
“Tenho muitos sonhos. Estou aprendendo a me virar sozinho”. � assim que Carlos Cristian Oliveira Pereira da Silva, de 18 anos, resume a passagem para a vida adulta. Um momento nada diferente do vivido por outros jovens da mesma idade, n�o fosse a dificuldade adicional de n�o ter uma fam�lia para apoi�-lo nessa travessia. Mesmo assim, ele se sente privilegiado. Ele � um dos 12 rapazes e mo�as que moram em duas rep�blicas criadas pelo poder p�blico para apoiar jovens que, como ele, passaram toda ou boa parte de sua vida em abrigos para menores.
Na tentativa minimizar as dificuldades desse grupo, a Prefeitura de Belo Horizonte criou rep�blicas para jovens entre os 18 e os 21 anos, na passagem para a vida adulta. Doze vagas, em duas casas – uma feminina e outra masculina –, s�o destinadas a eles, numa retaguarda do poder p�blico para uma situa��o para qual ainda n�o havia resposta, mesmo se tratando de modalidade prevista na pol�tica nacional de assist�ncia social.
A ideia de rep�blica se aproxima � de uma casa em que os jovens se envolvem nas atividades cotidianas de um lar, compartilhando arruma��o e limpeza, lavagem de roupa, cozinha e organiza��o de contas. L�, eles trabalham e estudam. S�o acompanhados por equipes de educadores sociais, que n�o moram no im�vel, mas t�m turnos de trabalho de atendimento 24 horas.
Em 2017, j� havia um projeto sendo discutido junto ao Conselho da Inf�ncia e Adolesc�ncia. “Percebemos que os adolescentes que completavam 18 anos e sa�am ficavam sem refer�ncia. Uma inser��o que n�o cumpria os objetivos era o acolhimento nos abrigos de popula��o de rua, j� que vinham de uma realidade muito diferente e passavam a conviver com um p�blico j� adulto. Esse recorte da juventude merece muita aten��o. Tentamos agregar o hist�rico que j� vinha sendo discutido e criamos as duas unidades no fim de 2018”, conta Ma�ra Colares, secret�ria de assist�ncia social da PBH.
S�o duas as abordagens. A equipe t�cnica da unidade de acolhimento, composta por assistentes sociais e psic�logos, se dedica ao plano individual de atendimento (PIA), sobre suas necessidades de cada um ou na articula��o com suas fam�lias. A segunda � a retaguarda da sa�de, inclusive mental, da pol�tica de educa��o e da assist�ncia social, podendo ser por meio do Centro de Refer�ncia de Assist�ncia Social (Cras), na prepara��o para a qualifica��o profissional.
A secret�ria esclarece que n�o se trata de um programa pensado para todos que est�o no abrigo, uma vez que a expectativa � que haja sucesso de inser��o familiar ou de ado��o. “� um servi�o que n�o foi pensado para o p�blico que est� no acolhimento, e sim para esse recorte, para aqueles que n�o tiveram �xito na reintegra��o ou na ado��o.”
A t�cnica social Josane Alves disse que o papel dos profissionais nessas casas � ajudar a orientar os jovens a administrar a vida adulta, acompanhando as pol�ticas p�blicas previstas na legisla��o. “Nosso papel � fazer de tudo para que esses jovens se tornem cada vez mais aut�nomos, de forma que possam gerir a pr�pria vida.”

'Nosso papel � fazer de tudo para que esses jovens se tornem cada vez mais aut�nomos, de forma que possam gerir a pr�pria vida'
Josane Alves, t�cnica social da PBH
ABRIGOS A prefeitura mant�m parceria em 50 unidades para abrigar crian�as e adolescentes. Os abrigos s�o selecionados por chamamento p�blico, quando s�o conferidas as condi��es da entidade para oferecer o servi�o dentro dos padr�es exigidos pela lei. S�o cerca de 650 crian�as acolhidas em todas as idades e as casas s�o organizadas por faixas et�rias. No acolhimento institucional, a maior parte tem possibilidade de reintegra��o familiar, segundo a secret�ria Ma�ra Colares. “A diretriz do acolhimento � a reintegra��o familiar.”
Toda crian�a em unidade de acolhimento, necessariamente, teve o afastamento familiar determinado via judicial. “� medida excepcional ou transit�ria, ao contr�rio da pol�tica da d�cada de 1970, das Febems, institui��es que abrigavam menores abandonados, que, em alguns casos, eram internados compulsoriamente por for�as de seguran�a p�blica. O foco hoje, segundo a secret�ria, � n�o voltar o olhar apenas para o usu�rio que est� atendido, mas manter uma articula��o de atendimento � fam�lia daquela crian�a ou adolescente.
Atuando em outra ponta do problema, autoridades e entidades da sociedade civil promoveram ontem uma caminhada para incentivar a ado��o de menores, especialmente acima dos 3 anos de idade – na chamada ado��o tardia –, quando as expectativas de encontrar um lar se reduzem significativamente no Brasil.
DEPOIMENTOS
Cl�udio Alves Nascimento, de 19 anos, trabalhou na Asprom e cursa o terceiro ano do ensino m�dio na Educa��o de Jovens e Adultos – EJA

