Ao mesmo tempo em que a qualidade do ensino p�blico � posta ainda mais em xeque em tempos de pandemia e o debate sobre a volta das aulas presenciais em todas as redes avan�a para uma queda de bra�o de fim incerto, resultados alcan�ados por escolas do interior mineiro mostram que � poss�vel fazer a diferen�a, apesar de todas as dificuldades da educa��o gratuita. A prova s�o dois col�gios p�blicos do interior, que se destacaram na �ltima avalia��o de desempenho da educa��o b�sica brasileira. Em um distrito de Patos de Minas, no Alto Parana�ba, a Escola Estadual Major Mota levou o t�tulo de maior �ndice de Desenvolvimento B�sico da Educa��o (Ideb) do ensino m�dio do estado. E na zona rural de Governador Valadares, no Leste de Minas, a Estadual Vicente Jos� Soares deu um salto que pegou at� mesmo a dire��o de surpresa, destacando-se como o ensino m�dio de maior crescimento.
S�o casos que traduzem o passo adiante dado no estado depois de um longo per�odo de estagna��o. Mesmo sem alcan�ar a meta, pela primeira vez desde 2011 o Ideb do ensino m�dio, a etapa mais fr�gil da educa��o b�sica, cresceu, ultrapassando a barreira da nota 3. Os resultados de 2019 foram divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais An�sio Teixeira (Inep). O combate � evas�o escolar e refor�o regular a alunos com dificuldade s�o apontados como as principais ferramentas para fazer do estado um dos destaques.
Nos anos iniciais do ensino fundamental, etapa em que Minas sempre foi refer�ncia para o restante do pa�s, o Ideb de 2019 das escolas estaduais se manteve igual ao da edi��o anterior, com nota 6,5 (0,1 abaixo da meta). O estado � o quarto com a maior nota do pa�s. Nos anos finais, houve aumento depois de duas edi��es seguidas de queda, com o desempenho saindo de 4,4 em 2017 para 4,6 no ano passado (a meta era 5,3). No ensino m�dio, as escolas da rede estadual alcan�aram nota 4 e, mesmo abaixo da meta estipulada (5), frearam uma sequ�ncia de queda que vinha desde 2011 (veja quadro).
A Escola Estadual Vicente Jos� Soares, no distrito de Santo Ant�nio do Pontal, a 12 quil�metros de Valadares, foi a que mais cresceu no Ideb. Saltou de 1,6 em 2017 para 4,7 no ano passado. “Estou vibrante, n�o consigo dormir h� dias. Sab�amos que viria um resultado bom, dado o retorno dos alunos depois da prova e o compromisso deles, mas n�o imaginava t�o bom”, comemora a diretora, Juliane Pires da Costa. A escola, nas palavras da respons�vel pelo estabelecimento, � at�pica.
Localizada em um povoado carente, tem 526 alunos cursando dos anos iniciais do fundamental ao 3º do m�dio. Em um raio de 50 quil�metros, � a �nica escola estadual. � habituada a enfrentar problemas b�sicos, como o acesso – n�o o tecnol�gico, t�o falado atualmente, mas o f�sico, do meio para se chegar ao pr�dio, o que exige superar condi��es meteorol�gicas para conseguir vencer a estrada.
Juliane conta que 98% dos alunos dos anexos dependem do transporte escolar rural e, na sede, 80% s� conseguem chegar gra�as aos �nibus e vans da prefeitura. Entre os professores, 90% saem de Governador Valadares para dar aulas. “Essa not�cia � uma inje��o de �nimo. Este momento de aulas on-line est� muito dif�cil, pois a maioria dos estudantes n�o tem acesso (� internet ou ao computador). Est�vamos cabisbaixos e desanimados”, relata. A escola tem ainda dois anexos para atendimento noturno do ensino m�dio. Um fica no povoado de C�rrego dos Bernardos, a 15 quil�metros de asfalto e sete de estrada de terra da escola-sede. Outro est� no distrito de Brejaubinha, a 25 quil�metros de asfalto e tr�s de estrada de terra da sede.
