
N�o � f�cil encontrar Jesus nas ruas e pra�as de Belo Horizonte. N�o nos referimos �quele cuja via sacra � lembrada na semana santa, mas a cidad�os comuns com o mesmo nome. O Estado de Minas percorreu, em uma tarde, o Centro da capital e custou a ach�-los. “Serve Lucimar n�o?”, perguntou uma sorridente e oportunista comerciante, querendo ser entrevistada. No Shopping Oiapoque, um seguran�a aproveitou para improvisar breve serm�o. “O Jesus que conhe�o est� na B�blia”, disse, antes de citar de cor trechos do livro sagrado, com cap�tulos e vers�culos, na tentativa de guiar o rep�rter ao bom caminho.
A busca se concluiu na Pra�a Sete, t�o diversificada que deve ser frequentada at� por raridades como Epaminondas e Alberaldas. Em um quarteir�o fechado da Rua dos Carij�s, mo�as usavam o gog� na tentativa de angariar clientes para um “Jesus fot�grafo”, como estava escrito na placa. Na sacada de um pr�dio, um aparentemente sereno senhor de 76 anos, cabelos brancos e modos simples. Ele corrigiu a pron�ncia: � J�sus. N�o quis participar da reportagem e, ao se justificar, confessou-se pecador. “O nome � bonito, mas j� fiz muita coisa errada. Tem gente que n�o gosta de mim. Prefiro n�o aparecer.”
No outro lado da pra�a, em um dos quarteir�es fechados da Rua Rio de Janeiro, trabalha o alfaiate J�sus Nogueira Trant, de 72. “Meus pais eram muito cat�licos e me deram esse nome como homenagem, mas n�o sei por que mudaram a pron�ncia.” Talvez o acento agudo tenha sido posto para dar um ar de humildade e despretens�o. Em uma janela gradeada no primeiro andar do pr�dio de n�mero 430, uma placa pode ser vista da rua: “J�sus: reforma de roupas. Serzidos (sic) invis�veis”. Uma escada estreita conduz � loja onde o homem trabalha h� quase 50 anos, suficientes para torn�-lo famoso e querido entre os comerciantes das cercanias.
A sala � pequena. No alto da janela gradeada h� uma moldura de madeira com uma foto em preto e branco de uma escultura de Nossa Senhora da Piedade, sentada, segurando no colo o corpo de Jesus. “Fui eu que registrei essa imagem”, conta. Segundo ele, a escultura faz parte do acervo da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Piedade, em sua cidade natal, Rio Espera, na Zona da Mata. Em uma parede, outra moldura contorna uma foto colorida do templo. Mudou-se para BH aos 15 anos, quando abandonou a escola. Ante as dificuldades, cogitou voltar � fam�lia, como tantos que tentam ganhar a vida na capital. O mart�rio, por�m, foi superado – e hoje o alfaiate exibe, com orgulho, o resultado do esfor�o.
Entre roupas, doces e past�is
Mais velho de oito irm�os, J�sus come�ou ainda crian�a a ajudar o pai, Jos� Ant�nio Nogueira Trant, de quem “herdou” a profiss�o de alfaiate. Na �poca, o filho ainda n�o fazia os tais “serzidos invis�veis”, t�cnica que torna o remendo quase impercept�vel ao incorpor�-lo � trama do tecido. Em Rio Espera, sua fun��o era fazer cal�as. Para engordar a renda, a m�e, Rita Nogueira Trant da Silva, que o primog�nito qualifica como “lutadora”, preparava past�is e doces para vender. A situa��o piorava quando Jos� adoecia. “Ele chegava a ficar quatro ou cinco meses de cama. Eu vendia as coisas que minha m�e fazia, engraxava sapatos... Num a�ougue, ajudava a matar porco e a fazer lingui�a. No fim do dia, o pagamento era um peda�o de lingui�a”, lembra, sorridente, delimitando com as m�os o comprimento da parca remunera��o.
Os pais faziam quest�o de que toda a fam�lia fosse �s missas dominicais. J�sus diz que o h�bito lhe agradava. O garoto se impressionava com o modo como o padre exercia seu dom�nio. Na igreja, impedia que os dois sexos se misturassem: mulheres de um lado, homens do outro. “Ele era r�gido, cobrava muito do pessoal. Era a maior autoridade, mandava mais que o prefeito. Tinha de ser consultado quando um circo ou parque de divers�es queria se instalar na cidade.” O menino tinha apenas um par de sapatos, que usava para ir �s cerim�nias. Quando um sapato furava, para n�o ter de cal��-lo, usava de uma artimanha. Passava uma solu��o � base de merc�rio no ded�o do p�, para simular ferimento, e caminhava mancando.
J�sus era um t�pico garoto de Rio Espera. Roubava frutas dos quintais alheios, gostava de jogar futebol e era apegado � fam�lia. Por isso foi duro quando teve de se separar dela. Ap�s concluir a 5ª s�rie do ensino fundamental, foi passar uns dias em BH. O tio que o hospedou o convenceu a ficar na capital, onde havia mais oportunidades para um jovem cheio de vigor. Em vez de fazer a viagem de volta em um domingo, como havia planejado, na segunda-feira seguinte foi a uma loja de conserto de roupas, no Centro, levando no bolso o an�ncio de emprego recortado de um jornal. Assumiu o posto no dia seguinte. Conseguia mandar um dinheirinho para os pais. “Sentia muita saudade”, relata. Depois de oito anos no trabalho, descobriu que essa n�o era a �nica dificuldade.