
Bar�o de Cocais – O caminh�o estacionou �s 12h45 em frente da casa, o ba� traseiro foi aberto e, para o compartimento vazio, come�aram a ser levados fog�o, sof�, colch�o, prateleiras de cozinha e m�veis de sala. Do port�o, a professora Vilma do Carmo Malaquias supervisionava o servi�o com um ar de al�vio e urg�ncia. “Estou com medo do rompimento da barragem, n�o posso pagar pra ver. Minha m�e tem 84 anos, ent�o, se tivermos de sair de repente ser� muito complicado”, contou Vilma, que vive h� 50 anos na Rua Desembargador Moreira dos Santos, no Bairro S�o Benedito, em Bar�o de Cocais, na Regi�o Central do estado. A moradora � uma das cerca de 6 mil pessoas da cidade que desde a sexta-feira vivem sob amea�a de ter de abandonar suas moradias a qualquer momento, desde que a barragem Sul Superior da Mina Gongo Soco, da Vale, entrou em alerta de colapso iminente.
Na manh� de ontem, o coordenador do comit� de resposta imediata da Vale, Marcelo Klein, admitiu que a estrutura de conten��o de rejeitos de min�rio de Gongo Soco � a que est� em situa��o mais preocupante. “� a que demanda mais cuidado na regi�o do Quadril�tero Ferr�fero. As sirenes em Bar�o de Cocais foram acionadas por precau��o”, explicou o coordenador, afirmando ser uma forma de alertar cerca de 3 mil fam�lias (em torno de 6 mil pessoas, conforme a Defesa Civil) moradoras dos bairros Centro, S�o Benedito, S�o Geraldo, Tr�s Moinhos e Vila Regina, localizados � margem do Rio S�o Jo�o, integrante da Bacia do Rio Doce.
Klein explicou ainda que o que elevou o risco de rompimento da barragem n�o foi a chuva, mas uma diferen�a nos sistemas de medi��o de estabilidade da estrutura, que incluem c�lula rob�tica a laser. “Esse problema ser� resolvido”, disse, antes de pedir desculpas � popula��o de S�o Gon�alo do Rio Abaixo, na mesma regi�o, onde, tamb�m na sexta-feira, foram acionados por engano alertas sonoros. Klein adiantou que poder�o ser constru�dos diques de conten��o abaixo da barragem, para evitar que a lama chegue diretamente ao Centro e bairros de Bar�o de Cocais que ficam nas �reas secund�rias � zona de autossalvamento (ZAS). Esta �ltima – a mais amea�ada, aquela em que os moradores precisam escapar por recursos pr�prios, pois em caso de desastre n�o h� tempo para a interven��o de autoridades – est� desocupada desde o in�cio de fevereiro.
TEMPO DE FUGA Ao meio-dia de ontem, um grupo esteve reunindo na sede do 26º Batalh�o de Pol�cia Militar de Bar�o de Cocais: o coordenador estadual adjunto da Defesa Civil, tenente-coronel Fl�vio Godinho, o comandante da PM local, tenente-coronel Ferraz, o delegado regional da Pol�cia Civil, Paulo Tavares Neto, o capit�o Oberdan In�cio, do Corpo de Bombeiros, o prefeito D�cio Geraldo dos Santos e representantes da Vale. Godinho informou que est� pronto para ser colocado em pr�tica, hoje ou amanh�, um plano para eventual retirada dos cerca de 6 mil moradores, em caso de rompimento da barragem, que guarda cerca de 4,3 milh�es de metros c�bicos de rejeitos. O volume equivale a algo em torno de um ter�o do que havia na Barragem 1 da Mina C�rrego do Feij�o, em Brumadinho, na Grande BH, cujo colapso completa amanh� dois meses, com mais de 300 v�timas, entre mortos e desaparecidos.
