Paulo Henrique Lobato
Enviado especial

Rio Doce – Daniel Duarte Caetano, de 38 anos, observa, incr�dulo, o estrago causado no lago da Usina Hidrel�trica Risoleta Neves, conhecida como Candonga, na cidade de Rio Doce, na Zona da Mata, pelo estouro da Barragem do Fund�o, da Samarco, em 5 de novembro de 2015. H� exatamente tr�s meses, 32 milh�es de metros c�bicos de rejeitos de min�rio de ferro mancharam as margens e o espelho d'�gua, formado pelo rio hom�nimo ao munic�pio, com um marrom forte. A mineradora enviou dragas para a retirada da lama, mas a pr�pria empresa, controlada pela Vale e BHP Billiton, n�o tem previs�o de quando conseguir� recuperar o cart�o-postal.
O estouro da Barragem do Fund�o causou o maior desastre socioambiental do pa�s: 17 pessoas perderam a vida, duas continuam desaparecidas, mais de 300 fam�lias foram desalojadas, dezenas de cidades tiveram o abastecimento de �gua comprometido, 1.469 hectares de matas ciliares foram destru�dos, pelo menos 100 nascentes foram soterradas, tr�s rios e o Atl�ntico foram atingidos e um incont�vel n�mero de animais morreram. Muitos dos bichos exterminados habitavam ou dependiam das �guas do lago da usina Risoleta Neves.
O lazer e v�rios empregos garantidos pelo lago foram eliminados na regi�o. Quase tr�s meses depois do desastre, a nova paisagem em Candonga choca moradores e visitantes. “Praticamente todos os fins de semana pedalo 28 quil�metros, de Ponte Nova, onde moro, at� o lago, onde pescava, nadavam e me divertia. Agora venho ao rio para ver a destrui��o. Quando tudo isso ser� recuperado?”, questionou Daniel.
A Samarco informou que “far� o trabalho de dragagem de Candonga em fases. A primeira, em andamento, � considerada emergencial e s� se encerra no fim de julho. Nessa etapa, ser� dragada uma extens�o de 400 metros lineares a partir do barramento da hidrel�trica, cujo volume, segundo a empresa, � 550 mil metros c�bicos. “A segunda fase ser� iniciada na sequ�ncia (depois de julho), quando as comportas da usina ser�o fechadas para o enchimento do reservat�rio. Como este processo depende das chuvas, n�o h� prazo estipulado para o in�cio dos trabalhos”, afirmou, em nota, a mineradora.
As comportas da usina foram abertas para ajudar no processo de limpeza do lago. Em raz�o disso, na �rea do reservat�rio, voltou a correr o leito natural do rio. O cons�rcio que administra a hidrel�trica, formado principalmente pela Cemig e Vale, uma das controladoras da Samarco, suspendeu a gera��o de energia el�trica no dia seguinte ao vazamento da Barragem do Fund�o.
O cons�rcio n�o tem previs�o de quando voltar� a gerar eletricidade. A aus�ncia de uma data para a entrega do lago ao lazer da sociedade preocupa Wanderlei Raimundo Natal, de 46, morador de Rio Doce. Pescador profissional, h� 12 anos, ele assina um contrato tempor�rio com uma empresa que presta servi�o ao cons�rcio da Risoleta Neves.
Wanderley � um dos respons�veis, no per�odo da piracema, por capturar peixes na parte debaixo do pared�o da usina e despej�-los do outro lado. A piracema na regi�o vai de novembro a mar�o. Em 2015, ele havia trabalhado uma semana quando a lama atingiu o lago, a 120 quil�metros da Barragem do Fund�o. Resultado: o contrato com a empresa foi desfeito.
“A lama chegou no dia seguinte ao vazamento. Est� dif�cil para mim, pois estou sem a renda com a piracema. � um dinheiro que me faz falta: R$ 2,5 mil mensais”, conta Wanderlei. Ele explica que contribu�a para a procria��o de esp�cies como pacum�, dourado, curimba, lambari, cascudo, entre outras.
