
A mudan�a de cen�rio descrita acima, registrada na comunidade de Alto S�o Jo�o, a quatro quil�metros do barranco do Rio S�o Francisco (tamb�m com volume bastante reduzido), no munic�pio de S�o Francisco (Norte de Minas), ilustra a destrui��o provocada pela seca no interior de Minas. De acordo com o governo estadual, por causa da estiagem (uma das piores da hist�ria), 151 munic�pios j� tiveram o decreto de situa��o de emerg�ncia reconhecido pela Uni�o.
O quadro � mais grave no Norte do estado, que acumula os estragos de cinco anos seguidos de falta de chuvas. De 700 rios e c�rregos da regi�o, 550 j� est�o completamente vazios ou cortados, segundo relat�rio da Empresa de Assist�ncia T�cnica e Extens�o Rural (Emater), divulgado pela Associa��o dos Munic�pios da �rea Mineira da Sudene (Amams). A associa��o lembra que alguns dos rios maiores da regi�o j� foram perenes – como o Verde Grande e o Pardo – e aponta que cerca de 80 mil pessoas em comunidades rurais da regi�o est�o sofrendo com a falta d’�gua.
Dos 151 munic�pios em estado de emerg�ncia, 80 est�o situados no Norte de Minas, onde, historicamente, os moradores sempre sofreram com as dificuldades clim�ticas, estando acostumados com ciclos que se repetem a cada ano. No per�odo cr�tico da estiagem (normalmente, de abril a outubro), c�rregos e rios menores secam, com as grandes lagoas e mananciais mais caudalosos garantindo o abastecimento das fam�lias na fase de seca mais intensa at� a chegada do per�odo chuvoso (novembro a mar�o) – quando os rios (grandes e pequenos) e demais reservat�rios s�o recompostos.
Mas, como nos �ltimos cinco anos a regi�o foi sucessivamente castigada por longas estiagens, n�o houve o 'reabastecimento' do per�odo chuvoso. Resultado: as lagoas maiores, que eram perenes, secaram, agravando mais ainda o sofrimento e gerando uma situa��o desesperadora. Foi que ocorreu na Lagoa Grande, que antes garantia o abastecimento de 70 fam�lias da comunidade de Alto S�o Jo�o e pela manuten��o dos animais dos pequenos agricultores na zona rural de S�o Francisco. O munic�pio est� em situa��o de emerg�ncia desde janeiro, devido � escassez de chuvas.
“Essa lagoa sempre foi a lagoa-m�e. A �gua j� diminuiu muito em outros anos, mas nunca secou”, afirma o agricultor Manoel Pereira dos Santos, de 75, lembrando que a lagoa marginal do Velho Chico j� teve muito peixe e sempre foi o h�bitat de aves aqu�ticas e de capivaras. Hoje, entristecido, Manoel anda a cavalo no terreno esturricado, no mesmo local que no passado era percorrido de barco por pescadores, testemunhando que o manancial, que era fonte de vida e fartura, virou literalmente uma terra morta. A situa��o se repete em outros mananciais da regi�o, percorrida pela reportagem do Estado de Minas.

O agricultor Alceb�ades da Silva Rocha, l�der comunit�rio de Alto Jo�o, conta que, diante do secamento “inesperado” da Lagoa Grande, a Copasa montou um sistema emergencial para as 70 fam�lias da localidade, “puxando” �gua tratada (captada no Rio S�o Francisco) por uma tubula��o do vizinho distrito de Retiro (seis quil�metros de dist�ncia).
Mas, o que fazer para salvar as cria��es? Como medida extrema, diante da situa��o de desespero dos pequenos agricultores da regi�o, com o uso de um trator, a Prefeitura de S�o Francisco abriu um “cacimb�o” (um buraco de 30 metros de extens�o e 10 de largura e quatro metros de profundidade) no meio do leito esturricado do lago.
A falta de chuvas n�o � a �nica causa do secamento do reservat�rio. “O que ocorreu foi que, com o desmatamento, a enxurrada foi carregando terra para dentro da lagoa, que foi assoreada”, observa o agricultor Jos� Carlos da Rocha, de 68, morador de Alto S�o Jo�o. Ele lembra que outras lagoas da regi�o tamb�m secaram.
