
“O pontap� ocorreu em Fortaleza (CE), quando um casal de amigos gays foi expulso de um restaurante. Naquela cidade h� uma lei municipal que estabelece medidas contra estabelecimentos que adotem atitudes preconceituosas. Foi a� que decidimos mostrar, para quem n�o conhece, a legisla��o que nos protege”, contou a diretora de Comunica��o da Todxs, Duda Carvalho.
Depois desse epis�dio, explicou, ela come�ou a levantar at� que ponto l�sbicas, gays, bissexuais e transg�neros conheciam as leis que os protegem e estavam cientes dos direitos que lhes s�o assegurados. “A gente percebeu que as leis n�o s�o divulgadas para conscientizar a popula��o contra esse tipo de discrimina��o. � uma triste realidade no Brasil”, apontou, acrescentando que muitos nem sequer sabiam como fazer um boletim de ocorr�ncia da maneira correta. O resultado � subnotifica��o e um panorama irreal das agress�es contra o grupo LGBT .
E que n�o s�o poucas. Mesmo incompleto, por basear-se em casos noticiados pela imprensa, levantamento do Grupo Gay da Bahia (GGB), que tem servido de par�metro para esse tipo de crime, apontou, no ano passado, 445 assassinatos motivados por homofobia. Somente em Minas, foram 45 mortes, atr�s apenas de S�o Paulo, com 59.
Ainda de acordo com o GGB, a cada 26 horas ocorre um homic�dio de pessoas LGBT no Brasil. Entre 2011 e 2016, pelo menos 980 transexuais e travestis foram mortos e, nesse grupo, a expectativa de vida � de apenas 35 anos, contra os 75,8 da popula��o em geral calculados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE) em 2017.
E mais: conforme a Associa��o Brasileira de Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), 70% dos estudantes LGBT brasileiros j� sofreram discrimina��o nas escolas. Uma realidade que sucessivas passeatas e mobiliza��es ainda n�o conseguiu mudar.
TRAJET�RIA METE�RICA Duda explicou que o processo de cria��o da statup, que mobiliza um “grupo de pessoas com esp�rito empreendedor e envolvidas em um modelo de neg�cio inovador, que quer provocar mudan�as positivas para LGBT no Brasil”, teve in�cio em 2016. Todas as leis de interesse do p�blico-alvo tiveram que ser compiladas. “Foi um desafio. A gente precisava entender se elas ainda eram v�lidas no per�odo da pesquisa”, contou a diretora. O Todxs foi lan�ado em junho de 2017. Em setembro, os criadores receberam contato do Minist�rio da Transpar�ncia e Controladoria-Geral da Uni�o (CGU) propondo que o portal de den�ncias do app fosse transformado em um canal oficial, com o intuito de que os interessados pudessem, de forma an�nima, relatar qualquer tipo de agress�o.
Finalidade inicial do aplicativo, a legisla��o brasileira � mostrada por t�picos: pr�ximo a mim, educa��o, fam�lia, eventos, �rg�os e inclus�o social. � poss�vel filtrar, por meio de uma ferramenta de pesquisa, leis que dizem respeito a “nome social”, “cidadania” e “escola”, por exemplo. Na p�gina inicial o usu�rio encontrar institui��es que prezam pela diversidade sexual em todo o pa�s, um mapa brasileiro de viol�ncia e eventos programados.
“Nos vimos em uma posi��o de pioneirismo, porque s�o poucas as delegacias especializadas em receber den�ncias de LGBT . Por isso, nem sempre os boletins de ocorr�ncia s�o feitos da melhor maneira, que respeite as especificidades necess�rias nesses tipos de caso”, contou. De acordo com ela, em geral os interessados sentem maior seguran�a ao fazer a den�ncia pelo meio digital. Entretanto, ressalta Duda, o uso do aplicativo n�o dispensa a ida � pol�cia. A ideia do app � que o grupo LGBT tenha em m�os as leis para fazer registros de ocorr�ncia mais adequados e entender melhor a legisla��o que o protege”, refor�a.