A diretora atribui parte do resultado � mobiliza��o feita ano passado para conseguir dos alunos engajamento para se submeter ao teste do Ideb. “Fizemos um grande trabalho, pois os alunos do 3º ano fazem pensando que v�o ganhar nada com isso. Batalhamos a parte motivacional, falando da import�ncia da prova, destacamos que eles tinham condi��o e capacidade, e que estudando e dedicando iriam conseguir”, lembra. No processo que envolveu professores, pais e alunos, matem�tica, que tinha as notas mais baixas nas avalia��es externas, foi prioridade. Em l�ngua portuguesa, valeram os projetos de leitura.
SAINDO DO ATOLEIRO
O mesmo trabalho de motiva��o foi feito com o 9º ano, que na edi��o 2017 do Ideb n�o teve condi��o de ser avaliado. “As provas sempre ocorrem em novembro, �poca de chuva. As estradas s�o muito ruins, tem carro que nem passa”, conta Juliane. Na �ltima avalia��o, os estudantes foram recebidos com um belo caf� da manh� para garantir energia durante o exame. “Era importante eles se sentirem � vontade, pois sabemos que muitos n�o t�m o que comer em casa. Tudo isso � uma forma de motivar e fazer com que eles vejam as avalia��es n�o de forma punitiva, mas como um caminho para produzir resultados bons. Mesmo estando em zona rural, temos �timos professores e uma equipe engajada, que busca educa��o de qualidade.”
Os resultados muitas vezes s�o produzidos em meios e situa��es adversas. Em 2018, os alunos da Vicente Jos� Soares ficaram 47 dias sem aula por causa da greve dos motoristas de transporte escolar. “Alguns alunos iam � escola por conta pr�pria. Teve gente que andou 18 quil�metros diariamente, � noite, em �rea rural que nem poste de ilumina��o tem. E foram esses meninos que fizeram a prova no ano passado.”
No ensino fundamental, os anos iniciais da escola ficaram abaixo da meta (5,9) e conservaram a nota do �ltimo Ideb (5,5). No 9º ano, a escola tirou 4,9 (0,1 abaixo da meta). “Foi muito gratificante tamb�m, pois s�o alunos com quem temos de trabalhar a maturidade”, explica Juliane. “Educa��o � um divisor de �guas na vida da gente. � uma luta para que muitos fiquem no ensino m�dio. Eles trabalham o dia todo e � preciso sempre destacar que o estudo far� com que cres�am profissionalmente e sofram menos no mercado de trabalho.”
Risco de recuar ap�s ano at�pico
Os resultados do Ideb mostram que a nota m�dia padronizada, calculada a partir das profici�ncias em l�ngua portuguesa e matem�tica no Sistema de Avalia��o da Educa��o B�sica (Saeb) chegou a 4,76, um d�cimo acima da maior nota anteriormente obtida pelo estado, em 2007. J� no indicador de rendimento, Minas alcan�ou 0,84, alta de tr�s d�cimos em rela��o ao maior valor alcan�ado, em 2013. Um dos pontos mais expressivos para conquistar esses resultados foi a queda no abandono escolar, segundo a secretaria, resultado do trabalho de busca ativa a alunos faltosos e refor�o, implementados no ano passado.
Outro ponto, “um risco calculado”, de acordo com J�lia Sant’Anna, foi o aumento da participa��o dos alunos na prova do Saeb. Em 2017, foram 56% das escolas, quanto em 2019 esse percentual subiu para 77%. “N�o tenho a menor d�vida de que Minas voltar� a ser refer�ncia em ensino fundamental, como j� foi, e que se tornar� no ensino m�dio.”
Mas ser� preciso manter o foco, para n�o estagnar novamente ou, pior ainda, recuar. N�o s� em fluxo e profici�ncia, mas, sobretudo, no fantasma sempre presente da evas�o escolar. O medo geral � de que a pandemia acentue o problema e, por isso, independentemente da unidade da federa��o, diminuir esses efeitos se tornou o principal desafio dos secret�rios de Educa��o em todo o pa�s.
Em Minas, durante a pandemia, a estrat�gia de buscar em casa estudantes que sumiram das salas de aula virtuais ganhou for�a, segundo J�lia Sant’Anna. A entrega do material de estudos � nominal e cada diretor tem que dar conta se determinado nome e n�mero de matr�cula recebeu os planos tutorados. “Alguns alunos infrequentes retornaram aos estudos no per�odo remoto. Fomos de casa em casa e fizemos uma busca muito mais ativa que no ano passado”, sustenta.
