
Um t�tulo internacional para a regi�o do Alto Jequitinhonha – com a cor do cerrado, beleza das flores e for�a da cultura. Os munic�pios de Diamantina, Buen�polis e Presidente Kubitschek ganham reconhecimento da Organiza��o das Na��es Unidas para a Alimenta��o e a Agricultura (FAO) como integrantes do programa Sistemas Importantes do Patrim�nio Agr�cola Mundial (Sipam) – trata-se da primeira experi�ncia com tal destaque no Brasil e quarta na Am�rica Latina. Nesse cen�rio, est�o em destaque as fam�lias apanhadoras de sempre-vivas, personagens t�picos da Serra do Espinha�o, cuja parte em Minas se tornou Reserva da Biosfera. A certifica��o est� marcada para amanh�, �s 11h, no Minist�rio da Agricultura, Pecu�ria e Abastecimento (Mapa), em Bras�lia (DF).
De acordo com a FAO, o certificado visa reconhecer patrim�nios agr�colas desenvolvidos por povos e comunidades tradicionais em diversas partes do mundo, totalizando hoje 58 t�tulos. Com o an�ncio oficial de amanh�, o sistema de Minas se torna pioneiro no pa�s e se junta ao seleto grupo na Am�rica Latina que inclui o corredor Cuzco-Puno, no Peru, o arquip�lago de Chilo�, no Chile, e o sistema de Chinampa, no M�xico. Para as comunidades, a valoriza��o vem se somar a maior visibilidade para favorecer a economia, a turismo e a hist�ria.
“Acho que apanho flores desde que estava na barriga 'de' m�e. Mas, para valer, comecei na atividade l� pelos 8 anos”, conta, com o maior orgulho e bom humor da conquista, Maria de F�tima Alves, conhecida como Tatinha, de 40 anos, e moradora de Diamantina. Para ela, trata-se de um reconhecimento importante n�o s� para o estado, como para todos os povos tradicionais do pa�s. “Foi um longo processo, mas que dar� for�a para quem luta e resiste”, ressaltou a integrante da Comiss�o em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas (Codecex) e a caminho da cerim�nia de amanh� no Mapa para aplaudir o primeiro Patrim�nio Agr�cola Mundial brasileiro.
Al�m da import�ncia econ�mica, “pois h� extra��o de flores em 30 munic�pios mineiros”, observa Tatinha, a atividade ultrapassa os limites do uso na ornamenta��o. “Temos um conjunto complexo, no qual a 'panha' da flor � parte. Na regi�o, se desenvolve a agricultura familiar, o manejo da cultura e outros fatores fundamentais para a soberania familiar (direito de a comunidade decidir seu sistema alimentar e produtivo, definir alimentos saud�veis e culturalmente adequados, produzidos de forma sustent�vel e ecol�gica)”.
Ela complementa:“Temos tamb�m as manifesta��es religiosas, as festas. Afinal, a 'panha' de flores come�ou h� mais de um s�culo nesta regi�o e atualmente seis comunidade em tr�s munic�pios se dedicam a ela, embora exista um universo de grande dessa flor”, diz Tatiana, que devido a compromissos assumidos na cidade, colhe sempre-vivas “apenas de vez em quando”. O processo da candidatura foi iniciado no segundo semestre de 2017 e, observa Tatinha, teve a participa��o fundamental, para “constru��o da documenta��o (plano de constru��o din�mica)” da Empresa de Assist�ncia T�cnica e Extens�o Rural de Minas Gerais (Emater-MG, vinculada ao governo estadual.
Flores do Vale

O prefeito de Diamantina, Juscelino Roque, acredita que, a partir do certificado, ocorra maior “valoriza��o da arte e da vida de um povo humilde e cheio de tradi��es”. O prefeito de Buen�polis, C�lio Santana, tamb�m ir� a Bras�lia, na companhia da secret�ria municipal de Cultura, Turismo, Lazer, Esporte e Meio Ambiente, Ana Lu�za Pereira Arcanjo. Para a secret�ria, a certifica��o poder� ajudar a regularizar a atividade de muitos apanhadores, que, nesse munic�pio, fazem a extra��o no per�odo de abril a julho, montando os “ranchos” em �reas particulares dentro do Parque Nacional das Sempre-Vivas. “Os apanhadores vivem de um recurso da natureza, no cerrado, que valoriza a cultura local”, explica Ana Lu�za.
