
Cabrob� (PE), Salgueiro (PE), Casa Nova (BA), Abaet�, Pompeu, S�o Gon�alo do Abaet� e Tr�s Marias – As cabras que perambulam pela propriedade do agricultor pernambucano Francisco Alves Leite, de 60 anos, j� comeram tudo o que restou do milho ressecado e das melancias murchas, que ele tinha plantado. Sem �gua, todo o cultivo de um hectare morreu no p� e os brotos viraram ra��o. “Ainda tenho �gua de chuva no a�ude por mais dois meses... Quando acabar, vai ser s� Deus”, lamenta o agricultor. Por suprema ironia, gra�as � obra de transposi��o do Rio S�o Francisco, a �gua do C�rrego Mulungu, que era usada para irrigar as propriedades vizinhas, foi parar no Canal Norte do projeto, que corta a propriedade do agricultor no munic�pio de Salgueiro (PE). “N�o temos motor ou bomba el�trica para tirar a �gua do canal, que tem mais de 20 metros (de profundidade). Estamos perdendo nossa planta��o e as cria��es pela seca, enquanto o canal est� cheio de uma �gua que ningu�m usa”, reclama.
Uma crise completa, que abrange das nascentes do Rio da Integra��o Nacional, que chegaram a secar na Serra da Canastra, em Minas Gerais, at� a foz, em Pia�abu�u (SE), onde o avan�o da �gua do mar leito adentro j� chega a mais de 20 quil�metros. “Vemos que a crise � grave quando olhamos para a regi�o do Alto S�o Francisco, em Minas Gerais, de onde v�m 70% das �guas da bacia, que sofrem com assoreamento e n�veis baix�ssimos de mananciais”, alerta o secret�rio do Comit� da Bacia Hidrogr�fica do Rio S�o Francisco (CBHSF), Maciel Oliveira.
Na bacia mineira do Velho Chico, a seca � t�o intensa que o Lago de Tr�s Marias, na Regi�o Central de Minas, chegou a 2,8% de seu volume �til em outubro do ano passado. Neste m�s, est� em 37%. Sem alcan�ar mais as �guas que usavam para irrigar seus cultivos, os agricultores v�m perdendo suas safras desde o in�cio da estiagem prolongada, em 2013. Das oito principais lavouras de munic�pios do entorno, cinco (arroz, feij�o, mandioca, maracuj� e melancia) apresentaram retra��o no comparativo com 2012, ano de chuvas abundantes.
At� o abastecimento p�blico foi prejudicado com as manobras de reten��o e libera��o de �gua do reservat�rio, realizadas a favor da regula��o do lago de Sobradinho, entre a Bahia e Pernambuco. “A situa��o foi ao limite. A popula��o de Pirapora (de 56 mil habitantes, no Norte de Minas) ficou sem �gua, e esse perigo ainda n�o foi afastado. Estamos agora investindo em a��es para saber quais as dificuldades e necessidades das popula��es ribeirinhas em caso de nova seca prolongada”, afirma a presidente do Comit� da Bacia do Entorno da Represa de Tr�s Marias, Silvia Friedman.
O drama dos produtores que dependem do lago de Tr�s Marias � tamb�m vivido pelos que cultivam em Sobradinho, reservat�rio que atualmente opera a 22% de seu volume �til. De acordo com o �ltimo levantamento da produ��o agr�cola do IBGE, entre 2013 e 2012, das 14 culturas principais plantadas naqueles munic�pios, nove (banana, goiaba, lim�o, manga, cebola, mandioca, melancia, mel�o e tomate) sofreram quebra de safra.
Ao ver as melancias se perdendo na ro�a no munic�pio baiano de Casa Nova, o olhar de des�nimo do lavrador Joildo Narcisio dos Santos, de 50, espelha o do pernambucano Francisco, que passa sede � beira do canal da transposi��o. Os dois viram suas ro�as dos mesmos frutos murcharem por falta de �gua para irriga��o. Mas, no caso do baiano, o recurso est� a mais de cinco quil�metros, a dist�ncia que o lago de Sobradinho fica agora de sua planta��o. “N�o vem mais �gua do c�u e parece que n�o chega mais �gua no rio. Debaixo deste sol, a melancia n�o ‘encheu’. Para n�o perder tudo, soltamos os bodes na ro�a para pastar”, afirma Joildo. Situa��o t�o dram�tica quanto a dos �ltimos anos, ele diz nunca ter vivido. “Como pode a gente estar morrendo de sede na beira de um mundar�u de �gua destes?”, indaga.
A situa��o prec�ria do rio lan�a mais cr�ticas ao projeto de transposi��o. Segundo Marcus Vin�cius Polignano, coordenador do Projeto Manuelz�o – de revitaliza��o do Rio das Velhas, um dos principais afluentes do Rio S�o Francisco –, um dos motivos para isso � justamente o fato de n�o haver planos para auxiliar o sertanejo que ver� a �gua passando em canais bem � sua frente, mas continuar� convivendo com a sede. “J� n�o h� �gua para as atividades rotineiras na bacia, e isso n�o est� sendo resolvido. Vai-se sacrificar ainda mais o rio, para eventualmente as barragens no Cear� e Piau� concentrarem uma �gua que dificilmente chegar� aos consumidores, mas estar� dispon�vel para o agroneg�cio”, acusa.