Mariana – H� aproximadamente seis meses, no dia em que a Barragem do Fund�o se rompeu, em Mariana, na Regi�o Central de Minas, as ruas do distrito de Bento Rodrigues foram inundadas por uma gigantesca massa de lama fina e res�duos de min�rio. Moradores deixaram suas casas �s pressas, com o que puderam carregar – n�o mais que a roupa do corpo, algum mantimento e poucos documentos – em uma evacua��o afobada, enquanto o vagalh�o de rejeitos que vinha da �rea da mineradora Samarco engolia habita��es, com�rcio e igrejas, expulsando os fugitivos para pontos mais elevados e seguros. S� do povoado morreram cinco pessoas, entre elas duas crian�as. Naquele momento, pouco depois das 16h de 5 de novembro de 2015, o hist�rico distrito deixava de ser uma comunidade: transformou-se em um vilarejo fantasma, com marcas da cat�strofe petrificadas em areia, barro e min�rio de ferro.
Passado um semestre, a equipe do Estado de Minas retornou ao povoado para mostrar cicatrizes que s�o parte do pior desastre socioambiental do pa�s, que sepultou Bento Rodrigues e arrasou Paracatu de Baixo, a cidade de Barra Longa, matas, margens e as calhas dos rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce, at� a foz no estado do Esp�rito Santo, onde os detritos alcan�aram o mar.
No dia do acidente, todas as estradas para Bento Rodrigues foram soterradas por lama. Nove pontes foram destru�das. Durante a noite, quando as equipes de resgate e de engenharia da Samarco come�avam a tentar reabrir esses acessos, era poss�vel ouvir gritos de desespero e pedidos de socorro de moradores ilhados. No dia seguinte, enquanto helic�pteros e tratores tentavam chegar, a natureza tamb�m parecia reagir � trag�dia: p�ssaros piavam enquanto voavam em c�rculos procurando por ninhos soterrados, c�es abandonados latiam por seus donos e o gado atolado mugia por ajuda.
Os sons perturbadores da natureza devastada, agora, n�o passam de sussurros que passam despercebidos a ouvidos desatentos. N�o porque o pacato distrito tenha recuperado seus ares interioranos, mas porque as m�quinas pesadas da Samarco trabalham 24 horas por dia revolvendo solo e pedras, em obras na �rea onde foi constru�do um dique de reten��o para impedir que mais lama chegue ao Rio Gualaxo do Norte.
O casario na parte superior de Bento j� n�o tem mais janelas, portas ou m�veis. O que n�o foi saqueado foi retirado por moradores que sobreviveram. Na paisagem devastada s� h� caminhos onde os tratores da Samarco abriram ruas. Nas casas, ainda existem in�meras marcas da viol�ncia da onda de detritos, como m�veis atirados em quintais, eletrodom�sticos dependurados em telhados e ve�culos esmagados. As constru��es foram tingidas pela lama, ganhando uma tonalidade ocre que as transformou em um labirinto de ru�nas de cor uniforme.
Nesses caminhos, os relatos dos sobreviventes ganham vida. � inevit�vel pensar neles enquanto se olha para as casas mais altas, que serviram de abrigo na hora da emerg�ncia. Quando se chega � Escola Municipal Bento Rodrigues, d� para imaginar a correria de alunos e professores, que deixaram quadros meio escritos e cadernos para tr�s. Um livro de ponto dos professores com suas p�ginas de papel endurecidas pelos rejeitos vai sendo folheado pelo vento, que de rajada em rajada levanta nuvens de poeira.
Durante o dia, o movimento no vilarejo se d� apenas nas �reas onde trabalham oper�rios e arque�logos, que escavam as ru�nas da antiga capela de S�o Bento e suas muralhas do s�culo 18. � noite, mesmo com o som intermin�vel do maquin�rio, os ru�dos entre as constru��es s�o sons de uma cidade-fantasma: peda�os de telhas e lajes que se desprendem, do vento fazendo bater janelas que n�o ser�o mais fechadas e de c�es vadios que ainda perambulam pelas ru�nas.