 anos, j� recebeu at� proposta de emprego para quando sair do Pres�dio Feminino Jos� Abranches Gon�alves, em Ribeir�o das Neves, Grande BH. Cumpriu tr�s anos e cinco meses em regime fechado, tempo estipulado pela Justi�a, contando a remi��o por trabalho e estudo. Tinha uma vida estruturada, com emprego e filhos, at� ser apresentada ao crack. J� conhecia a coca�na na juventude, mas a pedra a levou aos seus piores dias.
A m�e est� sempre ao seu lado. Viaja da capital paulista para visit�-la sempre que poss�vel. Mas, entre os demais familiares, s�o poucos os que sabem do seu paradeiro. Foi no interior de Minas que se envolveu no crime que a levou � pris�o. Abriu sua casa para que colegas processassem a droga. A pol�cia fez o cerco, achou entorpecentes e balan�a de precis�o. “N�o sei roubar, matar. Era usu�ria. Agora estou limpa, totalmente limpa.”
Antes de ser presa, F�tima tinha profiss�o na �rea de sa�de. Na cadeia terminou o ensino m�dio e trabalhou todos os dias. “Meu foco � a liberdade. E est� perto.” L� fora tem dois filhos, um de 28 anos e uma de 15, namorado e a m�e que a espera ansiosamente. Mas ela n�o sabe se vai voltar para o interior. Quer tentar a vida em Belo Horizonte. Seu primeiro plano � ajudar outras pessoas. Ainda n�o sabe como, talvez por meio das entidades religiosas que visitam a cadeia. Quer contar o que passou. “O crack � assim, voc� n�o pode dar o primeiro trago. Gastava tudo que ganhava com ele, uns R$ 1.400 por m�s.”
Lenta recupera��o Drogas, amor, gravidez, morte, pris�o. Uma sequ�ncia de acontecimentos na vida de Luciana Silva (nome fict�cio), de 27 anos, culminou com a pena por tr�fico. Come�ou a se envolver aos 12 anos, no Bairro Tupi, onde morava. Apaixonada, decidiu morar com um dos chefes do esquema de venda de drogas. No s�timo m�s de gesta��o, o companheiro foi assassinado. Ela passou a fazer parte ativa dos “neg�cios”. O filho ficava mais com a av� materna, a quem hoje chama de m�e. Quando ela foi presa, ele tinha 1 ano.
Na cadeia, Luciana foi apresentada ao inferno: ficou no castigo, tomou rem�dios, tentou suic�dio. Cumpriu um ano e oito meses em regime fechado. N�o achava que sair seria t�o complicado. “O que ganho hoje em um m�s ganhava com o tr�fico em um dia. Ressocializar � muito dif�cil”, reconhece. Saiu em setembro de 2009. Do lado de fora, continuou usando droga, mas procurava emprego. “N�o conseguia por causa da passagem. Ainda n�o tinha criado ju�zo quando sa� da pris�o.”
Foi assim at� conhecer o atual marido, que tamb�m j� foi usu�rio de drogas. Juntos, decidiram mudar. “Ca� na real h� quatro anos, quando engravidei do segundo filho. Vi que teria que viver com as minhas pr�prias pernas. Eu ia morrer de overdose ou mataria minha m�e. Ela n�o aguentaria passar por tudo de novo.” Com ajuda de um amigo, conseguiu emprego em uma empresa de TV por assinatura.
Poucos sabem pelo que ela passou, por isso Luciana prefere se preservar. “Agora sonho em ter minha casa pr�pria, dar uma condi��o melhor para os meus filhos, que eles sejam homens de bem. Quero ser um exemplo para eles.” Quando esse dia chegar, quer resgatar o filho mais velho. “Minha m�e � a m�e para ele. De um tempo para c�, isso me d�i muito, me machuca. N�o cobro dele, o erro foi meu, mas ainda sonho em t�-lo comigo.”
Batalha di�ria Regiane Santos, hoje com 31 anos, tinha 14 quando um homem de 36 entrou em sua vida. Aos 16 estava gr�vida e envolvida no tr�fico. Queria sair, mas tinha medo. Tentou se separar e n�o conseguiu. Tinha o segundo filho quando foi presa, em 2006. Longe da fam�lia e dos filhos pequenos, entrou em depress�o. “At� hoje tenho dificuldade para dormir. Tomava sete rem�dios por dia.” Foi condenada a oito anos e oito meses de pris�o, dois anos e sete meses em regime fechado. Sonhava com a liberdade. Agora, anos depois, mesmo fora da cadeia se frustra com a tal liberdade, t�o dif�cil de alcan�ar.
Em 2010 come�ou a cumprir pena em domic�lio. “Mas � assim: N�o posso viajar, tenho hor�rio para chegar em casa, � tudo dentro da regra.” A cada dois meses vai ao Tribunal de Justi�a assinar um termo comprovando que “anda na linha”. Ainda na penitenci�ria, ganhou uma bolsa para estudar em uma institui��o de ensino superior de BH. Cursa direito, sem a expectativa de advogar assim que concluir a gradua��o, no fim deste semestre. “S� estarei livre mesmo em 2016. Em parte n�o me sinto livre. A ressocializa��o � muito dif�cil e at� contradit�ria. N�o posso prestar concurso p�blico, nem fazer a prova da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por exemplo. � uma luta que n�o tem fim, at� que tenha sua ficha totalmente limpa.”
Regiane distribuiu curr�culos, mas esbarrava na falta do documento de bons antecedentes. Trabalhou dois anos como cobradora em �nibus, mas os hor�rios por vezes confusos a fizeram optar pela faculdade. Tentou est�gios, sem sucesso. Cansada, agora vende produtos de beleza de porta em porta. “Queria que n�o houvesse preconceito, mas cheguei at� aqui e agora quero servir de exemplo. L� dentro a gente s� pensa em sair, mas aqui fora � uma luta di�ria pela sobreviv�ncia.”