
O cerrado, com paus-terra de flores amarelas e jacarand�s de cascas escuras, dominava o alto do morro, compondo com a mata ciliar do Rio das Velhas um corredor cont�nuo de vegeta��o fechada, onde comunidades pr�ximas convivem com lontras, tatus, seriemas e outros animais. At� 2008, esse fragmento de mata nativa de 108 hectares (ha) permaneceu intacto, resistindo ao avan�o das fronteiras agr�colas e da especula��o imobili�ria na regi�o de Lagoa Santa, na Grande BH. Mas, no ano seguinte, uma clareira de 3,86 ha surgiu sem licen�a para desmatamento. Dois anos depois, uma planta��o de hortali�as foi cultivada na floresta, escondida da fiscaliza��o. � a agonia do cerrado, que se estende tamb�m para o Norte de Minas, agravada pela seca e pelo desmatamento.
O uso de tratores e motosserras para derrubar �rvores sem qualquer inc�modo da fiscaliza��o em Lagoa Santa permitiu a expans�o da devasta��o, que engoliu mais 6,34 ha em 2014 e 2,3 ha neste ano, somando, em sete anos, 12,5 ha (11,6% da cobertura florestal total). O ritmo acelerado retrata a realidade da Grande BH, uma das �reas de maior desmatamento em Minas. A derrubada de �rvores no estado cresceu 23,4%.
A Forest Stewardship Concil do Brasil, organiza��o n�o-governamental que promove f�runs sobre manejo florestal sustent�vel e mapeou a destrui��o florestal no pa�s por meio de estudo publicado neste ano, considera ainda o Jequitinhonha, Noroeste, Norte, Sul, Sudoeste, Tri�ngulo e Vale do Rio Doce regi�es de grande desmatamento clandestino.
O aumento da devasta��o tamb�m est� na mira da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustent�vel (Semad). Segundo o monitoramento por sat�lite da secretaria, no per�odo agr�cola 2011/2013, a derrubada de florestas abrangia uma �rea estimada em 36.450 ha, que saltou para 45 mil ha nos anos 2013/2015. E a raz�o para o per�odo 2011/2013 ser estimado � a falta de investimentos, considerada parte dos motivos pelos quais a fiscaliza��o n�o tem impedido a a��o dos madeireiros, agricultores e carvoeiros que devastam o cerrado, a mata atl�ntica e a caatinga.
Segundo o gerente de Monitoramento de Vegeta��o e Biodiversidade do Instituto Estadual de Florestas (IEF), Waldir Melo, o corte de recursos humanos e financeiros coincidiu com a perda da �rbita de um dos sat�lites que cediam imagens ao departamento, o Land-Sat. Um sat�lite indiano passou a transmitir esses dados, mas tamb�m enfrentou problemas, inclusive meteorol�gicos.
MENOS T�CNICOS “Desde 2010 ocorreu sucateamento do setor de monitoramento. N�o se investiu mais e ainda perdemos 20 dos 26 t�cnicos que faziam os trabalhos. Com isso, s� chegamos a 27 mil hectares desmatados, mas o erro � estimado em 35% para mais �reas devastadas”, afirma Melo. Sem as ferramentas de monitoramento, fiscaliza��o, planejamento e licenciamento ficam prejudicados. “� um setor estrat�gico que vive do esfor�o da equipe restante”, disse.
A devasta��o encontrada pela reportagem em Lagoa Santa � apenas uma mostra de desmatamentos na regi�o, que foi localizada ap�s a an�lise de dados de fotografias de sat�lites ao longo de 10 anos. No mesmo munic�pio, logo abaixo da rota dos avi�es que pousam no Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, a t�tica dos desmatadores � alterada. Em vez de abrir clareiras na mata, as motosserras cortam a floresta nativa pr�xima a planta��es de eucaliptos e misturam a madeira que segue para alto-fornos de sider�rgicas e ind�strias de celulose.
Num desses desmates, uma �rea de 233 ha de cerrado, pr�xima ao Parque Estadual do Sumidouro, perdeu 97 ha em cinco anos. “Tem sido muito comum: desmata-se o eucalipto e adentra-se a mata nativa. O setor est� numa corrida, porque a partir de 2018 n�o ser� permitido exceder o percentual de 5% de mata nativa para o consumo de alto-fornos. Isso ter� de ser substitu�do por eucaliptos, que precisam ser plantados logo, pois levam sete anos para corte”, alerta Walter Melo.
A perda de vegeta��o nativa afeta os tr�s biomas dominantes em Minas, que, de acordo com o IEF, chegam a 33,12% do territ�rio. Ainda restam 57,44% da caatinga, 39,44% do cerrado e 23,26% da mata atl�ntica originais. Al�m de garantir a biodiversidade, a vegeta��o impede assoreamento de rios e c�rregos, protege nascentes e �reas de recarga dos mananciais que abastecem o estado.
Na compara��o com a cobertura vegetal de 2003, Minas perdeu 2,7% de sua �rea de florestas nativas. A devasta��o tamb�m ocorre nas unidades de conserva��o, como o Parque Estadual Caminho dos Gerais, �nica �rea de prote��o da caatinga, no Norte de Minas, que perdeu 103 ha entre 2001 e 2013, segundo a ONG Global Forest Watch, e a �rea de Preserva��o Ambiental Carste de Lagoa Santa, que diminuiu de 611 ha no mesmo per�odo.