
Os frequentadores das bicas e minas urbanas de Belo Horizonte vivem uma realidade distante da maioria da popula��o, que precisa fechar as torneiras e pensar a respeito de cada mil�metro c�bico de �gua que utiliza. A �gua das bicas e minas que restaram na metr�pole urbanizada jorra sem parcim�nia e � usada para matar a sede, lavar carros, roupas e embelezar o Parque Municipal. A reportagem do Estado de Minas seguiu o roteiro indicado no primeiro cap�tulo do livro Guia Morador Belo Horizonte e traz um pequeno perfil das nascentes que ainda n�o foram escondidas pelo progresso.
Algumas s�o prosaicas, como a mina que fica dentro da casa de Romero Pedro Silva, na Rua Dona Geni, no Bairro Vila Santa Branca, na Regi�o de Venda Nova. Quando ele come�ou a construir a casa, em 1993, tentou drenar a mina e fez a edifica��o com uma laje elevada. N�o deu certo. A for�a da �gua foi maior e encharcou a garagem. A solu��o foi construir um reservat�rio, usar uma bomba para enviar a �gua para a tubula��o e instalar o ladr�o para dispensar o excesso na rede fluvial. “Quando acaba a �gua no bairro todo mundo vem aqui pedir um pouco”, conta Romero, que diz nunca ter negado um pedido.
An�lises da qualidade da �gua j� foram feitas e, diante do resultado positivo, considerando a �gua pronta para o consumo, Romero dispensou o servi�o da Copasa. Ele paga apenas uma taxa para usar a rede de esgoto. Al�m da casa, a �gua abastece tamb�m o bar de Romero, uma constru��o cont�gua � moradia. “Os clientes tradicionais nunca compraram uma garrafinha de �gua. Sabem que a da torneira � boa para o consumo. Quem compra �gua � s� quem n�o conhece”, avisa Romero.

No outro extremo da cidade, na Pra�a Mar�lia de Dirceu, em Lourdes, Regi�o Centro-Sul, a �gua limpa vaza em um bueiro pr�ximo � esquina da Rua Curitiba. Diante da escassez e dos constantes alertas para economizar �gua, o presidente da Associa��o da Pra�a Mar�lia de Dirceu e Adjac�ncias (Amalou), Jeferson Rios, garante j� ter feito um or�amento para instalar uma caixa d’�gua na pra�a e usar a fonte para irrigar as plantas. “Aqueles pr�dios quase todos foram constru�dos em cima de uma mina de �gua. J� avisamos a Copasa, que informou n�o tem planos para aproveit�-la e procuramos a prefeitura para pedir a permiss�o para instalar a caixa d’�gua”, diz. A �gua, segundo Rios, n�o � apropriada para o consumo, mas pode ser usada na irriga��o.
Maria da Penha, que � propriet�ria da banca de jornal na pra�a h� 29 anos, explica que o local – um dos pontos com o m² mais valorizado da capital – era um brejo. Por ali, nos prim�rdios de BH, no s�culo 19 e nos primeiros anos do s�culo 20, corria o C�rrego do Leit�o, hoje quase todo escondido pelo asfalto. Ali�s, c�rregos e rios eram comuns na capital mineira. Os moradores mais antigos de BH recordam que os dois sentidos da Avenida Pedro II eram separados pelo C�rrego do Passadinho e que por trechos da Rua Professor Moraes e da Avenida Afonso Pena passava o Acaba Mundo, assim como a Silviano Brand�o passou por cima do C�rrego Mata.

Na Regi�o Leste, pr�ximo ao escondido C�rrego Mata, est� a bica mais famosa da cidade: a Bica da Petrolina, na esquina da Avenida Petrolina com Rua Ab�lio Machado, no Bairro Sagrada Fam�lia. A qualquer hora do dia e da noite, h� uma fila formada. Os usu�rios carregam gal�es e gal�es. � o caso de Zoltan Sas, morador do Bairro Santo Ant�nio, na Regi�o Centro-Sul. “Buscava �gua no chafariz do Kaquende, em Sabar�, mas agora s� venho aqui”, detalha o aposentado.
