
Governador Valadares – Apesar de laboratorialmente apresentar condi��es de ser consumida depois de tratada, a �gua do Rio Doce, em Governador Valadares, ainda � rejeitada pela popula��o desse munic�pio de 280 mil habitantes, o maior da bacia hidrogr�fica. Desde que os rejeitos de min�rio de ferro vazaram do rompimento da Barragem do Fund�o, em Mariana, na Regi�o Central do estado, despejando 40 milh�es de metros c�bicos de sobras das minera��es da Samarco e da Vale, boa parte da popula��o passou a incorporar a compra de �gua mineral em suas despesas do m�s. No pr�ximo dia 5, esse que � o maior desastre socioambiental do Brasil completa tr�s anos. De l� para c�, a Funda��o Renova projeta um gasto de R$ 200 milh�es com a moderniza��o das cinco esta��es de tratamento de �gua (ETAs) de Valadares e com a constru��o de uma nova adutora, de 35 quil�metros, para trazer �gua do Rio Corrente. Gastos que ainda n�o mudaram essa rejei��o da popula��o.
De acordo com o analista de programas socioambientais para a �gua da Funda��o Renova, Thales Teixeira, a aceita��o do p�blico ser� ainda constru�da aos poucos. A Renova teria, inclusive, dificuldades em investir em propagandas que poderiam ajudar nesse convencimento. “� um trabalho de formiguinha. Tem de ser feito aos poucos. Perder a credibilidade � algo que se consegue com facilidade, mas reconstruir ela � muito custoso e demorado”, afirma. Ainda conforme o especialista da funda��o, para ser distribu�da � popula��o, a turbidez da �gua, que � o n�vel de material particulado presente no l�quido, tem de estar em 5 unidades nefelom�tricas de turbidez (NTUs, na sigla em ingl�s) e o Rio Doce j� apresenta �ndices de 9 em sua �gua, antes mesmo de ser tratada.
Avalia��es do Instituto Mineiro de Gest�o das �guas (Igam) e da Funda��o Renova, que contam com v�rias esta��es de monitoramento ao longo do rio, tamb�m atestaram que a �gua poderia ser consumida. O Minist�rio P�blico (MP) tamb�m chegou a requisitar que uma s�rie hist�rica de 40 dias de an�lises de qualidade de �gua fosse feita e apresentada, sendo que nesse trabalho a qualidade tamb�m passou nos testes. O Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) determina que rios como o Doce n�o passem de 100 NTUs, mas durante a passagem da lama esse �ndice bateu os 20 mil NTUs, sendo motivo de multas contra a Samarco aplicadas pelos �rg�os de fiscaliza��o ambiental estadual (Feam) e nacional (Ibama).

Uma das esperan�as para contornar essa situa��o � a constru��o da nova adutora, que come�ou no in�cio deste m�s. A previs�o da Funda��o Renova � de que essa nova capta��o e distribui��o seja finalizada no primeiro trimestre de 2021. “Nosso compromisso � de conseguir que essa adutora abaste�a 60% do munic�pio e sirva de alternativa a hospitais, escolas e servi�os b�sicos caso uma nova trag�dia se abata sobre o Rio Doce”, disse Teixeira. Ainda de acordo com ele, fora desse compromisso, o Servi�o Aut�nomo de Abastecimento e Esgoto (SAAE) de Governador Valadares j� demonstrou interesse em fazer com que a adutora seja capaz de abastecer 100% da cidade, quando o servi�o municipal receber a opera��o da estrutura em tr�s anos.
DESCONFIAN�A O fazendeiro Marcos Jacob da Costa, de 57 anos, passou a comprar �gua mineral desde que a lama inundou o Rio Doce. “Aquela �gua l� n�o tem condi��o de se beber. A gente n�o sabe se vai aparecer algum produto da minera��o e que fa�a mal para a nossa sa�de. Por isso a gente prefere evitar. Usa a �gua s� mesmo para lavar as roupas e a casa. Para cozinhar e beber tem de ser mineral”, afirma.
O munic�pio de Governador Valadares ficou sete dias sem abastecimento de �gua devido ao desastre com os rejeitos de Fund�o. Nesse tempo, o reabastecimento s� foi poss�vel com a utiliza��o de produtos qu�micos que aglutinavam as part�culas de rejeito, permitindo a decanta��o e distribui��o. Ainda assim, o abastecimento emergencial feito com a distribui��o de �gua mineral seguiu por v�rios meses, sendo garantida por acordos entre a Samarco e a prefeitura e o MP.
De acordo com a Funda��o renova o rejeito da Barragem do Fund�o era composto essencialmente de ferro, mangan�s, alum�nio e s�lica (areia). Contudo, devido ao poder de destrui��o da onda de rejeitos ter revolvido o fundo dos rios atingidos (Gualaxo do Norte, Carmo e Doce), produtos de atividades mineradoras como ars�nio e merc�rio chegaram a aparecer nas amostragens de �gua e de solo, mas j� voltaram aos n�veis considerados seguros pela legisla��o ambiental.

Recorde de a��es na Justi�a
Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, constitui o munic�pio com mais a��es na Justi�a pedindo repara��o pelo comprometimento do abastecimento de �gua e outros danos advindos do rompimento da Barragem do Fund�o, em Mariana, na Regi�o Central do estado. S� no Juizado especial do munic�pio tramitam 50 mil processos pedindo repara��o contra a Samarco. As a��es est�o paralisadas, aguardando que o Tribunal de Justi�a de Minas Gerais decida se o juizado tem compet�ncia para esse tipo de julgamento. � de l� tamb�m o maior volume de ades�es esperado pelo escrit�rio anglo-americano SPG Law, que pretende pedir nas cortes da Inglaterra e do Pa�s de Gales uma repara��o, acionando a BHP Billiton SPL, controladora da Samarco ao lado da Vale, mas que tem escrit�rio na Inglaterra.
De acordo com os advogados norte-americanos e ingleses, o potencial de representa��es de valadarenses nessa causa seria de 100 mil atingidos. O processo no Reino Unido foi mostrado pelo Estado de Minas com exclusividade e estima-se poder reaver para os atingidos 5 bilh�es de libras (cerca de R$ 28 bilh�es) em indeniza��es, sem qualquer custo para os atingidos, mas cobrando 30% dos valores arrecadados.
O rompimento da Barragem do Fund�o despejou cerca de 40 milh�es de metros c�bicos de lama e de rejeitos de min�rio de ferro na Bacia Hidrogr�fica do Rio Doce, atingindo tamb�m a costa brasileira. Nesse que � o pior desastre socioambiental do Brasil, morreram 19 pessoas. At� hoje n�o foi encontrado o corpo de Edmirson Jos� Pessoa, de 48 anos, que trabalhava para a Samarco havia 19 anos quando ocorreu o desastre. Cerca de 500 mil pessoas foram atingidas.