No Provid�ncia, hotel de nome sugestivo no Centro Hist�rico de Mariana, est� alojada a maior parte dos ex-moradores de Bento Rodrigues. Na varanda, d�-se o di�logo com F., de 2 anos. Apesar da fralda descart�vel, sobressaindo embaixo do vestido de fita vermelha, a menina � precoce no desenvolvimento da linguagem. Melhor dizendo, fala sem parar e d� opini�es sobre tudo. Com uma �nica express�o, resume o que est� entalado na garganta das tr�s gera��es de mulheres da fam�lia Sobreira, encabe�ada pela av�, Ros�ngela da Silva Sobreira, de 45 anos, uma das seis integrantes da associa��o de fabricantes da geleia de pimenta biquinho. Nem mesmo o sabor do doce t�pico de Bento � capaz de tirar da boca o travo amargo da trag�dia do Fund�o, que h� 22 dias levou embora refer�ncias �ntimas, como uma varanda cheia de flores e uma mamadeira cor-de-rosa, irremediavelmente engolidas pela lama.
– F., voc� gosta mais do hotel ou da sua casa?
– De Bento.
– E onde est� Bento?
– Bento? Cabou! – completa a garota, com gesto desolado e a express�o de “puf!”
Nem d� tempo de Fabiana impedir a crian�a de buscar a liberdade. S� lhe resta ir ao encal�o para pegar a filha de volta, pois tem medo de deixar a menina solta entre estranhos, misturados entre novos h�spedes e antigos vizinhos. � uma sensa��o diferente. “Nunca tinha dormido em um hotel”, revela Ros�ngela, sentindo-se, de certo modo, ofendida, como se at� agora n�o tivesse precisado contar com hospedagem alheia. “Minha casa tem 12 c�modos e uma varanda cheia de flores. L� em cima, fica o terra�o com piscina de bolinhas para a minha neta brincar. Ela est� sentindo muita falta do triciclo, que tinha acabado de ganhar do av�”, diz.
No entanto, Ros�ngela acredita que a crian�a est� se adaptando melhor � nova realidade do que o av�, o operador de retroescavadeira Sidney Sobreira, de 45, que idealiza a reconstru��o de Bento no mesmo lugar que antes. “Ele sempre falou que iria nascer e morrer em Bento, feito o pai dele, que morou l� a vida inteira e felizmente se foi em janeiro, aos 75 anos. N�o teve tempo de assistir � trag�dia”, compara. J� a crian�a ressentiu-se mais da situa��o nos primeiros tr�s dias. Perdeu o apetite e enjeitou o leite da mamadeira nova, que a m�e comprou na farm�cia de Mariana. A original, na cor preferida, rosa, havia ficado para tr�s na lama. “O m�dico fez os exames e n�o achou nada”, contou a jovem mam�e. Devia ser s� mesmo uma rea��o � tristeza.
NOITES EM CLARO Nos tr�s primeiros dias, F. tamb�m enfrentou dificuldades para dormir, pois estava mal-acostumada a ser embalada, todas as noites, seja no carrinho, na rede da varanda ou na cadeira de balan�o. “Ela custou a acostumar. Ficou rolando na cama at� apagar”, diz Fabiana, com um suspiro. Ela mesma n�o consegue aceitar a ideia de ter perdido todas as fotos da filha quando era beb� e do anivers�rio de um ano, quando fez a festa da Minnie. Restou um �nico retrato no celular, meio desfocado, onde F. aparece ao longe.
“N�o gosto nem de ficar lembrando, mas tinha guardado a primeira roupinha dela, de sa�da da maternidade, bordada pela av�, e oito bonecas ainda na caixa”, explica Fabiana, dizendo que a menina estava enjoadinha at� receber os brinquedos da ado��o. “Ajuda demais. Nem sei o que faria sem a ajuda das pessoas”, completa a m�e, que se distrai levando a neta mimada, a mais velha da fam�lia, para escolher pe�as de roupa de segunda m�o na Arena Mariana. “Ela acha que est� comprando roupas novas. � uma gra�a!”, define a vov�, orgulhosa porque a neta se tornou a atra��o mirim do hotel.