
O agricultor Jos� Soares Andrade Sobrinho, de 54 anos, se desloca com sua moto dentro do leito do Rio Gorutuba, que ele j� viu correr cheio o ano inteiro e, agora, se resume a um filete. Ele est� desolado, sem saber como manter sua propriedade se a �gua do manancial acabar de vez. O drama dos produtores rurais se estende � popula��o urbana. A 120 quil�metros da nascente do Gorutuba, em Jana�ba, no Norte de Minas, est� a barragem do Bico da Pedra, que tamb�m abastece Nova Porteirinha e as planta��es de 345 agricultores do Projeto de Irriga��o do Gorutuba, de onde sai grande parte das frutas – principalmente banana – comercializadas na Central de Abastecimento (Ceasa), em Belo Horizonte.
Jos� Soares mora na regi�o do distrito de Catuni, em Francisco S�. Ainda perto de sua nascente, o Gorutuba parece mais uma grande estrada, onde corre como um filete de �gua, prestes a secar. Apesar de sua import�ncia para o abastecimento humano e produ��o de alimentos, o manancial est� degradado. O leito est� completamente assoreado por bancos de areia e sedimentos. Junto a uma estrada, a 400 metros de Catuni, s�o vis�veis os estragos causados pela extra��o de areia.
“A gente fica com muita tristeza de ver o rio nesta situa��o. Ele tinha muita �gua. Agora, � um ‘arei�o’ s�”, lamenta Jos� Soares. Ele lembra que, em outubro do ano passado, depois de oito meses da estiagem rigorosa, o rio “cortou” e voltou a correr em novembro, mas com vaz�o muito reduzida. Hoje, segundo ele, o n�vel deveria ser de um metro.
Na mesma regi�o, o estudante Jo�o Marcos Ferreira da Silva, de 18, experimentou uma mudan�a radical: quando era crian�a, nadou no Gorutuba. Hoje, percorrendo o leito seco de moto. A lavradora Maria dos Reis Dur�es, de 40, tamb�m reclama. “O rio chegou a esta situa��o por causa do desmatamento e da retirada de areia”.
Por conta das agress�es � natureza e das secas sucessivas, centenas de pequenos rios e c�rregos j� desapareceram no Norte de Minas. Um deles � o Rio Jacu, afluente do Gorutuba, que passa no fundo da casa de Maria dos Reis, na localidade de Santos Reis, pr�ximo de Catuni. “O Rio Jacu secou tanto que n�o tem �gua nem para manter uma galinha”, conta a mulher, acrescentando que a salva��o das 15 fam�lias da �rea rural � um po�o tubular p�blico.
CORTE DE MATA NATIVA
A regi�o onde o Gorutuba nasce foi altamente afetada pela derrubada da mata nativa para dar lugar a reflorestamentos de eucalipto, que passaram a ocupar grandes extens�es de terra no Norte de Minas e no Vale do Jequitinhonha na d�cada de 1970. “A diminui��o da �gua no Gorutuba mostra que pagamos o pre�o do desmatamento. Com a retirada da mata nativa, foi eliminada tamb�m a permeabilidade natural da �gua da chuva, ocasionando o assoreamento das nascentes do Gorutuba e outros rios”, observa o ambientalista Soter Magno do Carmo, de Montes Claros.
Ele diz que a dr�stica redu��o da vaz�o do Gorutuba � amea�a a barragem do Bico da Pedra, maior reservat�rio do Norte de Minas, constru�do na d�cada de 1970. “A barragem do Bico da Pedra tamb�m � abastecida por �gua da chuva de uma grande bacia. Mas est� muito assoreada”, alerta Magno. A barragem est� 10,9 metros abaixo do n�vel m�ximo, com aproximadamente 30% de sua capacidade, que � de 560 milh�es de metros c�bicos.
Conforme especialistas, se tivesse chovido normalmente em dezembro e janeiro, o reservat�rio deveria estar acima de 50% de sua capacidade. O fornecimento de �gua para Jana�ba (75 mil habitantes) e Nova Porteirinha (7,4 mil habitantes) est� regularizado. J� os 345 pequenos agricultores do projeto de irriga��o do Gorutuba sofrem como racionamento, recebendo �gua a cada dois dias.
A degrada��o ambiental afeta outros mananciais do Norte de Minas, caso do Rio Pardo, onde � feita a capta��o da �gua consumida pelos moradores de Taiobeiras, de 30,9 mil habitantes. Entre os problemas est�o desmatamento, retirada das matas ciliares e extra��o de areia. Assim como o Gorutuba, o Pardo foi duramente afetado pela retirada da vegeta��o nativa para plantio de eucalipto para produ��o de carv�o vegetal, que acabou com nascentes do rio.
Apesar da baixa vaz�o do Pardo, o fornecimento de �gua para a �rea urbana ainda est� normalizado, mas dezenas de fam�lias da zona rural obrigadas a esperar a chegada do caminh�o-pipa. Morador de Taiobeiras, o t�cnico em ambiente Amarildo Freitas conta que, somada aos danos provocados no passado pela monocultura do eucalipto e a derrubada de matas nativas para forma��o de pastagens, o rio passou a sofrer danos provocados pelos chacreamentos ilegais. “Todo mundo se sente no direito de desmatar, acabando com a matas ciliares”, lamenta.
Ele diz que o Pardo teve sua vaz�o reduzida na d�cada de 1970, quando o Ribeir�o Santana, um dos principais afluentes, parou de correr. Ele diz que o Ribeir�o Santana foi degradado pelo projeto Pro – V�rzeas, do governo federal, cujo objetivo era eliminar �reas de v�rzeas, justamente os terrenos que contribuem para a manuten��o dos rios. “Acabaram com os �reas �midas, as lagoas e reservat�rios, que foram drenados. Foi o maior desastre ambiental da regi�o”, conta Amarildo, lembrando que o ribeir�o secou completamente, prejudicando centenas de pequenos produtores de Taiobeiras e Rio Pardo de Minas.