
Uma menina de 10 anos foi engravidada ap�s ter sido estuprada pelo tio, em S�o Mateus (ES). O Tribunal de Justi�a do estado autorizou que ela fizesse aborto. O caso ganhou repercuss�o em todo o pa�s. Mesmo com autoriza��o judicial, o Hospital Universit�rio Cassiano Ant�nio Moraes (Hucam), em Vit�ria, se recusou a interromper a gesta��o alegando problemas t�cnicos. O procedimento foi feito no Recife. Embora seja garantido por lei o direito ao aborto em casos de estupro, a situa��o n�o � comum em hospitais do pa�s. Em Minas, apenas uma menor de 14 anos teve a gravidez interrompida em 2020, segundo dados do DataSUS, diante de 554 adolescentes com menos de 14 anos gr�vidas e de 844 casos de estupro de vulner�vel registrados no estado de janeiro a junho deste ano. Em m�dia, s�o 4,6 casos de meninas de at� 14 anos estupradas por dia no estado.
tenente-coronel reformado da Pol�cia Militar de Minas Gerais denunciado pela sobrinha por estupro. A adolescente de 13 anos contou � pol�cia que os abusos teriam come�ado quando ainda tinha apenas 8 anos. Ela teve coragem de denunciar depois que viu pela televis�o o caso da menina do Esp�rito Santo. Essas duas hist�rias t�m em comum n�o apenas a viol�ncia e a repercuss�o, revelam um endere�o comum do inimigo. “Quando a gente fala de um abusador, estamos falando de qualquer pessoa. A grande maioria s�o homens, e os abusos podem acontecer no ambiente intrafamiliar, praticado por pai, tio, primo, ou pode ocorrer no ambiente extrafamiliar, praticado por vizinho, professor ou motorista de van escolar”, destaca a delegada Elenice Cristine Batista Ferreira, chefe da Divis�o Especializada de Orienta��o e Prote��o � Crian�a e ao Adolescente da Pol�cia Civil de Minas Gerais.
A estat�stica n�o inclui a ocorr�ncia, divulgada na �ltima quarta-feira, de um "Essa modalidade de crime (estupro de crian�as) � imensamente subnotificada. As den�ncias s�o a ponta do iceberg"
Elenice Cristine Ferreira, chefe da Divis�o Especializada de Orienta��o e Prote��o � Crian�a e ao Adolescente da Pol�cia Civil de Minas Gerais
Os dados tamb�m mostram que n�o s�o dois casos isolados. Em Minas, o n�mero de meninas violentadas a cada ano � assustador. Apenas neste ano, 844 crian�as e adolescentes foram estupradas no estado. Em 2019, foram 2.415 e, em 2018, 2.602. Em Belo Horizonte, os n�meros tamb�m s�o altos: 290 (2018), 286 (2019) e 101 at� julho deste ano. “Percebemos pequena queda nos n�meros. Mas � importante destacar que essa modalidade de crime � imensamente subnotificada. As den�ncias s�o a ponta do iceberg”, diz a delegada.
Muito jovens
O sexo das v�timas � outro ponto que coincide nas estat�sticas. De acordo com o Anu�rio Brasileiro de Seguran�a P�blica/2019, entre os registros de estupro de vulner�vel em 2017 e 2018, 81,8% das v�timas s�o do sexo feminino. “As meninas s�o mais v�timas que os meninos, em uma propor��o de quase a metade”, informa a delegada. Ainda segundo o levantamento anual, o principal grupo de vitimiza��o s�o meninas muito jovens: 26,8% tinham no m�ximo 9 anos.
Do estupro de vulner�vel ao direito ao aborto, o que muita gente pode n�o saber � que qualquer rela��o sexual com menor de 14 anos �, por lei, considerada estupro de vulner�vel. Est� no artigo 2017-A do C�digo Penal Brasileiro, que diz: “Ter conjun��o carnal ou praticar ato libidinoso com menor de 14 anos”. A pena varia de oito a 15 anos de pris�o. “Ainda que haja consentimento da crian�a, o C�digo Penal protege a maturidade em forma��o de uma adolescente. Se elas t�m menos de 14 anos e uma pessoa maior manteve rela��o sexual e, eventualmente, ficaram gr�vidas, elas s�o, sim, v�timas de estupro de vulner�vel e t�m direito ao aborto”, afirma a delegada Elenice Cristine. Ela ainda acrescenta que, �s vezes, a den�ncia chega � pol�cia apenas depois que a crian�a ou a adolescente foi engravidada.
Permiss�o
Apesar da pol�mica que a interrup��o da gravidez no caso da menina do Esp�rito Santo gerou, o aborto em casos de estupro � permitido no Brasil desde 1940. S�o tr�s as situa��es em que o procedimento � legalizado no pa�s: quando n�o h� outro meio de salvar a vida da gestante, se a gravidez decorre do estupro ou o feto � anenc�falo. Como a lei tipifica sexo com menor de 14 anos como estupro, ela, consequentemente, garante a qualquer gr�vida dentro dessa faixa et�ria o direito ao aborto legal.
"Ainda que haja consentimento da crian�a, o C�digo Penal protege a maturidade em forma��o de adolescentes. Se elas t�m menos de 14 anos e uma pessoa maior manteve rela��o sexual e, eventualmente, ficaram gr�vidas, elas s�o, sim, v�timas de estupro de vulner�vel e t�m direito ao aborto"
Elenice Cristine, delegada
O aborto legal, no entanto, seja por desconhecimento ou press�o social, n�o � muito praticado por quem tem direito. Em Minas, apenas em 2020, at� este m�s, s�o 554 gestantes menores de 14 anos e apenas um aborto legal realizado. Em 2019, o n�mero de m�es prematuras foi de 1.207, sendo que apenas tr�s recorreram ao aborto m�dico. J� em 2018, a soma de gr�vidas foi de 1.262, com quatro interrup��es, conforme dados da Secretaria de Estado de Sa�de de Minas Gerais (SES-MG).
