
Abaet�, Barra (BA), Felixl�ndia, Paraopeba, Pomp�u, S�o Gon�alo do Abaet� e Tr�s Marias – A vis�o do Rio S�o Francisco se abrindo em �guas escuras diante da proa do barco, at� onde o olho alcan�a, � um al�vio para o pescador Norberto dos Santos, de 65 anos. Minutos antes, ele percorria, com as narinas ardendo, as �guas malcheirosas e turvas do C�rrego Barreiro Grande, afluente do Velho Chico, para mostrar o lixo e o esgoto que descem sem tratamento pela correnteza, gerados pelos 30.600 habitantes da cidade de Tr�s Marias. Como � um dos mais experientes navegadores da regi�o, o pescador conhece atalhos no rio e pilota em uma �rea por onde despontam da �gua folhagens e aguap�s. Em uma das manobras, por�m, o barco para, em um tranco. Confuso, depois chateado, o pescador constata que o ac�mulo de lixo, e sedimentos criou mais uma ilha de detritos no meio do curso d’�gua e fez a “voadeira” encalhar. Uma situa��o que se repete em diversos trechos, sobretudo no Alto Rio S�o Francisco, onde pesquisa in�dita encomendada pelo Comit� da Bacia Hidrogr�fica do Rio S�o Francisco (CBHSF) mostra que quase 60% da cobertura vegetal foi removida, permitindo que os sedimentos do solo desprotegido sejam levados pela chuva para dentro da calha.
O assoreamento reduz ainda mais o volume de �guas dispon�veis para o rio como um todo e, de acordo com o comit�, teve impacto ainda maior com a redu��o dos reservat�rios de Tr�s Marias e Sobradinho (BA). No lago do interior da Bahia, o recuo de mais de 5 quil�metros das �guas exp�s as ru�nas da antiga Remanso, inundada em 1974. Da cidade de que se despediram os compositores S� e Guarabyra na m�sica Sobradinho (“Adeus, Remanso, Casa Nova, Sento-S�, adeus Pil�o Arcado vem o rio te engolir”), ressurgiram no meio do sert�o duas caixas d’�gua e estruturas de casas e edifica��es, denunciando a gravidade da estiagem. Em Tr�s Marias, o aposentado Mahmud Lauar, de 80 anos, que se instalou �s margens do lago no ano de sua cria��o, em 1958, diz nunca ter visto t�o pouca �gua chegando � represa. “Os peixes est�o acabando. Tem dias que s� sobra para dar de comida � minha companheira de pescaria, esta gar�a, que chamo de Come Quieta”, afirma, indicando o p�ssaro.
O pescador Norberto � um dos mais antigos da col�nia de Tr�s Marias e, por conhecer o S�o Francisco h� 54 anos, transformou-se em um dos embaixadores do rio em congressos no exterior. Suas palavras mostram um drama vivido em v�rias partes do Velho Chico. “A culpa n�o � s� da polui��o. O desmatamento das barrancas, das matas ciliares e das florestas tamb�m vai acabar com o rio, porque a chuva traz esse sedimento todo para c�. O rio est� ficando raso e cheio de bancos de sujeira, pneus e terra”, lamenta. De acordo com estudo da Nemus Consultoria, que atualiza o Plano de Recursos H�dricos do Velho Chico, 59% das �reas vegetais nativas do Alto S�o Francisco (da nascente at� Tr�s Marias) j� foram devastadas. “O desmatamento (em toda a bacia) cresce a cada dia e est� em mais de 47%, sendo que a regi�o do Baixo S�o Francisco aparece como a �rea mais desmatada”, afirmou o mestre em geografia agr�ria S�lvio Machado, na apresenta��o dos dados.
A impress�o de Norberto, que muitos apelidaram carinhosamente de “Velho do Rio”, ganha amparo na vis�o de especialistas. “Boa parte do desmatamento se deveu ao ciclo do carv�o. Cortaram-se as matas para se obter carv�o para a produ��o de ferro-gusa nas sider�rgicas de Sete Lagoas e regi�o. Hoje, o efeito disso � a abertura de espa�os para a cria��o de gado e a expans�o do eucalipto”, afirma o coordenador do Laborat�rio de Gest�o Ambiental de Reservat�rios (LGAR) do Instituto de Ci�ncias Biol�gicas da UFMG, Ricardo Mota Pinto Coelho. “O solo desprotegido, desmatado, desaba na beira do rio ou � levado pelas enxurradas para dentro do S�o Francisco. Assim ocorre o assoreamento”, refor�a.
CORTINA VERDE Para encontrar essas clareiras abertas na vegeta��o nativa � preciso conhecer as t�cnicas dos desmatadores. Observando as imagens de sat�lite com aux�lio de especialistas, o Estado de Minas identificou v�rios pontos de corte. A t�tica consiste em abrir uma trilha mata adentro e iniciar a derrubada de �rvores sempre deixando uma camada externa de vegeta��o, para dificultar que a fiscaliza��o encontre o desmatamento.
Protegido por esse tipo de cortina verde, a equipe do EM encontrou um grande ponto de corte de esp�cimes nativas no munic�pio de Paraopeba, no Alto S�o Francisco, a apenas 10 quil�metros da BR-040 (BH–Bras�lia). Depois de passar por uma sequ�ncia de fazendas e ro�as, chega-se ao local, uma clareira de 6 hectares – equivalente a seis campos de futebol – aberta para servir de pastagem ao gado depois que a madeira foi removida. De acordo com os trabalhadores rurais que pastoreavam no local, o cerrado derrubado virou carv�o h� dois anos. A passagem para a clareira � por um represamento feito em um c�rrego. As �guas do manancial recebem todos os sedimentos carreados pelas chuvas na �rea descoberta de mata, chegando inevitavelmente � Bacia do Rio S�o Francisco.
A devasta��o � observada em v�rios outros pontos ao longo da bacia, como em Abaet�, Pomp�u, S�o Gon�alo do Abaet� e Felixl�ndia, mas tamb�m no M�dio S�o Francisco, entre Minas e a Bahia. “Com o desmoronamento das barrancas, percebemos que o rio se torna mais largo e menos profundo. Seria necess�rio um programa extenso de reflorestamento, que deveria ocorrer dentro do programa de revitaliza��o do Rio S�o Francisco, que o governo federal praticamente abandonou”, afirma o bispo de Barra, na Bahia, frei Luiz Cappio. No pr�prio munic�pio baiano, essa devasta��o � n�tida. Tanto que, no antigo porto para as balsas que s�o a �nica forma de travessia para carros na regi�o, o desmoronamento destruiu as rampas de concreto e amea�a as linhas de transmiss�o de energia el�trica.
