
Fam�lias j� fragilizadas pela interna��o de parentes em hospitais conveniados ao Sistema �nico de Sa�de (SUS) pressionadas a pagar por procedimentos cir�rgicos j� cobertos pelo servi�o p�blico, para garantir a sobrevida do paciente. A suspeita da pr�tica ilegal tamb�m pesa contra um dos tr�s m�dicos presos pela Pol�cia Federal na ter�a-feira, sob acusa��o de participa��o em um esquema de desvio de verbas do SUS na coloca��o de stents (esp�cie de pr�teses coron�rias). Segundo as investiga��es, o m�dico Zandonai Miranda teria exigido o pagamento de R$ 40 mil para operar um paciente internado na Santa Casa de Montes Claros. A fam�lia denunciou a cobran�a � dire��o do hospital, que instaurou sindic�ncia para apurar o caso. O mesmo profissional teria exigido R$ 10 mil de outra mulher, e desistiu da cobran�a depois que um filho da paciente levou a den�ncia � Ouvidoria do SUS. O advogado do m�dico disse que o cliente nega a dupla cobran�a.
N�o � o que diz a Pol�cia Federal. “De maneira bem simples, pode se dizer que a exig�ncia se dava da seguinte forma: ou pagam ou morrem. Nos mesmos moldes dos assaltos observados diariamente nos notici�rios televisivos. Agora, entretanto, com uma agravante: o terr�vel peso do ‘jaleco branco’”, diz trecho do relat�rio da PF, ao qual o Estado de Minas teve acesso, em refer�ncia � pr�tica da cobran�a por procedimento j� coberto pelo SUS. O m�dico acusado tamb�m deve ser alvo de processo investigativo por parte do Conselho Regional de Medicina (CRM-MG).
Zandonai foi um dos presos na Opera��o Desiderato, deflagrada pela PF e pelo Minist�rio P�blico Federal contra um esquema de fraudes patrocinado por duas empresas fornecedoras de materiais m�dicos. Segundo as investiga��es, as firmas pagavam propinas aos m�dicos para que simulassem a realiza��o de cirurgias com a coloca��o de stent – um tubo que desobstrui art�rias do cora��o – comercializado pelas distribuidoras. Mas, segundo a apura��o, na pr�tica n�o havia necessidade do procedimento, um golpe que teria desviado do SUS pelo menos R$ 5 milh�es nos �ltimos cinco anos, somente no Norte de Minas. A defesa dos acusados nega a acusa��o.
Foram detidos ainda os m�dicos Gerson Miranda e Vagner Vinicius Ferreira, al�m da secret�ria do grupo, Eleuza Maria Alves, de dois representantes comerciais (um em Montes Claros e outro em Belo Horizonte) e de um empres�rio do Rio de Janeiro. As pris�es tempor�rias, v�lidas inicialmente por cinco dias, terminariam hoje, mas houve prorroga��es pela Justi�a e os suspeitos ficar�o trancafiados por pelo menos mais cinco dias, com exce��o do m�dico Vagner Vinicius, liberado quarta-feira ap�s fazer um acordo de dela��o premiada perante o Minist�rio P�blico Federal. Um empres�rio de S�o Paulo (dono de uma das empresas envolvidas) tamb�m teve pris�o tempor�ria decretada, mas n�o foi detido porque est� em viagem ao exterior.
Conforme revelou o Estado de Minas, o relat�rio das investiga��es aponta que os tr�s m�dicos detidos montaram uma empresa de fachada, a Angiomoc Servi�os Ltda., que, al�m de ser usada para o recebimento das propinas, tamb�m serviria para a sonega��o do Imposto de Renda. Segundo as investiga��es, a firma, criada com endere�o de uma cl�nica cardiol�gica (tamb�m investigada), nos fundos da Santa Casa de Montes Claros, firmou um contrato fict�cio com uma das distribuidoras de materiais m�dicos envolvida nas fraudes, somente com o intuito de “lavar” o dinheiro de propina. De acordo com a PF, cada m�dico recebia R$ 500 pelo stent convencional e R$ 1 mil pelo stent farmacol�gico. Como n�o havia necessidade real do material, segundo a investiga��o os produtos eram estocados pelos fraudadores. Posteriormente, eram usados em pacientes particulares, que pagavam novamente pelo produto j� custeado pelo SUS.
