
Em 2018, quando os brasileiros lembram os 280 anos de nascimento de Aleijadinho, � importante destacar os 290 anos de Lima Cerqueira, de amplo curr�culo como gerente do canteiro de obras da Igreja de S�o Francisco de Assis, da Ordem Terceira de S�o Francisco, em S�o Jo�o del-Rei, e mestre canteiro. “Chama a aten��o na trajet�ria dele a conquista de espa�o no meio profissional de forma paciente, usando estrat�gias que lhe proporcionaram as experi�ncias necess�rias para acessar os grandes centros. Foi um empreendedor, vers�til, que deu rica contribui��o a nossa arquitetura. Sem ele, muitos artistas n�o teriam trabalho”, diz a professora, natural de Caet�, na Grande BH, com a certeza de que ter nascido numa cidade de passado colonial, a antiga Vila Nova da Rainha, foi decisivo para escolher a carreira e se interessar pela arte setecentista.
As pesquisas resultaram num calhama�o de mais de 400 p�ginas que Patr�cia pretende lan�ar como livro, ap�s defender, na Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a tese de doutorado Francisco de Lima Cerqueira: A atua��o do mestre portugu�s em Minas Gerais entre os anos de 1754 e 1808 – antes, Lima Cerqueira foi um dos mestres pesquisados na disserta��o de mestrado na mesma universidade. Al�m da investiga��o em documentos do Arquivo P�blico Mineiro (APM), em Belo Horizonte, em livros de ordens terceiras, ent�o as grandes contratantes de servi�os (igrejas, capelas etc.), bibliotecas e outras institui��es, Patr�cia visitou a terra natal de Lima Cerqueira, a Aldeia Grande, no Norte de Portugal. “Ele veio para Minas devido � oferta de trabalho aqui e tamb�m porque a fome assolava a regi�o dele, o Minho, com escassez principalmente de milho”, explica Patr�cia, que teve como orientador o professor doutor Andr� Guilherme Dornelles Dangelo.
PONTES DO TEMPO No in�cio, em Minas, o portugu�s atuou como pedreiro, depois mestre canteiro (especialista em pedra de cantaria) at� se tornar empreendedor ou empreiteiro. “Onde tinha obra, ele ia atr�s”, enfatiza a professora. Dono de uma oficina itinerante e procurador-geral da Ordem Terceira de S�o Francisco de Assis, Lima Cerqueira arregimentava m�o de obra qualificada. Para a Igreja de S�o Francisco, em S�o Jo�o del-Rei, expoente do rococ�, levou profissionais competentes e pouco conhecidos hoje, com os entalhadores em madeira Manoel Jo�o Pereira, Luis Pinheiro e Ant�nio Martins e o pedreiro canteiro Aniceto de Souza Lopes, que deu continuidade aos projetos do empreendedor.
“Tinha uma enorme capacidade de formar parcerias, algo imprescind�vel naquele universo. Era um homem � frente do tempo, de vis�o. Naquela �poca, quem n�o agia assim, n�o sobrevivia. E o artista era obrigado a ter o que se chamava ‘f�brica’, nada menos do que estrutura f�sica para levar o empreendimento adiante. Isso inclu�a os fiadores e gente com experi�ncia para trabalhar”, relata a professora. Na Igreja de S�o Francisco de Assis, em S�o Jo�o del-Rei, o empreiteiro foi o respons�vel pelo risco das torres e tamb�m pelo adro que circunda o templo, um ponto importante defendido na tese.
A rela��o de Lima Cerqueira com Aleijadinho, 10 anos mais novo, merece um destaque. Os dois trabalharam juntos na Igreja do Carmo, em Ouro Preto, a na S�o Francisco de S�o Jo�o del-Rei, atuando o portugu�s sempre como o empreiteiro e louvado. Mas foi nessa �ltima que teria ocorrido “uma certa diverg�ncia”, registrada no fim da d�cada de 1920, pelo grupo de modernistas – o escritor paulista M�rio de Andrade (1893-1945) � frente –, em visita a Ouro Preto. Eles apuraram que Lima Cerqueira modificara o projeto original do templo, “o que, � luz de documentos da �poca e da literatura sobre o per�odo, era considerado algo perfeitamente normal”, explica Patr�cia.

DESTAQUES Na Igreja de Nossa Senhora do Carmo, em Ouro Preto, Lima Cerqueira arrematou, em 1771, servi�os como o p�rtico principal e lavabo da sacristia, ambos em pedra-sab�o, e os arcos do coro. Ainda em Vila Rica, ele mostrou sua arte num chafariz no Bairro Cabe�as, datado de 1763. J� em Campanha, antiga Vila de Campanha da Princesa da Beira, contratou as obras da Igreja de Santo Ant�nio.
Quem visita S�o Jo�o del-Rei e se encanta com as pontes sobre o C�rrego do Lenheiro, cortando a cidade, pode ficar sabendo que tais estruturas foram objeto de empreitada de Lima Cerqueira. Para Patr�cia Urias, � fundamental o estudo dos profissionais que trabalharam em Minas no s�culo 18. “Eram pessoas de muito talento, mostrando que a regi�o das minas consistia num ambiente composto por profissionais e artistas competentes e havia gente interessada em valoriz�-los e assegurar o trabalho.”