O resultado n�o apenas p�e em risco a popula��o ao longo da bacia, mas tamb�m praticamente inviabiliza a navega��o e outras atividades econ�micas em v�rios trechos do Velho Chico. Um dos exemplos mais emblem�ticos desse problema est� “encalhado” em uma das margens do rio, em Pirapora, Norte de Minas. � l� que o hist�rico vapor Benjamim Guimar�es est� ancorado h� tr�s anos, sendo corro�do pelos efeitos do tempo, enquanto as perdas para o turismo se multiplicam.
O vento forte arrancou o telhado da embarca��o no dia 13. O presidente da Empresa Municipal de Turismo de Pirapora (Emtur), Orlando Pereira Lima, tamb�m vice-prefeito do munic�pio, afirma que a interrup��o dos passeios no Benjamim multiplicou os preju�zos para o turismo na cidade, altamente atingida pela seca na Bacia do S�o Francisco. “O Benjamim Guimar�es � o nosso cart�o-postal”, afirma. Segundo ele, o movimento de visitantes em Pirapora caiu 70%, prejudicando altamente os hot�is, restaurantes e o com�rcio.
O excesso de capta��es de �gua � denunciado pelo presidente do Comit� da Bacia Hidrogr�fica do Rio das Velhas, Marcus Vin�cius Polignano. Representante da entidade que responde sobre o maior afluente do S�o Francisco em extens�o, ele lembra que a Ag�ncia Nacional de �guas (ANA) s� responde pela concess�o de outorgas para retirada de �gua na pr�pria calha do S�o Francisco e em afluentes que atingem mais de um estado, como o Urucuia e o Rio Verde Grande.Nos demais cursos d’�gua que nascem em Minas e des�guam no S�o Francisco dentro do pr�prio territ�rio mineiro, as autoriza��es para as capta��es de �gua s�o emitidas pelo Instituto Mineiro de Gest�o das �guas (Igam). “As outorgas s�o emitidas levando-se em conta condi��es e limites de cada afluente, separadamente. Mas quando se somam todas as capta��es, o resultado � um volume muito grande que na pr�tica � retirado do S�o Francisco”, afirma Polignano.
Ele salienta que as quantidades m�ximas de capta��es foram estabelecidas com base em dados de m�dias hist�ricas de vaz�es dos rios que est�o defasadas. Al�m disso, destaca, os limites que cada usu�rio pode captar foi fixado levando em conta a mesma vaz�o dos mananciais durante todo ano. “Acontece que, em per�odos cr�ticos da seca, como o atual, o volume dos rios diminui muito e os usu�rios continuam captando as mesmas quantidades.” Como solu��o para o problema, Polignano sugere que o Igam, em conjunto com os comit�s de bacias, implante o sistema de outorgas sazonais, ou seja: os limites de capta��es seriam fixados conforme o n�vel dos cursos d �gua, ao longo do ano.

OUTORGAS A Ag�ncia Nacional de �guas informou que, atualmente, h� 1.524 outorgas concedidas para capta��es diretamente no Rio S�o Francisco, n�mero que aumenta para 2.551 outorgas considerando os reservat�rios de usinas hidrel�tricas constru�das na bacia. Revelou que ainda existem no �rg�o 83 pedidos de outorgas em an�lise e outros 168 n�o autorizados por diversos motivos.
A ANA nega que haja excesso de outorgas para capta��es no rio. “O problema para capta��o da �gua no S�o Francisco continua sendo de n�vel, decorrente da diminui��o da vaz�o. O que pode ocorrer � que, considerando a atual crise h�drica, alguns usu�rios outorgados podem necessitar promover ajustes em seus pontos de capta��o para chegar at� onde a �gua est� no momento (ajustes como mover as bombas de capta��o ou adotar, por exemplo, bombas flutuantes)”, argumenta a ag�ncia.
