A necessidade de cuidado e aten��o constantes fazem com que n�o apenas a dor nas articula��es aflija os doentes da febre chikungunya. Muitos sofrem por se sentir como um fardo para os familiares, j� que deles necessitam para atividades simples, como tomar banho ou usar o banheiro. M�es que sofrem por n�o poder tomar conta dos filhos. Mulheres que amargam o afastamento dos maridos devido � grande dor que sentem ao menor toque. A desconfian�a dos patr�es, que acabam n�o podendo contar com seus empregados doentes. A agonia da incerteza de n�o saber se essa sina se resumir� a dias ou se vai durar meses ou at� anos.
O sofrimento dos pacientes de Governador Valadares, a cidade mineira mais afetada pela febre chikungunya, est� estampado nos rostos e marca a hist�ria de vida de cada um deles. Pais de fam�lia, m�es solteiras, jovens casais, idosos desesperados. O fluxo dentro do Centro de Aten��o em Arboviroses � de pessoas consternadas, gente gemendo de dor sobre macas ou nos leitos, pacientes se arrastando com soro ligado aos seus bra�os e muitas queixas. Mas � ali tamb�m que recebem o al�vio, as doses de medicamentos que lhes aplacam as dores nas articula��es e hidratam seus corpos enfraquecidos pela enfermidade. Um cuidado que aos poucos restaura o �nimo para que consigam voltar a exercer suas profiss�es e retribuir o amor dos familiares e amigos.

Sem descanso
Mariana Alves da Concei��o, de 28 anos, int�rprete de libras
H� dois meses tenho esses sintomas. Um dia acordei com muita dor, sentindo calafrios, cheguei ao trabalho tremendo e tive de ir embora. Fui ao m�dico, onde constataram que era chikungunya. � a terceira vez que venho ao Centro de Aten��o em Arboviroses. �s vezes, fico com muita febre, com dor lombar, nas pernas, no corpo. Passo noites com dorm�ncias nas m�os e dores muito fortes.
Com isso, a gente n�o descansa e passa o dia ainda pior. A nossa rotina muda toda, porque n�o damos conta mais de fazer as coisas. A gente trabalha muito indisposto, tem de ir ao m�dico novamente para pegar atestado. At� minha vida social est� ruim. Tem me acontecido muito: vou trabalhar de manh�, sinto muitas dores e tenho de pedir para sair. A dor pode vir devagar, aos poucos, ou de uma vez s�, insuport�vel, nas pernas e na coluna. � uma fadiga enorme que a gente sente.

Apelo � compreens�o
Maria Aparecida Roque, coordenadora do Centro de Aten��o em Arboviroses
Sei muito bem o que os pacientes daqui passam porque tamb�m tive essa doen�a. � um mal que te incapacita. Temos febres, n�useas e problemas nas articula��es. Tivemos um surto muito grande, j� chegamos a atender entre 100 e 150 pacientes por dia e n�o terminou, porque entre seis meses e um ano essas dores continuam, as pessoas acabam sendo encaminhadas para os postos de sa�de para tratar do reumatismo.
O doente do chikungunya precisa de prioridade e uma aten��o continuada. Os pacientes s�o afetados em todas as suas atividades. No caso das mulheres, por exemplo, n�o conseguimos trabalhar em casa nem fora dela. As m�os ficam comprometidas, n�o � poss�vel andar direito nem se sentar. Em casa, voc� n�o consegue colocar o filho no colo, e at� na vida conjugal voc� acaba sentindo tantas dores e desconforto que se afasta do marido. As pessoas com chikungunya precisam sobretudo de uma grande compreens�o da empresa onde trabalham, da fam�lia e do parceiro.

Peso da depend�ncia
Rosimary Oliveira Martins, de 46 anos, dona de casa
Sou de Bert�polis, na divisa com a Bahia, e vim morar aqui com minhas filhas. N�o tenho marido, mas isso nunca tinha sido problema para a minha luta. Eu dava conta. S� que j� tem quase tr�s meses que estou nessa peleja com a febre chikungunya. � a segunda vez que sou internada. Na primeira, foi minha irm� quem me trouxe. A� me medicaram com soro, levei alguns rem�dios. Achei que ficaria bem, mas agora estou atacada do corpo todo. N�o tem um lugar no meu corpo em que n�o sinta dor.
N�o consigo me virar para nada. Se algu�m me chama, tenho de girar o corpo inteirinho, porque o pesco�o n�o vira. Minhas m�os e meus dedos n�o se fecham, meus p�s incham. Se saio um pouquinho com minha filha, na volta vou direto para a cama, porque a dor vem forte demais. Sinto todas as minhas juntas inchadas.
Hoje n�o consegui nem me levantar sozinha. Tive de pedir ajuda. Minha irm� precisou chamar o Samu e vim de ambul�ncia, mas aqui preciso de ajuda de todo mundo. A dor � muito forte, n�o desejo o que passo para ningu�m. J� peguei dengue, mas a chikungunya � mil vezes pior. N�o consigo pegar nada com a m�o. N�o consigo nem segurar um copo, um prato, um talher. N�o consigo mais fazer nada. Para me levantar, preciso de ajuda. Para usar o banheiro, preciso de ajuda.
Minha filha falou assim para mim: ‘M�e, voc� n�o serve para mais nada.’ � dif�cil ouvir isso, principalmente porque eu sou m�e e pai das minhas meninas. Tenho duas filhas, uma de 13 e outra de 15 anos e uma mo�a que me ajuda em casa. Se n�o fosse ela, n�o sei como ia fazer, porque minhas meninas s�o menores e s� t�m a mim para cuidar delas. Minhas meninas estudam durante o dia e n�o podem ficar comigo. Se � uma coisa mais leve at� posso tentar fazer, mas lavar uma roupa e cozinhar n�o consigo.
Sinto mais falta � das minhas m�os e dos meus p�s. Minhas m�os servem para fazer tudo e os p�s para me locomover. N�o posso mais ir aonde quero nem fazer o que quero. Depender dos outros para fazer de tudo � a pior coisa do mundo. E tem ainda essa agonia de n�o saber quando vai passar tudo isso, se � um ano ou dois. O meu caso j� passou para reumatismo.

Lourdes Honorato Pereira, de 73 anos, dona de casa
Faz 15 dias que estou com a doen�a e tenho sentido muitas dores no corpo todo, nas juntas. Estava em casa quando as dores come�aram. Pensei ent�o em ir � igreja para rezar e ver se melhorava, se Deus me ajudava, mas tive de voltar correndo e me deitar, porque n�o estava aguentando de tanta dor. A�, muita gente veio me dizer que tinha umas coisas boas de a gente tomar para melhorar. Tomei um suco de inhame e n�o funcionou. Bebi um suco de laranja e n�o adiantou. Recomendaram comer um mingau. Comi dois pratos e tive uma queima��o terr�vel no est�mago. Depois fui ficando mais fraca, n�o aguentava mais me alimentar direito e acabaram me trazendo aqui para o hospital (Centro de Aten��o em Arboviroses).
L� no meu bairro est� todo mundo com isso da� (chikungunya). Todo mundo derrubado em casa, sem poder trabalhar, as crian�as sem estudar. N�o tinha tantos mosquitos l� perto de casa. Moro perto do rio, mas as margens andam muito sujas e acho que isso � que fez com que os mosquitos aumentassem. A gente at� tenta limpar a nossa casa, o quintal e tudo mais, mas n�o adianta se as outras pessoas n�o fizerem a parte delas e limparem suas casas, porque os mosquitos v�o ficar l�.