M�os mineiras no projeto
Para funcionar, o aplicativo brasileiro indicado para o Google Play Awards conta com a participa��o de mineiros. O engenheiro de produ��o Diogo Silveira, de 26 anos, entrou no projeto Todxs em setembro de 2017, como gerente de desenvolvimento, tendo sido aprovado, tempos depois, como diretor de tecnologia do app. “Minha fun��o era gerir o desenvolvimento do aplicativo. Quando entrei, j� havia sido lan�ado. Ajudei no desenvolvimento de novas funcionalidades, corre��o de bugs, em altera��es etc.”, explicou Diogo, que entrou “de corpo e alma” no projeto movido pela paix�o pela causa.
“Desde sempre fui envolvido com a causa LGBT e tamb�m muito atento aos problemas de outras minorias”, contou. “Para mim, � uma satisfa��o usar a tecnologia como ferramenta para mudar a vida das pessoas e dar � popula��o LGBT ferramentas para lutar contra discrimina��o e tamb�m educar a sociedade”, pontuou o engenheiro.
Ana Beatriz Santos, de 23, estudante do mesmo curso de Diogo, foi incorporada � equipe na metade do ano passado e assumiu o posto de gerente de Novos Projetos. Ela explicou que sua fun��o na startup criadora do aplicativo � desenvolver possibilidades, analisar viabilidades e diagnosticar novas propostas. “Uma amiga me indicou, achando que eu tinha o perfil da empresa e fui por ter familiaridade com movimentos sociais. Tenho gostado bastante”, disse.
Novidades j� est�o em andamento. Segundo Ana Beatriz, a startup pretende desenvolver, at� o fim do ano, um chatbot – programa de computador que tenta simular um ser humano na conversa��o com as pessoas – para auxiliar pessoas que estejam em situa��o de risco. “Quem tiver sofrido algum tipo de preconceito poder� entrar em contato conosco para a ajudarmos”, explicou. Nos pr�ximos anos, a startup deve criar ainda um sistema para mapear not�cias veiculadas em jornais de casos de LGBTfobia para, assim, desenvolver um levantamento.
O aplicativo j� lan�ado, mesmo com pouco tempo de “mercado”, � reconhecido como um dos principais na categoria “impacto social”. Duda Carvalho disse que a nomea��o para a Google Play Awards ocorreu de forma repentina, sem programa��o nem expectativa. “Por ser o �nico aplicativo brasileiro na disputa, ainda mais em um pa�s que mais mata LGBT no mundo, entendo que � um grande passo para a gente. Estamos concorrendo com outros aplicativos maiores, mas, considerando os �ndices brasileiros, acho que � importante nossa indica��o”, explicou.
Diogo foi enf�tico ao comentar a indica��o: “Uma del�cia”. “Ter o trabalho de todo o time e o produto principal sendo reconhecido � uma satisfa��o muito grande mesmo. Ainda d� aquele g�s de que estamos no caminho certo, de que isso � apenas o come�o e que vamos alcan�ar muito mais ainda”, comemorou, orgulhoso. Os concorrentes do Todxs s�o Forest, Khan Academy, Otsimo e Tala, e a premia��o pode ser acompanhada virtualmente amanh�.
Den�ncia f�cil
Para denunciar crimes de viol�ncia contra LGBT utilizando o aplicativo, basta inserir o endere�o e nome do local ou estabelecimento onde ocorreu o fato, marcar o tipo de agress�o sofrida – podendo ser verbal, f�sica, psicol�gica etc. – e contar, em 500 caracteres, o que houve. Al�m disso, o aplicativo pede para dizer se a v�tima fez Registro de Evento da Defesa Social (Reds), conhecido como boletim de ocorr�ncia. As den�ncias s�o an�nimas e colhidas pelo Minist�rio a Transpar�ncia e Controladoria Geral da Uni�o, que pode us�-las para elaborar estat�sticas essenciais para a implanta��o de planos de combate � viol�ncia de g�nero.
*Estagi�rio sob supervis�o da subeditora Rachel Botelho