
Provisoriamente num apartamento do Bairro Dom Oscar, em Mariana, Zezinho guarda um desejo no cora��o e outro nas m�os. Quando for poss�vel, quer plantar uma muda de castanheira no terreno escolhido pela comunidade para reconstru��o do subdistrito em Lavoura, distante 10 quil�metros da sede municipal e o mesmo tanto do antigo Bento Rodrigues. “Mas h� um lugar certo”, deixa claro. Diante de um quadro na sala, ele mostra um cantinho existente apenas no retrato e na mem�ria, pois tudo desapareceu no tsunami de rejeitos. “Aqui ficava uma castanheira que plantei, em 2001, bem perto da Igreja S�o Bento (s�culo 18) e do restaurante da Sandra”.
Agora com os olhos brilhantes, o presidente da associa��o tamb�m aponta, na fotografia colorida, a mesa e os bancos de madeira ensombreados e posicionados perto da igreja, onde os amigos se reuniam nos fins de semana para conversar e descansar. “A �rvore e a igreja foram assassinadas em 5 de novembro de 2015, no crime da Samarco. Foram embora o patrim�nio e o meio ambiente”, lamenta. Logo depois, movido pela for�a de viver, o homem de 74 anos, casado h� 56 com Maria Irene de Deus, conta que j� tem quatro bisnetos, completando a fam�lia de quatro filhos e 11 netos. Em cada planta, sem d�vida, est� o sinal verde da esperan�a para uma comunidade que j� sofreu tanto e luta por justi�a at� em tribunais internacionais.
FRUTOS DA VIDA A �gua gelada servida no fim da tarde quente cai bem, e, copo vazio, Zezinho convida a equipe do EM para ir at� uma parte da garagem a c�u aberto onde desenvolve seu lado agricultor. “Vendo biscoitos perto da prefeitura (de Mariana), e l� tem uma castanheira bem frondosa. Ent�o, fui pegando as sementes que ca�am e plantando. Hoje tenho 48 mudas”. Mais adiante, est�o “bem grandinhas” as sete mudas de laranjeira, mexerica ponc� e lim�o-rosa. N�o bastasse mostrar a produ��o, Zezinho entra na casa e sai por uma porta da cozinha. Tem mais: na �rea dos fundos est�o 62 vasos rec�m-plantados tamb�m com sementes de castanheira.
Compartilhando o entusiasmo do marido, Maria Irene avisa que j� est� “arrumando” flores e folhagens para a nova casa, que ter� o mesmo nome de rua e n�mero da anterior: Rua Raimundo Muniz, 131. “Vamos tocar a vida, com os vizinhos e amigos. N�o vejo a hora”, revela Zezinho, ap�s receber o abra�o carinhoso da mulher. Como o l�der comunit�rio j� disse v�rias vezes ap�s a trag�dia, n�o vale a pena ficar remoendo o passado. Mas para entender melhor sua hist�ria, � fundamental lembrar que na fat�dica tarde de 5 de novembro de 2015 o casal estava bem tranquilo em casa.
Com o “ouvido que ele tem”, conforme diz Maria Irene sobre o marido, Zezinho escutou de longe o avan�o da lama de min�rio, j� que n�o havia alarme instalado pela empresa. E ele � taxativo: “Se demorasse muito a sair, poder�amos ter morrido. Aquela lama veio lambendo tudo. Naquela hora, s� pensava coisa ruim”, recorda-se o ex-operador de m�quinas, agora mais interessado em tocar viol�o para acompanhar um coral, vender biscoito e esperar pela volta ao lar definitivo. Escapando de um fim tr�gico junto com a mulher, Zezinho ainda conseguiu salvar outras pessoas.

RETORNO Nada impede que Zezinho do Bento leve suas plantas para o reassentamento em Bento Rodrigues, explica o coordenador dos arquitetos da Funda��o Renova, Alfredo Zanon – a funda��o foi criada para gerir a a��es de repara��o e compensa��o dos danos causados pelo rompimento da barragem. Destacando que se trata de um reassentamento pioneiro no mundo, pois os moradores definem o projeto, com escolha do tipo de casa e localiza��o, com uma equipe especializada para orientar. “Vamos ter um viveiro grande, ent�o as plantas podem ser levadas para l� e distribu�das. A atitude de Zezinho do Bento � muito louv�vel, pois, al�m de fazer as mudas, ele estimula outras pessoas”, diz o especialista em obras e projetos da Renova.
A expectativa � de que, neste primeiro semestre, comecem as constru��es das casas, com previs�o de t�rmino em agosto de 2020, de acordo com entendimento entre comunidade, Funda��o Renova e Minist�rio P�blico. Para cada casa constru�da ser� preciso um alvar�. “Olhamos o desejo de cada fam�lia, e vale o que ela quer plantar no quintal ou no jardim, se pretende ter um galinheiro e criar outros animais. H� at� um pedido para instala��o de duas pocilgas, o que ser� verificado pela equipe de zootecnia e meio ambiente”, diz o arquiteto.
Em nota, a Renova informa que, durante a constru��o das casas, as fam�lias poder�o visit�-las, “vivenciando a execu��o, possibilitando criar la�os de afeto com o novo espa�o antes da ocupa��o”. Pode surgir, ainda, a necessidade de outros encontros coletivos e individuais com os moradores, como ocorreu durante o processo de “desenho” das casas, para se entender as necessidades dos grupos e fortalecimento dos v�nculos. A metodologia dos arranjos de cada casa foi definida com o Minist�rio P�blico, C�ritas, da Confer�ncia Nacional dos Bispos dos Brasil, Secretaria de Estado de Cidades e de Integra��o Regional (Secir) e representantes da comunidade.
Tr�s perguntas para Alfredo Zanon, arquiteto da Funda��o Renova
Como est� o andamento do projeto de reassentamento das fam�lias de Bento Rodrigues? Quando as fam�lias ser�o transferidas?
As obras de reassentamento de Bento Rodrigues est�o em fase de atividades de infraestrutura. Cerca de um ter�o da terraplenagem foi executado. As atividades de drenagem tamb�m foram iniciadas. A previs�o � de que o in�cio das conten��es dos lotes e a constru��o das edifica��es ocorram no segundo trimestre de 2019. As obras das casas devem come�ar no fim do primeiro semestre.
Qual ser� a dura��o da obra?
Toda a obra deve ter dura��o de 22 a 24 meses, prazo que est� sendo constru�do no Grupo de Trabalho supervisionado pelo Minist�rio P�blico, com a participa��o dos atingidos. A previs�o � que 225 fam�lias sejam reassentadas.
O l�der comunit�rio, Zezinho do Bento, tem cerca de 40 mudas em sua casa em Mariana. A ideia dele � plantar todas elas no reassentamento. � poss�vel? H� variedades indicadas pelos engenheiros?
Sim, � poss�vel. Nas �reas comuns, � preciso alinhar com a equipe de obras para avaliar o local, j� que ainda est�o ocorrendo interven��es de terraplenagem e outras iniciativas de infraestrutura. As esp�cies indicadas s�o as nativas da regi�o. J� em seus lotes, as fam�lias podem plantar o que quiser.