Acesso limitado e constrangimento
A psic�loga Let�cia Gon�alves, especialista em aten��o a pessoas v�timas de viol�ncia, diz que existe um n�mero grande de pessoas que t�m direito ao aborto legal e por in�meras raz�es n�o o realizam. “Al�m das limita��es mais espec�ficas sobre o acesso ao sistema de sa�de, observamos muitas pr�ticas violentas de constrangimento, coer��o e convencimento das meninas e fam�lias para o n�o abortamento”, comenta doutora em bio�tica.
"For�ar uma crian�a, que j� sofreu a viol�ncia sexual, a ser m�e � uma segunda viol�ncia que pode intensificar os sentimentos de tristeza, desamparo, ruptura de v�nculos sociais"
Let�cia Gon�alves, psic�loga especialista em aten��o a pessoas v�timas de viol�ncia
Ela ressalta a import�ncia de colocar a sa�de mental e biol�gica das v�timas em primeiro lugar. “A aus�ncia de matura��o biol�gica, social e ps�quica � incompat�vel com a maternidade. For�ar uma crian�a, que j� sofreu a viol�ncia sexual, a ser m�e � uma segunda viol�ncia que pode intensificar os sentimentos de tristeza, desamparo, ruptura de v�nculos sociais, entre outros, bem como, sobretudo, interromper o seu processo de desenvolvimento”, completou.
A psic�loga ressalta ainda que a gravidez � percebida tardiamente pela crian�a ou adolescente. “Em muitos casos em que h� crian�a gr�vida e, logo, sempre em decorr�ncia de estupro, a percep��o da pr�pria gravidez � mais demorada, por isso em muitos casos a busca pelo aborto � um pouco tardia. Mesmo a no��o do funcionamento do pr�prio corpo ainda est� em desenvolvimento”, diz a especialista.
Ativistas que atuam na defesa do direito da mulher alertam para os danos que uma gravidez na inf�ncia e adolesc�ncia pode causar. “O Brasil � o 4º pa�s no ranking mundial de casamentos infantis e esse n�mero est� associado � gravidez precoce. O casamento infantil � respons�vel por 30% da evas�o escolar no mundo todo. “Precisamos garantir que essas meninas tenham o direito autom�tico ao aborto”, destaca Natacha Orestes, integrante do Sangra Coletiva.
O grupo foi respons�vel pela cria��o de um abaixo-assinado on-line, que colheu mais 600 mil assinaturas, para pressionar a Justi�a do Esp�rito Santo a assegurar que a lei do aborto fosse cumprida no caso da menina de 10 anos gr�vida.
Delegacia Especializada de Prote��o a Crian�a e ao Adolescente (DEPCA)
Endere�o: Avenida Nossa Sra. de F�tima, 2175, Bairro Carlos Prates
Telefone: (31) 3228-9000
Ligue 100 - quando a viol�ncia for contra crian�as
V�timas de abuso t�m direito ao aborto
A legisla��o brasileira estabelece que a v�tima de estupro n�o precisa apresentar boletim de ocorr�ncia para ter o direito ao aborto legal garantido. “Legalmente, ela n�o precisa de nada. N�o precisa de boletim de ocorr�ncia, n�o precisa de recomenda��o m�dica ou qualquer outro tipo de laudo”, explica a coordenadora da Cl�nica de Direitos Humanos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), advogada Juliana Alvim. Tamb�m n�o h� limite de semanas de gesta��o para realiza��o da interrup��o quando a vida da mulher est� em risco ou quando o feto � anenc�falo. J� em caso de estupro, a lei determina que o aborto induzido seja realizado at� a 20ª semana de gesta��o, ou 22ª, se o feto pesar menos de 500 gramas, de acordo com o artigo 128 do C�digo Penal brasileiro.
O aborto em crian�as e adolescentes � um procedimento cir�rgico, portanto, exige cuidados e imp�e riscos �s pacientes. Segundo Sara Paiva, m�dica ginecologista e obstetra do Hospital das Cl�nicas (HC-UFMG), quanto antes a interven��o for feita, menores as chances de complica��es. “Os riscos est�o diretamente relacionados � idade gestacional. Quando a gesta��o j� est� mais avan�ada, tem maior risco de infec��o e complica��es do pr�prio ato cir�rgico”, explica a coordenadora do Servi�o de Atendimento de Viol�ncia Sexual do HC-UFMG.
A m�dica explica que os riscos s�o praticamente os mesmos, independentemente da idade, por�m, no caso da crian�a e da adolescente, � preciso considerar outras especificidades. “Tem que pensar no risco de uma gesta��o em uma crian�a em que os riscos podem ser n�o s� f�sicos. Ela ainda est� em fase de crescimento, de matura��o hormonal, matura��o �ssea. E, no caso de uma gesta��o, vai haver uma competitividade do crescimento da crian�a com crescimento do beb�,” ressalta. Canais de den�ncia
Delegacia Especializada de Prote��o a Crian�a e ao Adolescente (DEPCA)
Endere�o: Avenida Nossa Sra. de F�tima, 2175, Bairro Carlos Prates
Telefone: (31) 3228-9000
Ligue 100 - quando a viol�ncia for contra crian�as
*Estagi�ria sob supervis�o do subeditor Paulo Nogueira