Tamb�m seguindo para Bras�lia, o prefeito de Presidente Kubitschek, Lauro de Oliveira, p�e f� na valoriza��o do turismo, pois a certifica��o representa um cart�o de visitas e abre portas para as belezas naturais da regi�o. “� um t�tulo internacional. Em nosso munic�pio, as fam�lias apanhadoras vivem num quilombo de raiz, muito antigo, da� a import�ncia desse reconhecimento para a comunidade”, disse o chefe do Executivo.
Destaque global

Dizem os especialistas da FAO: “Infelizmente, esses sistemas agr�colas est�o amea�ados por muitos fatores, incluindo mudan�as clim�ticas e aumento da competi��o por recursos naturais. Tamb�m lidam com a migra��o, resultando no abandono das pr�ticas agr�colas tradicionais e na perda de esp�cies e ra�as end�micas. Esses sistemas agr�colas ancestrais constituem a base para inova��es e tecnologias agr�colas contempor�neas e futuras, e sua diversidade cultural, ecol�gica e agr�cola ainda � evidente em muitas partes do mundo, sendo mantida como sistema �nico de agricultura”.
Os Giahs localizados na China, Filipinas, Tanz�nia, Emirados �rabes Unidos, Ir� e Rep�blica da Coreia tamb�m s�o Patrim�nio Mundial reconhecido pela Organiza��o das Na��es Unidas para a Educa��o, a Ci�ncia e a Cultura (Unesco). Desde a cria��o em 2002, o programa construiu “uma forte base local e reputa��o internacional nos campos do patrim�nio agr�cola e do desenvolvimento agr�cola”.
Homens, mulheres...
Os apanhadores de sempre-vivas, como se autodenominam, t�m identidade cultural de pertencimento a um amplo territ�rio e � pr�tica sociocultural desenvolvida em meio a �reas de campos rupestres (campos de altitude) do cerrado
... e as flores
Enquanto os consumidores denominam todas (as flores) como sempre-vivas, termo popularizado no com�rcio regional e nacional, no mercado internacional de artigos ornamentais, o termo flores secas � mais comum. Trata-se de um produto em grande medida exportado para Estados Unidos, Europa e �sia.
Pra n�o dizer que n�o falei de flores
No meio do Espinha�o
Dona Jovita viu um parque
H� um parque no meio do caminho
Sentiu as retinas fatigadas, muito.
Sem afastar-se, deu as m�os a Carlos
H� um parque no meio do Espinha�o
As flores continuam sempre vivas
Panha de flor, ro�a de toco,
Pequi, cagait�, capa-de-coco
O de antes, o por vir
Espinha�o divisor
Jequitinhonha, S�o Francisco abaixo
Campina-gigante, estrepa-nariz
Coinha, janeirona, chuveirinho
Brejeira, p�-de-ouro
Mata dos Crioulos, Macacos, Inha�,
Vargem do Inha�...
Lugar de �guas
Bra�nas, S�o Jo�o da Chapada
Onde o almo�o n�o � pra a gente s�
E o sabi� no quintal come a laranja
Campina, a lapa, a Chapada
Desincomodado � onde n�s fica
A Mata do Izidoro
Dona Jovita, das ra�zes do lugar
O entertimento das crian�as no tempo da panha
E a lapa � casa
As apanhadoras conhecem os caminhos
Do sert�o � serra rebrotam sempre-vivas
Antes do parque e depois dele
P� de Serra, Lavra, Raiz,
A campina de manh� orvalhada
O fogo no tempo certo pra n�o requeimar o ch�o
Guardar a semente
Crioula
O gado na solta
As panhadeiras conhecem os caminhos
Do sert�o � serra rebrotam sempre-vivas
Antes do parque e depois dele
A Serra do azul mais escuro
Embaralhando-se com o c�u
O sert�o. Rosa
O sobrevoo deu o lugar da cerca-muro
No exato instante da panha de uma flor
A aeronave n�o reparou as m�os que a colhem
H� uma pedra no meio do caminho
De Olhos D’�gua a Buen�polis
Bocai�va a Diamantina
As borboletas ainda voam de uma flor a outra
Est� decretado que devemos preservar as sempre-vivas
As apanhadoras n�o devem passar por nova ou velha trilha alguma
Panhando flores, o ser
Exato puro
Desfiando a cada passo seu caminho
�s apanhadoras � concedido lembrarem-se das flores
Sempre vivas
Ou do tempo que o vento ao l�u soprou
O parque � sua frente.