“Minha m�e morreu quando eu tinha 3 anos e meu pai me abandonou e nunca mais tive contato com ele. Vim do interior de S�o Paulo, onde morava com uma tia, com quem tive alguns problemas. Na capital mineira, fui morar com outra tia, mas tive desentendimentos com o marido dela. Fui levado ao abrigo por minha tia aos 17. Sentia-me abandonado. Eram muitos jovens que viviam l�. Vi que estava sozinho e queria seguir meus estudos. Depois soube da rep�blica, indicada por minha madrinha, volunt�ria que ajuda e acompanha crian�as e jovens nessas institui��es, para onde me mudei aos 18 anos. Trabalhei na Asprom, mas o contrato venceu e tenho constru�do meu curr�culo em busca de novas oportunidades. Estou no terceiro ano do ensino m�dio. Gosto muito de desenhar nas horas vagas. Aprendi copiando fotos de pessoas e depois resolvi fazer um primeiro desenho livre e n�o parei mais. Quero trabalhar com web design, estou estudando espanhol. A rela��o com as pessoas aqui na casa � boa.”
Carlos Cristian Oliveira Pereira da Silva, de 18 anos, trabalha como jovem aprendiz na Construtora Santana e cursa o segundo ano do ensino m�dio

“Fui para o abrigo com 11 anos. Sou o ca�ula de cinco irm�os. Meu pai, do qual sou filho �nico, faleceu quando eu tinha 3 anos. Minha m�e tinha problemas com o alcoolismo e me agredia quando tinha ‘crises psic�ticas’. Depois que meu pai morreu, minha m�e se afastou da fam�lia. Minha irm� mais velha me levou ao abrigo, onde fiquei at� completar a maioridade, sem que fosse adotado. Minha esperan�a era voltar a viver com minha m�e, mas n�o tenho muito contato nem com ela nem com meus irm�os. Soube que ela mora de favor, com outra fam�lia, e n�o tem condi��es financeiras para alugar uma casa. Ent�o, vir para a rep�blica foi uma ajuda grande, estava muito desorganizado, sem saber o que fazer da vida. Seria muito dif�cil se n�o estivesse aqui, teria que fazer tudo sozinho. N�o s�o todos que t�m essa oportunidade �nica. Quando completar 21, vou procurar uma casa e levar minha m�e para cuidar dela. Quero ajud�-la financeiramente. Quero arrumar um bom trabalho, fazer engenharia, viajar. Tenho muitos sonhos. Tenho trabalhado muito e estudado. Estou aprendendo a me virar sozinho. Gostaria de dizer para outros jovens que passaram por situa��es como a minha para manter a cabe�a erguida e seguir os seus sonhos.”
PROTE��O ESPECIAL
Confira os equipamentos para crian�as, jovens e adultos em situa��o de risco em BH
>> A prefeitura mant�m parceria com 50 unidades para abrigar crian�as e adolescentes at� 18 anos incompletos
>> As entidades parceiras atendem 650 crian�as abandonados pela fam�lia ou afastadas por decis�o judicial
>> S�o duas rep�blicas com total de 12 vagas (seis masculinas e seis femininas) para jovens entre 18 e 21 anos que n�o retornaram ao seio familiar ou receberam ado��o
Prote��o social especial
modalidade de atendimento assistencial destinada �s fam�lias e indiv�duos que se encontram em situa��o de risco pessoal e social, por ocorr�ncia de abandono, maus-tratos f�sicos e, ou, ps�quicos, abuso sexual, uso de subst�ncias psicoativas, cumprimento de medidas socioeducativas, situa��o de rua, situa��o de trabalho infanto juvenil, dentre outras.
Divide-se em prote��o social especial de m�dia e de alta complexidade.
M�dia Complexidade
Os servi�os da Prote��o Social Especial de M�dia Complexidade s�o executados nos Centros de Refer�ncia Especializados de Assist�ncia Social (Creas), Centros de Refer�ncia para Pessoas em Situa��o de Rua e em Centros Dia.
Alta Complexidade
Atende pessoas com v�nculos familiares rompidos ou fragilizados, a fim de garantir-lhes prote��o integral. O atendimento � realizado em equipamentos pr�prios ou em entidades conveniadas. Seus principais equipamentos s�o: abrigos, rep�blicas, albergues e centros de passagem.
Principais Equipamentos (local de atendimento)
12 Creas
1 Centro de Refer�ncia da Crian�a e do Adolescente – Centro POP Miguilim
8 Centros de Refer�ncia Especializados para a Popula��o de Rua Adulta