PROCESSO ADMINISTRATIVO
A vertente das investiga��es que apura a cobran�a por procedimentos j� pagos pelo servi�o p�blico indica que mesmo pacientes do servi�o p�blico que efetivamente precisavam da cirurgia eram v�timas de golpe. O relat�rio das investiga��es revela que o m�dico Zandonai Miranda cobrou R$ 40 mil da fam�lia do produtor rural V. M. O. pela coloca��o de quatro stents farmacol�gicos no paciente, procedimento que deveria ser custeado exclusivamente pelo SUS. A cobran�a foi parcelada: R$ 20 mil em dinheiro, � vista, e dois cheques pr�-datados, no valor de R$ 10 mil cada. O paciente, de 84 anos, morreu no dia 20 de maio de 2013, na Santa Casa de Montes Claros, onde estava internado. A dire��o do hospital abriu sindic�ncia para investigar a cobran�a, confirmada por um genro do paciente. Depois, instaurou processo administrativo, diante da “gravidade do fato”.
Durante as apura��es do hospital, o m�dico alegou que cobrou por produtos n�o fornecidos pelo servi�o p�blico. Em seu depoimento, argumentou que “existe uma lacuna entre o que o SUS autoriza e o que o paciente precisa; que no caso do Brasil n�o h� possibilidade de o paciente complementar o trabalho do SUS; que determinados procedimentos tratados no setor de hemodin�mica s�o de alta complexidade”. Disse ainda que “a utiliza��o de stents farmacol�gicos � mais vantajosa para determinados pacientes do que os stents convencionais, os quais s�o os �nicos garantidos pelo SUS”.
Ap�s a conclus�o do processo administrativo, considerando que houve “conduta indevida” e cobran�a ilegal, o provedor da Santa Casa, Heli Penido, determinou a devolu��o dos R$ 20 mil que tinham sido pagos pela fam�lia do paciente – os cheques pr�-datados n�o foram compensados. O m�dico recebeu uma suspens�o de seis meses, depois reduzida para tr�s. Em 2014, a dire��o do hospital tamb�m encaminhou o resultado da apura��o interna para a Pol�cia Federal e para o Minist�rio P�blico. Na �ltima quarta-feira, a Santa Casa anunciou o afastamento definitivo de seu corpo cl�nico de todos os m�dicos investigados na Opera��o Desiderato.
No relat�rio das investiga��es contra o m�dico Zandonai Miranda, detido na ter�a-feira em opera��o da Pol�cia federal em Montes Claros e acusado de cobrar por servi�os cobertos pelo SUS, consta o depoimento de um professor de hist�ria, que denunciou a exig�ncia de R$ 10 mil pelo mesmo profissional por uma cirurgia card�aca. Segundo a den�ncia, o m�dico pediu o dinheiro “por fora” para operar a m�e do professor, logo ap�s dizer para a fam�lia que o estado da paciente era “muito grave”, em maio de 2014.
A mulher, de 67 anos, sofreu um princ�pio de infarto. “O estado de sua m�e � muito grave. N�s temos condi��es de fazer todos os procedimentos” – segundo o denunciante, esta foi a comunica��o feita pelo m�dico Zandonai a ele, logo ap�s a realiza��o dos exames para verificar a necessidade de interna��o cir�rgica. Na sequ�ncia, disse, o m�dico teria exigido R$ 10 mil por uma angioplastia. Ainda em depoimento, o professor disse que n�o concordou com o “pagamento extra” e, no dia seguinte, levou o caso ao conhecimento da Ouvidoria do SUS. Depois da den�ncia, afirmou, o m�dico desistiu da cobran�a e declarou que o tratamento seria feito sem custo para a fam�lia.
