
Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado, Periquito, Galileia, Resplendor e Aimor�s – Juliano Reis, um pescador profissional de 38 anos, parece n�o acreditar no que os pr�prios olhos avistam no encontro das �guas que d� origem ao Rio Doce: “Tinha uma capoeira, onde ficavam as capivaras, bem ali, no encontro do Rio Piranga com o Carmo. A lama destruiu tudo, arrastou e matou os bichos. N�o tem como a gente se conformar com o que ocorreu”. Ele se refere ao tsunami de rejeito de min�rio liberado pelo estouro da Barragem do Fund�o, em Mariana, de propriedade da Samarco, uma joint venture entre as gigantes do min�rio Vale e a anglo-australiana BHP Billiton. Mas n�o foi a vida aqu�tica a �nica sufocada: o desastre devastou matas ciliares e mudou a fauna �s margens do rio. Lugares que eram habitados por lontras, patos selvagens e outras esp�cies agora s�o ocupados por montes de rejeito mineral, em um crime ambiental mapeado pelo Estado de Minas em todo o trajeto mineiro do Rio Doce.

O que o pescador observa, entre revoltado e incr�dulo, � resultado da passagem de um turbilh�o de cerca de 60 milh�es de metros c�bicos de res�duos, despejado na natureza pela cat�strofe. O desastre devastou povoados de Mariana, invadiu a cidade vizinha de Barra Longa, matou pelo menos 12 pessoas e deixou 11 desaparecidas. � a maior trag�dia ambiental em Minas Gerais e no pa�s, e, no mundo, o maior desastre da minera��o. “Mais de 120 nascentes foram soterradas”, lamenta Carlos Eduardo Silva, diretor do comit� federal da Bacia do Rio Doce, o maior curso d’�gua que corre exclusivamente no Sudeste brasileiro, com 853 quil�metros de extens�o.
Os peixes e as capivaras que viviam pr�ximo � casa de Juliano foram as primeiras v�timas no Doce. “N�o h� mais capivaras aqui”, lamentou. Um emaranhado de troncos com cobertura de barro ocupou tanto a capoeira em que os animais costumavam descansar quanto as margens do rio, onde o gado buscava �gua fresca. Os rejeitos devastaram toda a vida aqu�tica nesse trecho do leito. Em todo o Rio Doce, popula��es inteiras de peixes sucumbiram � lama.
Onze esp�cies end�micas da bacia j� estavam em risco de extin��o. Agora, o perigo de elas desaparecerem ficou maior. “O surubim-do-doce, por exemplo, desapareceu de quase toda a bacia em raz�o da pesca. Ainda h� registros dele no Piranga e no Santo Ant�nio (afluentes do Doce). Esse animal vive entre pedras e no fundo, a �rea mais afetada pela lama”, informou o bi�logo F�bio Vieira, com doutorado em ecologia e um dos maiores especialistas na ictiofauna da Bacia do Rio Doce.
Sede � beira do
curso barrento
O desastre prejudicou produtores, como Armando Raimundo, de 57. “O pasto virou lama. Os bichos correm o risco de atolar e morrer. E n�o podem beber a �gua do rio. N�o sei como vou fazer para continuar a cria��o.” Os rejeitos expulsaram animais das margens. E levaram pescadores a ancorar canoas por tempo indeterminado, como fez Jos� Gomes de Oliveira, de 62.
Ele mora em Periquito, no Vale do Rio Doce, onde o desastre causou desabastecimento de �gua at� para consumo humano. Mas o que mais preocupa Jos� � a falta de peixes no rio. “Tinha curimat� demais por aqui. Agora, n�o h� nenhuma. Nada mesmo. Nenhum bicho sobrevive nessa �gua.”
Mem�ria
Origem
O Rio Doce foi uma esp�cie de estrada usada por bandeirantes para colonizar terras ent�o in�spitas, que hoje integram o Leste de Minas e o estado do Esp�rito Santo. O primeiro contato dos europeus com o leito foi em 13 de dezembro (Dia de Santa Luzia) de 1501. Em raz�o da data, o curso d’�gua foi batizado com o nome da santa protetora
da vis�o. S�culos depois, passou a ser chamado de Rio Doce.