VIDA AQU�TICA Um estudo foi encomendado pela mineradora � Acqua Consultoria, do bi�logo F�bio Vieira, um dos maiores especialistas sobre o Rio Doce. A pesquisa, ainda em andamento, j� confirmou que h� vida aqu�tica em Candonga.
A not�cia ameniza a dor no cora��o de Fernando Ant�nio Coelho, de 56, que costumava pescar no reservat�rio nos fins de semana. Poucos dias depois de a lama chegar � usina, ele coletou uma amostra da �gua e a levou para casa. “A garrafa est� guardada. O rejeito desceu para o fundo (do recipiente) e a �gua est� clara em cima. D� d� ver o rio nessa situa��o”.
Diretores da Samarco ser�o indiciados por mortes
O delegado da Pol�cia Civil Rodrigo Bustamante, respons�vel pelo inqu�rito que apura o desastre causado pela barragem da Samarco, ir� indiciar diretores da mineradora pelas 19 mortes (duas pessoas continuam desaparecidas) causadas pelo estouro da represa do Fund�o – os nomes dos funcion�rios n�o foram divulgados. A modalidade do crime ainda ser� definida pelo investigador: doloso (quando h� inten��o do resultado), dolo eventual (quando n�o h� a inten��o, mas assume-se o risco) ou culposo (sem inten��o). J� a mineradora dever� responder por crime ambiental.
Bustamante quer saber se os diretores tinham conhecimento de que a barragem corria o risco de se romper. Por isso, ontem, ele e mais 16 policiais apreenderam, com autoriza��o judicial, computadores na sede da mineradora, em BH, e na unidade em Mariana, na Regi�o Central.
Os focos s�o o conte�do das trocas de e-mails entre os suspeitos e canais internos de comunica��o. “Ap�s tr�s meses de investiga��o, verificamos a necessidade de algumas medidas cautelares e conseguimos a quebra de sigilo da inform�tica e telem�tica. V�rios arquivos foram baixados. C�pias de e-mails ser�o analisadas”, disse Bustamante.
A Civil e outros �rg�os que investigam o caso – Pol�cia Federal, Minist�rio P�blico de Minas Gerais (MPMG) e Minist�rio P�blico Federal (MPF) – j� apuraram que o piez�metro, equipamento que mede o n�vel do volume de rejeitos da barragem, n�o estava funcionando no dia do desastre. “A �ltima leitura do aparelho foi em 26 de outubro, 10 dias antes de a barragem se romper”, disse Bustamante.
INQU�RITO O prazo para a conclus�o do inqu�rito � 15 de fevereiro, mas o delegado poder� pedir � Justi�a a prorroga��o da data, como j� ocorreu duas vezes. O inqu�rito cont�m aproximadamente 1,5 mil p�ginas. Mais de 80 pessoas foram ouvidas, entre elas o ex-presidente da mineradora, Ricardo Vescovi, que pediu licen�a do cargo.
Em nota, a Samarco informa que colaborou com a dilig�ncia policial, “assim como vem fazendo desde o in�cio das investiga��es das causas do acidente com a Barragem do Fund�o”. “A empresa considera a medida desnecess�ria, j� que respondeu a todos os of�cios e requisi��es das autoridades e tem pol�tica rigorosa de preserva��o de suas informa��es”, acrescentou.
Ru�nas � vista
A abertura das comportas em Candonga reduziu o volume de �gua e deixou � vista a ru�na de uma antiga fazenda. Para a constru��o da usina hidrel�trica, que foi inaugurada em setembro de 2004, mais de 100 fam�lias que formavam a comunidade de S�o Sebasti�o do Soberbo foram retiradas do local. Elas deram origem � Nova Soberbo, que pertence � cidade de Santa Cruz do Escalvado.