
Mariana – O sol abrasador do meio-dia, a emo��o e a longa caminhada fazem o aposentado Ad�o Geraldo Gomes suar em bicas, tirar a camisa e pass�-la no rosto para enxergar melhor. Um passo atr�s, segue a mulher Maria Aparecida e, ao lado, a filha Bruna, de 25 anos. A unir a fam�lia, um peda�o de madeira sobre o ombro direito, de onde pende uma trouxa de pano vermelho, numa cena que remete aos retirantes da seca nordestina em �pocas passadas. “Aqui est� o que restou de 48 anos de vida em Bento Rodrigues. Neste saco, est�o as roupas da minha m�e. Foi s� isso que conseguimos recuperar de nossa casa. Hoje, somos os retirantes da lama”, afirma Ad�o Geraldo, que mora com a fam�lia num hotel desde o rompimento da Barragem do Fund�o, da Samarco, desastre ambiental e humano que completa um m�s no s�bado.
No fim de semana, com a vigil�ncia de militares do Corpo de Bombeiros, dezenas de ex-moradores do subdistrito de Bento Rodrigues voltaram ao local distante 23 quil�metros do Centro de Mariana, na Regi�o Central, em busca de objetos pessoais, utens�lios dom�sticos, imagens de devo��o e outros pertences que, por alguma raz�o, n�o foram soterrados pelos milh�es de metros c�bicos de rejeitos de min�rio vazados da estruturam da empresa. “� a primeira vez que volto aqui. Perdi tudo, fiquei sem documentos, cal�ados, n�o tenho mais meu Fusc�o”, conta o homem de 48 anos, que traz tamb�m no ombro a enxada marcada pelo barro e usada para raspar o ch�o da moradia em ru�nas.
“� preciso reconstruir um novo Bento”, aponta o aposentado. Bruna tem os olhos baixos, ajudou no trabalho de garimpagem e, de vez em quando, em sil�ncio, registrou no celular as imagens que entraram de forma dram�tica para a hist�ria da fam�lia. Depois da visita, os tr�s puseram a trouxa no porta-malas de um carro e partiram para Mariana – sem olhar para tr�s.
A paisagem tr�gica de Bento Rodrigues � muito mais ampla e sinistra do que se pode imaginar. Com acesso restrito desde o rompimento da barragem, o subdistrito s� tem o sil�ncio cortado pelo vento e barulho de uma fam�lia de maritacas, donas da viga do telhado de uma casa na parte n�o atingida pela lama. Ao avistar gente no peda�o, as aves se empolgam e d�o voos rasantes, num gesto t�pico de defesa do ninho.
DESCOBERTAS Os primeiros passos no solo rachado pelo sol, movedi�o em parte e brilhante pelo min�rio de ferro exposto � luz solar causam surpresa, como��o e um pouco de n�usea. Logo de cara, as narinas s�o invadidas pelo cheiro f�tido da lama que apodrece junto com as mercadorias de um bar. Nesse ambiente degradado em todos os sentidos, onde as pessoas retiram o que podem e depois se retiram sem muita esperan�a, uma mulher aponta um cacho de bananas quase maduro. “Aceita uma?”, oferece ao rep�rter. “Esse cacho estava aqui verdinho antes da trag�dia. Ficou inteiro n�o sei como”, disse a mulher. Na caminhada por Bento Rodrigues, � poss�vel encontrar ursinhos de pel�cia de v�rios tamanhos, num c�modo com jeito de quarto de crian�a, al�m de uma caixa de l�pis de cor aberta sobre o barro, entre v�rias outros itens.
De repente, um sorriso de onde menos se espera. Depois de passar a manh�, encurvada, revirando o antigo lar, perto da Escola Municipal Bento Rodrigues, Ros�ngela Maria Silva Sobreira encontrou cal�as jeans, as quais estavam agora cuidadosamente dobradas, dois botij�es de g�s e seu maior tesouro: a cole��o de perfumes. “Adoro eles, s�o minha paix�o. Isso me d� um pouco de satisfa��o”, revela Ros�ngela, na companhia de familiares empenhados em esquadrinhar a �rea. Ajudando o grupo, Sandra Aparecida da Silva, de 41 anos, guarda com nitidez na mem�ria o momento em que a lama da barragem desceu morro abaixo para soterrar vidas e a hist�ria do vilarejo fundado no s�culo 18 pelo bandeirante Bento Rodrigues. “Parecia um filme de terror, n�o d� para esquecer.”