AFLUENTES SECOS As �guas da Bacia do Rio S�o Francisco s�o formadas basicamente em Minas Gerais (75%) e na Bahia (25%). S� que a maioria dos afluentes do Velho Chico nesses dois estados parou de correr ou est� com volume muito reduzido. A constata��o � do senador Otto Alencar (PSB-BA), antigo estudioso da bacia. Ele tamb�m alerta sobre a gravidade do soterramento do canal principal do rio, entupido por 23 milh�es de toneladas de sedimentos recebidas por ano.
"Tivemos que viajar em dois pequenos barcos de madeira, adaptados com motor pequeno. Mesmo assim, em muitos trechos tivemos que descer para empurrar os barquinhos, por causa dos bancos de areia. Barcos maiores n�o passam mais no rio"
Roberto Mac Donald, ambientalista do projeto Amigo das �guas, de Pirapora
Alencar lembra que em Minas, os maiores tribut�rios do S�o Francisco praticamente n�o fornecem mais �gua para a calha principal da bacia. Na margem direita, o Rio Jequita� secou completamente em 2016. O Rio Verde Grande secou no ano passado e agora est� completamente vazio novamente, condi��o que o Estado de Minas constatou o munic�pio de Ja�ba, onde o leito se assemelha a uma estrada. “Outros afluentes da bacia em Minas tamb�m est�o comprometidos, como o Paracatu. A vaz�o do Rio das Velhas tamb�m diminuiu”, comenta. Na Bahia, salienta, “todos os tribut�rios” da margem direita do Velho Chico morreram. Na margem oposta ainda correm alguns poucos rios, como o Correntina e o Carinhanha.

Restri��o afeta agricultura
Pela primeira vez na hist�ria, neste ano a Ag�ncia Nacional de �guas (ANA) decidiu restringir o uso da �gua no rio S�o Francisco e em alguns dos seus principais afluentes, para garantir a manuten��o dos reservat�rios da bacia. Desde 21 de junho est�o suspensas as capta��es por um dia na semana (�s quartas-feiras), exceto para o consumo humano e animal. A princ�pio, a medida vai at� 30 de novembro, mas o prazo poder� ser estendido caso ocorra atraso no inicio do per�odo chuvoso.
Com a ado��o do chamado “Dia do Rio”, os efeitos do assoreamento e da redu��o do Rio S�o Francisco j� podem ser sentidos em pontos distantes, doendo no bolso para quem, por exemplo, sai para comprar frutas ou verduras em um supermercado ou sacol�o de Belo Horizonte. Isso porque a restri��o da capta��o da �gua �s quartas-feiras atingiu a produ��o do Projeto Ja�ba, situado no munic�pio hom�nimo, no Norte do estado, maior per�metro irrigado em �rea continua da Am�rica Latina e grande fornecedor de frutas e verduras para a Central de Abastecimento de Minas Gerais (Ceasa-MG), sediada na capital
O presidente do Sindicato Rural de Ja�ba e Matias Cardoso, Dalton Londi, afirma que a restri��o do consumo de �gua provocou a redu��o da produtividade de culturas r�pidas, como ab�bora e tomate. E toda vez que h� queda na produ��o a tend�ncia � da subida de pre�o dos produtos para o consumidor, em fun��o da lei da oferta e da procura. Dalton salienta que ocorreu outro efeito no per�metro irrigado: “Os plantios foram retardados, seja em fun��o do estabelecimento do ‘Dia do Rio’ seja pelo receio dos produtores sobre a manuten��o do fornecimento de �gua para os pr�ximos anos”.
A equipe do Estado de Minas percorreu �reas do Projeto Ja�ba onde, mesmo sendo afetados, os produtores dizem concordar com o racionamento para garantir a �gua no Velho Chico. Por�m, lamentam que n�o tenham sido adotadas outras a��es a tempo de evitar a medida dr�stica. “Infelizmente, ao longo dos anos, a gente s� viu a �gua do rio diminuir e seus afluentes acabarem, sem a��es para sua revitaliza��o”, lamenta o pequeno agricultor Gon�alves Ces�rio, de 45 anos, que produz sementes de hortali�as. Outro produtor, Jos� Alberto Pereira, de 58, disse que suspendeu o plantio que faria em uma �rea que estava preparada. “A gente n�o sabe o que vir� no futuro”, diz.