O aposentado Antonio Pereira dos Santos diz que se assusta com o cen�rio atual do lugar. “Essa lagoa tinha de oito a 10 metros de ‘fundura’ (profundidade). Em outros anos ela secou, mas n�o toda como agora”, afirma. “Se Deus quiser, nas pr�ximas ‘�guas’ (per�odo das chuvas) a lagoa vai voltar como era antes. Se n�o voltar, n�s todos vamos morrer, porque ela � a maior de todas as lagoas da nossa regi�o.”
Venda de �gua
A Prefeitura de S�o Francisco informou que aproximadamente 17 mil pessoas em 90 comunidades da zona rural do munic�pio sofrem com a falta d’�gua devido � falta de chuvas e ao secamento de rios, c�rregos e lagoas. Os flagelados da seca s�o abastecidos por sete caminh�es-pipas, sendo um da prefeitura e seis ve�culos da “Opera��o Pipa”, do Ex�rcito.
Em comunidades rurais de S�o Francisco, moradores est�o sendo obrigados a comprar �gua. � a situa��o vivida pela fam�lia da agricultora Cleonice Aparecida Rodrigues Rocha, da localidade de Ara��. Na �ltima quinta-feira, ela pagou R$ 150 por uma pipa de �gua (12 mil litros). “Esse dinheiro faz falta para outras coisas. Mas, n�o tem jeito, a gente n�o pode ficar sem �gua”, diz Cleonice. Ela conta que os 12 mil litros de �gua s�o suficientes para o consumo da casa durante 20 dias, mesmo assim, economizando muito. Os integrantes da fam�lia (quatro pessoas) recorrem ao “banho de caneca” e as necessidades s�o feitas no mato mesmo.
A Prefeitura de S�o Francisco informou que tem dificuldades para levar �gua para as 156 comunidades rurais do munic�pio castigadas pela seca – est�o sendo atendidos 70% da demanda. Revelou tamb�m que as fam�lias de Ara�a ainda ser�o cadastradas para ser abastecidas pela Opera��o Pipa.
A reportagem do Estado de Minas percorreu a regi�o e atravessou dezenas de c�rregos e rios secos. Na localidade de Tamburil, no munic�pio de Urucuia, repete a cena de um boi morto (por causa da falta de pasto e de �gua) pr�ximo ao leito vazio do antigo c�rrego Bor�, que parou de correr h� anos. “� muito triste ver isso. Com a seca os bichos sofrem muito”, lamenta o agricultor Apolin�rio Gomes da Silva, de 29, cuja fam�lia tem uma pequena propriedade na regi�o.
Segundo levantamento da Emater-MG, em um per�odo de cinco anos, devido �s estiagens prolongadas, o rebanho bovino norte-mineiro teve redu��o de 900 mil reses. A regi�o tinha um rebanho de 3,3 milh�es de cabe�as em 2011, reduzido para 2,4 milh�es em 2016. “Mas, com o secamento dos rios e lagoas, o agricultor familiar n�o consegue mais produzir e o aumentou muito o �xodo rural. Em algumas regi�es da zona rural, mais da metade das casas est�o fechadas”, afirma o secret�rio-executivo da Amams, Ronaldo Mota Dias.
Caminh�es-pipas s�o insuficientes
No Norte de Minas, cerca de 80 mil fam�lias sofrem com a falta de �gua. Desse total, 25 mil est�o abastecidos por cerca de 80 caminh�es-pipas, a grande maioria deles da pr�pria prefeitura. Por outro lado, a demanda � de cerca de 55 mil fam�lias atingidas pela escassez h�drica, que aguardam o abastecimento. A informa��o � da Associa��o dos Munic�pios da �rea Mineira da Sudene (Amams), que reclama da falta de apoio do governo federal aos flagelados da seca. O presidente da associa��o, Jos� Reis, lembrou que os prefeitos j� adotaram as medidas legais, ao decretar a situa��o de emerg�ncia, “mas que nenhuma a��o pr�tica foi implantada para atender �s v�timas da seca”.