Godinho explicou que, caso haja vazamento da lama, haver� uma hora e 12 minutos para retirada das 3 mil fam�lias da chamada zona secund�ria. “O plano foi conclu�do e elaborado em parceria com a Pol�cia Militar, bombeiros e outras institui��es. A cidade foi dividida em quadrantes, com pontos de encontro dos moradores para fuga. Trata-se de um plano qualificado”, disse Godinho. A preocupa��o com os mais idosos e pessoas com problemas de locomo��o est� no centro das aten��es dos respons�veis pelo trabalho, acrescentou o capit�o Oberdan In�cio, do Corpo de Bombeiros. Est� sendo feito um cadastramento, com 12 militares passando pelas �reas sob risco iminente de cat�strofe.
SEM DORMIR Nos bairros no caminho de uma eventual onda de rompimento, margeando o Rio S�o Jo�o, imperam as noites insones. O aposentado Amaro Sabino tem vivido dias de ang�stia aos 85 anos. “Meus filhos n�o est�o me deixando dormir aqui. Toda noite eles v�m me buscar. Mas n�o consigo ficar l� muito tempo”, contou, com o semblante preocupado, ao chamar os rep�rteres para ver o quintal e o quarto. “Vivo sozinho... eu e Deus, mas n�o quero sair da minha casa. Estou aqui h� 50 anos. O pior � que n�o consigo mais dormir, desde que come�ou esse problema com a barragem”, afirmou o pai de 10 filhos.
Na sua caminhada matinal, a aposentada Sueli Fernandes Vieira contou tamb�m que n�o tem mais sossego, “assim como toda a popula��o”. Protegida do sol forte por um chap�u, reclamou que n�o h� informa��es concretas sobre o que pode ocorrer. “Dizem que a barragem pode romper a qualquer momento. � por isso que n�o consigo pregar o olho”, ressaltou.
Tamb�m no Centro da cidade o clima de tens�o � grande, diz Lucas Vilela, desempregado, que faz licenciatura em educa��o f�sica. “Temos cerca de 5 mil desempregados em Bar�o de Cocais. Se houver um rompimento da barragem, a cidade vai acabar “, disse o jovem, que est� preocupado com a vida nas comunidades onde tem parentes e amigos. “No distrito de Socorro, de onde 454 pessoas foram retiradas em 8 de fevereiro, todas hoje alojadas em hot�is, h� uma festa muito bonita, de M�e Augusta do Socorro. Vai muita gente l�. Fico pensando tamb�m na cultura do povo, nas tradi��es que ficam prejudicadas”, disse. Na manh� e tarde de ontem, o movimento era intenso na cidade, com um detalhe: muitos agora ficam vigiando as �guas do Rio S�o Jo�o, por onde desceria uma eventual onda de lama. Para evitar que moradores e visitantes ultrapassem os limites da seguran�a, seguindo em dire��o a Socorro, por exemplo, a PM mant�m barreiras com militares de prontid�o.
Em entrevista na noite de sexta-feira, o tenente-coronel Fl�vio Godinho informou que o acionamento das sirenes em bar�o de Cocais ocorreu ap�s uma empresa de auditoria independente contratada pela Vale expedir um laudo alertando para a possibilidade de liquefa��o da estrutura. Trata-se do mesmo processo que desencadeou a cat�strofe de Brumadinho, em 25 de janeiro.
Risco natural
e hist�rico
Al�m da preocupa��o com vidas humanas, em um eventual rompimento da Barragem Sul Superior de Gongo Soco, em Bar�o de Cocais, defensores do patrim�nio hist�rico voltam os olhos para o Santu�rio S�o Jo�o Batista, no Centro, joia do s�culo 18 com o tra�o arquitet�nico de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814). O templo tamb�m est� amea�ado em caso de cat�strofe, pois se localiza na �rea central. Outra preocupa��o � com o Rio S�o Jo�o e a Bacia Hidrogr�fica do Rio Doce, destru�da em grande parte ap�s o rompimento da Barragem do Fund�o, em Mariana, h� pouco mais de tr�s anos.