A ANA sustenta que desde 2013 promove reuni�es sistem�ticas com os representantes dos usu�rios para o “acompanhamento sistem�tico da crise h�drica no Rio S�o Francisco”, incluindo irrigantes do Ja�ba. A ag�ncia informa que o “Dia do Rio”, “assim como as demais medidas tomadas ao longo do processo”, “foi amplamente debatido”.
Uma hidrovia inviabilizada
Durante d�cadas, ensinou-se nas escolas que o trecho do Rio S�o Francisco nos 1.371 quil�metros entre Pirapora (BA) e Juazeiro (BA) era naveg�vel. Mas a chamada hidrovia do S�o Francisco, registrada nos livros de geografia, n�o existe mais. Devido � alta carga de sedimentos no canal principal, a navega��o est� inviabilizada, a n�o ser para pequenas embarca��es.
A triste constata��o parte do ambientalista Roberto Mac Donald, do projeto Amigo das �guas, de Pirapora. Com dois amigos, em julho, ele percorreu 600 quil�metros do rio, entre Pirapora e Bom Jesus da Lapa (BA). “Tivemos que viajar em dois pequenos barcos de madeira, adaptados com motor pequeno. Mesmo assim, em muitos trechos tivemos que descer para empurrar os barquinhos, por causa dos bancos de areia. Barcos maiores n�o passam mais no rio”, disse.
Os 821 quil�metros entre Pirapora e Ibotirama (BA) j� tiveram um grande movimento de transporte de cargas. “Vimos que hoje a navega��o nesse trecho � imposs�vel. As embarca��es s� podem voltar circular entre Pirapora e Ibotirama de uma maneira: se sair na frente um maquin�rio para fazer o servi�o de dragagem e abrir o canal do rio”, comenta Mac Donald.
Ele disse que a viagem nos pequenos barcos de Pirapora a Bom Jesus da Lapa durou 12 dias. “Se o rio estivesse mais fundo, sem os bancos de areia, e a gente pudesse usar barco maior, a viagem teria sido feita em cinco dias”, afirmou o ambientalista, lembrando que o trecho mais cr�tico fica nos cerca de 300 quil�metros entre S�o Rom�o (MG) e Malhada (BA).
Roberto Mac Donald ressalta que testemunha o “soterramento” do S�o Francisco h� 28 anos, desde que come�ou a fazer viagens pelo rio. No in�cio de setembro, ele organizou a edi��o anual da expedi��o “Caminhos das �guas”, que percorreu o trecho entre a barragem de Tr�s Marias e Pirapora (180 quil�metros), com a participa��o de cerca de 100 pessoas, amantes da natureza, que usaram pequenos barcos, caiaques e jet-skis.
“Constatamos que entre a barragem de Tr�s Marias e Pirapora, o assoreamento tamb�m aumentou. De um ano para outro, surgiram dezenas de ilhas na calha do rio, que est� tomado pela areia, barro e argila”, descreve Mac Donald. Ele tamb�m lamenta os preju�zos para o lazer e o turismo, com o fim da pesca. “Vimos que pelo menos tr�s clubes de pesca que est�o fechados.”
Mem�ria
O enterro de um santo
O Estado de Minas publica desde domingo a s�rie “S�o Francisco soterrado”. A primeira reportagem revelou resultados de estudo feito em conjunto pelo Corpo de Engenheiros do Ex�rcito dos EUA e pela Codevasf, que mapeou as causas do processo. Segundo o trabalho, a cada ano o leito principal vem sendo entupido com 23 milh�es de toneladas de sedimentos, a maior parte reflexo de a��es humanas. A edi��o de ontem mostrou que o ber��rio da bacia, o pantanal do Rio Pandeiros, onde se reproduzem 70% das esp�cies de peixes, sofre com sedimentos e com a press�o da agropecu�ria.