Na retomada presencial, o grande trunfo para manter o desempenho no Ideb e minimizar os riscos de evas�o ser� uma avalia��o diagn�stica de cada aluno, para uma vis�o precisa de fragilidades e dificuldades de aprendizado durante as aulas virtuais, com plano de estudo individualizado. E as escolas campe�s do estado n�o querem perder suas posi��es no p�dio. Na Estadual Vicente Jos� Soares, todos os materiais adotados pelo estado durante o ensino remoto s�o impressos e entregues aos alunos, para compensar a falta de equipamento e de acesso � rede de internet na zona rural.
Para chegar aos rinc�es, o pessoal da escola usa um carro 4x4 cedido pela secretaria. “O ruim � que o aluno n�o tem tanto contato com o professor, s� quando consegue acessar. �s vezes, nem � hor�rio do professor, mas por causa dessa dificuldade na zona rural ele responde em qualquer hora que o estudante chama, pois muitos s� conseguem entrar no aplicativo quando v�o a Valadares ou � casa de um parente. Quando retornarmos ao presencial, ser� trabalho de formiguinha de novo, para n�o baixar nossa nota no Ideb e manter a qualidade do ensino”, afirma a diretora Juliane Pires da Costa.
Campe� do Ideb ainda luta pela continuidade
Em Patos de Minas, no Alto Parana�ba, a Escola Estadual Major Mota � o destaque no estado como o col�gio da rede estadual de ensino mais bem avaliado no Ideb, com nota 5,8. Com 99 alunos dos ensinos fundamental e m�dio, o estabelecimento, localizado no distrito de Major Porto, tem m�dia de oito a 10 estudantes por turma. O 9º ano, por exemplo, tem apenas quatro, permitindo um ensino pra l� de personalizado.
“Quando algum aluno tem dificuldade, o professor rev� conte�do, atende no contraturno, refaz provas. A interven��o pedag�gica proposta no ano passado pela Secretaria de Educa��o ao fim de cada bimestre foi trabalhada � risca por nossos professores”, explica a diretora Marli Aparecida Barbosa Coimbra. Com uma sala de inform�tica para poucos, os estudantes t�m ainda o pri-vil�gio de ter computadores individua- lizados.
Apesar de ter uma turminha de ouro, resta o desafio de continuidade do percurso escolar. “T�nhamos alunos excelentes em matem�tica, que sempre ganhavam medalha ou men��o honrosa na Olimp�ada de Matem�tica. Mas, no finalzinho, quase ningu�m manifestou interesse pelo Enem (Exame Nacional do Ensino M�dio)”, conta Marli. Apenas duas alunas estudaram para entrar na universidade – ambas para medicina, tendo uma delas passado numa institui��o privada na cidade. Outros deixaram de lado os estudos para abrir seus pr�prios neg�cios. “Minha vontade � de que estudassem, pois eu sei da capacidade deles. Mas menino da zona rural tem disso, porque come�a a trabalhar cedo. � frustrante para mim, como educadora, n�o ver essa continuidade.”
‘APAG�O’ O salto mostrado nessa edi��o do Ideb � indicativo do fim de um “apag�o no ensino a que o estado esteve submetido nos �ltimos anos”, na avalia��o da secret�ria de Estado de Educa��o, J�lia Sant’Anna. Cr�tica das metas, ela lembra que esses objetivos de notas foram calculados em 2005, h� 15 anos, em uma realidade na qual o Brasil tinha outra din�mica na pol�tica educacional. “Naquela �poca, Minas Gerais era, inclusive, lideran�a no pa�s. O estado tem a segunda maior meta para o n�vel m�dio brasileiro, atr�s apenas de Santa Catarina, que est� aqu�m de n�s no ranking dessa etapa de ensino”, afirma.
“O foco de Minas precisava ser o ensino m�dio, que nunca havia sido uma etapa em que o estado tivesse bastante sucesso. A edi��o de 2019 mostra uma pol�tica bem-sucedida do ensino m�dio no estado”, afirma. Ela defende a revis�o constante das metas a partir desse novo ciclo do Ideb, que ser� medido em 2021, e a valoriza��o de fluxo e profici�ncia, para al�m de metas. “Minas colheu seu melhor Ideb de ensino m�dio, tendo como reflexo os melhores indicadores de profici�ncia e fluxo (aprova��o), al�m da segunda maior queda de abandono no Brasil”, diz.