Al�m de gostar da �gua, Sas destaca que � vegetariano e que sente gosto de peixe na �gua da Copasa e, por isso, prefere pegar direto na fonte. J� a esteticista S�nia Santos, que aguardava na fila para encher seus gal�es, atesta que o gosto � �timo e que n�o tem sabor de cloro. “Fa�o tudo com essa �gua. Sofria de uma gastrite tremenda e depois que passei a pegar �gua aqui melhorei”. O mais experiente na bica, o aut�nomo Lincoln Toledo, pega �gua ali h� 40 anos e aponta mais uma qualidade. “De vez em quando algu�m bebe muito de madrugada e passa aqui para tomar �gua. Alguns at� dormem no passeio, mas quando acordam est�o sem ressaca”, brinca Lincoln.
SEM SEDE
Perto dali, no vizinho Horto, na Rua Felipe Camar�o, uma bica tamb�m mata a sede. Conhecida como Biquinha do Noventa, uma refer�ncia � favela Noventa Lojas localizada na regi�o, � usada pelas crian�as que brincam na rua, por donas de casa que lavam roupas e � essencial para o pedreiro Pedro Ant�nio, que � morador de rua e usa a bica para diversas finalidades, inclusive, fazer a barba. “A �gua � �tima”, garante.
Por�m, a �nica bica que a prefeitura atesta a qualidade � a da Sagrada Fam�lia. A Vigil�ncia Sanit�ria coleta a �gua semestralmente e realiza exame laboratorial. A �ltima coleta foi feita em dezembro e o resultado apontou que a �gua pode ser usada para beber. Entretanto, quem desejar que a Vigil�ncia Sanit�ria verifique a qualidade da �gua de alguma bica pode solicitar o servi�o via 156, segundo a Secretaria Municipal de Sa�de.
E a fonte secou…
As obras de canaliza��o do c�rrego da Avenida Virg�lio de Melo Franco, no Bairro Jardim Atl�ntico, na Regi�o da Pampulha, s�o apontadas pelos moradores da regi�o como respons�veis pelo fim da bica da Vila Unida. H� quase dois anos, a �gua que era usada pelos moradores para lavar roupas, carros, limpar as casas e, por alguns, at� para beber n�o brota mais da terra embaixo de uma mangueira. A Vila Unida foi desfeita, a maior parte dos moradores foi recolocada em novas moradias do Vila Viva, da prefeitura, e a �gua da mina corre para o c�rrego rec�m-canalizado.
“Nas reuni�es que aconteceram com a comunidade antes da obra, pedimos para n�o acabar com a bica. Foi sugerido at� que fosse feito um chafariz”, recorda a cabeleireira Ros�ngela Alves de Oliveira. Morador da antiga Vila, Rosivaldo Mar�es, lembra que a �gua era usada por todos e para todas as finalidades. “Eles chegaram aqui, drenaram e jogaram a �gua para o c�rrego”, lamenta.
Segundo a Regional Pampulha da PBH, a nascente est� localizada em �rea particular. “Foi drenada para o c�rrego pr�ximo devido � necessidade de execu��o de obras de tratamento de fundo de vale e retirada de moradores de �rea de risco”, informa a nota. (DC)
O livro Guia Morador Belo Horizonte pode ser comprado no site https://loja.piseagrama.org e custa R$ 32. Al�m do itiner�rio das bicas, a obra mapeia o trajeto dos carroceiros, os antigos cinemas de rua, as hortas e o com�rcio popular. Tamb�m conta as hist�rias dos fantasmas, dos desenhos dos port�es e gradis, dos times amadores, dos p�ssaros e do congado na capital mineira.