Outra paciente, de 57 anos, moradora de Buritizeiro (Norte do estado), revelou em depoimento que, em novembro de 2011, foi submetida a um ultrassom intracoron�rio na Santa Casa de Montes Claros e que foi obrigada a pagar R$ 3 mil em dinheiro, atendendo solicita��o da secret�ria do m�dico Zandonai Miranda, e que n�o recebeu nenhum recibo. A mulher alegou desconhecimento sobre o Sistema �nico de Sa�de.
Um dos respons�veis pelas investiga��es das fraudes contra o SUS, o procurador Andr� Vasconcelos Dias, da Procuradoria da Rep�blica em Montes Claros, lembra que nunca devem ser feitos pagamentos a m�dicos por servi�os realizados no Sistema �nico de Sa�de. “Nossa recomenda��o � de que, se chegar a um hospital conveniado ao SUS e a fam�lia fizer o pagamento, devido ao estado grave do paciente, ela deve denunciar e pode ser ressarcida, pois a cobran�a ‘por fora’ � crime previsto em lei”, destacou o procurador.
DEFESA
O advogado do m�dico Zandonai Miranda, �nio Ribeiro, disse que seu cliente “n�o reconhece” a dupla cobran�a de procedimentos bancados pelo SUS. Em rela��o � argumenta��o do professor de que Zandonai exigiu R$ 10 mil por uma angioplastia, o advogado disse que a acusa��o n�o procede. “Na verdade, Zandonai apenas comunicou que a m�e do paciente tinha uma s�rie de complica��es de sa�de e comentou que o custo do material n�o coberto pelo SUS poderia chegar a R$ 10 mil. Depois, o pr�prio Zandonai fez gest�es junto � dire��o da Santa Casa, e conseguiu a doa��o do material que foi usado no tratamento da paciente”, disse o defensor. Enio Ribeiro alegou que a paciente de Buritizeiro “foi submetida a um procedimento que n�o � coberto pelo SUS” e que, por isso, pagou R$ 3 mil pelo tratamento especializado.
O advogado, que tamb�m defende o m�dico Gerson Miranda, irm�o de Zandonai, afirmou ainda que n�o procedem as acusa��es de que os tr�s m�dicos detidos na Opera��o Desiderato da PF e do MPF simulavam a coloca��o de stents em pacientes para receber propina de empresas fornecedoras. “Todos os stents precritos nos prontu�rios foram instalados nos pacientes”, sustenta. O advogado admitiu que os m�dicos recebem valores das empresas, mas disse que n�o se trata de propina ou bonifica��o. Disse que os profissionais prestam consultoria para as empresas, prestando a elas informa��es sobre a qualidade dos materiais e a evolu��o do tratamento dos pacientes que recebem as pr�teses coron�rias.
Ouvido pelo Estado de Minas, o genro do paciente de quem teriam sido cobrados R$ 40 mil na Santa casa de Montes Claros disse que somente denunciou a cobran�a pelos stents colocados em seu sogro porque foi chamado a prestar informa��es pela dire��o do hospital. Disse ainda que, apesar de a Santa Casa ter determinado a devolu��o dos R$ 20 mil pagos em dinheiro, nada foi devolvido. O advogado Enio Ribeiro, que defende o m�dico Zandonai Miranda, informou que, de fato, n�o houve a devolu��o, porque seu cliente “n�o reconhece que houve cobran�a indevida e n�o pegou em dinheiro”. A alega��o � de que os pagamentos foram destinados � empresa fornecedora dos stents, e que a negocia��o teria sido feita diretamente com a secret�ria do m�dico. Por�m, a mulher disse desconhecer o fato.