Para al�m da cerca-muro que sobe aos c�us
Recortando a vida do sert�o � serra
� preciso avisar as borboletas
Temos de interromper seus voos
A prote��o total foi decretada
O p�len n�o deve ser levado de uma flor a outra
No interior dos muros o parque cuidar� da vida
Alguma tecnologia permitir� sentir de longe seu perfume
Do Gerais � serra
As abelhas devem ser investigadas
Decretou-se, ali, um n�o-lugar
As apanhadoras n�o podem colher flores
Seu of�cio n�o deve ser exercido
Agora n�o � tempo de polinizar sua poesia
Ana Carolina n�o deve aprender com sua m�e,
que � mistura da serra e do sert�o
Tatinha n�o pode panhar flores
Nem a av�, de l� da vertente do Espinha�o
Nem o av�, que � de c�, pra Diamantina
Ou Lorico, que conhece a Chapada a palmo
Nem Dona Leia, moradeira nascida e criada
Em meio �s belezas. Das ra�zes,
que panham. Outro preservou n�o
Seu Imir e sua Vargem do Inha�
Rama de mandioca pode n�o
Jo�o-velho, as penas verdes, tamb�m n�o
� preciso comunicar os namorados
Sobram flores nas floriculturas
� proibido subir ao campo S�o Domingos
H� um parque no caminho
As flores estar�o sempre vivas
� preciso interromper o di�logo da panhadeira com suas flores
Est� decretado que n�o se deve panhar flores
T�o leve gesto n�o se conjuga com dever
Tampouco com o ser, quando por dever deixa de ser
Apanhadoras s�o.
N�o seriam se n�o panhassem sempre-vivas
O estender de suas m�os � a pr�pria flor
O sol pretende sombrear no ch�o o chap�u do panhador
A namorada espera receber sua sempre-viva
Mas o caminho est� fechado al�m da cerca
H� lembretes espalhados
Apanhadoras n�o podem colher flores
Jesus-meu-deus se interroga se deve contornar o parque
Todas as multas devem ser cobradas
S� de longe se pode ouvir o trinca-ferro
Ro�a de toco pode n�o
A flor panhada n�o existe sem as m�os que panham
As sempre-vivas permanecer�o sempre vivas
As flores n�o se desprender�o do solo
O parque h� de reinventar a l�ngua
O apanhador passa a ser o que n�o panha flores
Os dicion�rios revogar�o os verbetes em contr�rio
Se jo�o-pobre for em dire��o ao tom das flores,
ser� inevit�vel interromper seu voo
N�o � permitido ir ao inesperado da cor mais viva de uma flor
H� implaus�veis jeitos de subir a encosta
Mas s�o bastantes os caminhos que j� foram
Na trilha que seria existe um parque
� preciso notificar peito-roxo da rota prefixada
Mesmo se uma flor mais p�lida necessitar de aten��o
N�o ser� poss�vel mudar o padr�o aleat�rio do seu voo
No parque n�o h� mais caminhos
Foi encontrado o algoritmo do interior dos muros
O gesto da panha de uma flor deve ser guardado na mem�ria
Os apanhadores palmilham demasiadas trilhas
N�o se deve permitir a casualidade de sua trama
O algoritmo determina a impossibilidade dos passos
Tranquilizem-se os bichos e as cidades:
As flores estar�o sempre vivas
� declarado extinto o estender das m�os do panhador de flores
Poderemos acessar fotos de flores preservadas
Ser� poss�vel agendar uma visita �s sempre-vivas
Os carimbos imprescind�veis ser�o apostos
Ser� mapeado o genoma da revoada das araras
N�o se perder� lembran�a do jo�o-congo nem das flores
Elas ainda estavam vivas quando o �ltimo apanhador as colheu
Edmundo Antonio Dias, procurador