
A destrui��o da fam�lia da dona de casa Marlene Agostinha Martins dos Reis, de 47 anos, ocorreu quase um ano depois de ela ser atingida pelo rompimento da Barragem do Fund�o, em Mariana. Foi s� ap�s as longas e desgastantes reuni�es com a Funda��o Renova, muitas vezes na zona rural, para acertar detalhes da repara��o e das indeniza��es pelo desastre de 5 de novembro de 2015.
“Eu voltava, �s vezes tarde, da noite, sozinha e com medo pelas ruas de Mariana. Represento a minha m�e e meu irm�o deficiente. Numa noite, a minha chave n�o rodava mais na fechadura da porta. Meu marido, cansado de n�o me ver, colocou outra mulher na nossa casa. Expulsou meu filho, que tinha 19 anos e come�ou a se envolver com maus elementos. S� a Defensoria P�blica me ajudou a ser reconhecida como atingida. Enquanto luto pelos direitos que tenho, preciso ainda cuidar do que restou da minha fam�lia e trabalhar”, conta Marlene.
“Eu voltava, �s vezes tarde, da noite, sozinha e com medo pelas ruas de Mariana. Represento a minha m�e e meu irm�o deficiente. Numa noite, a minha chave n�o rodava mais na fechadura da porta. Meu marido, cansado de n�o me ver, colocou outra mulher na nossa casa. Expulsou meu filho, que tinha 19 anos e come�ou a se envolver com maus elementos. S� a Defensoria P�blica me ajudou a ser reconhecida como atingida. Enquanto luto pelos direitos que tenho, preciso ainda cuidar do que restou da minha fam�lia e trabalhar”, conta Marlene.
O drama de Marlene mostra como o rompimento � ainda mais cruel com as mulheres que tiveram suas vidas arrebatadas pela avalanche de 44 milh�es de metros c�bicos de lama e rejeitos de min�rio de ferro despejadas na Bacia Hidrogr�fica do Rio Doce, em Minas e no Esp�rito Santo. De acordo com o Minist�rio P�blico Federal (MPF), desde o in�cio dos processos de levantamento de v�timas da trag�dia pela ruptura do barramento, apenas 39% das mulheres atingidas foram ouvidas nos cadastros e puderam contar suas hist�rias e relatar seus danos.
"Foi muito claro que s� as atividades formais dos homens eram levadas em conta para o recebimento do aux�lio financeiro emergencial (AFE)"
Ma�ra Almeida Carvalho, psic�loga da equipe de sa�de mental de Mariana
Com a ajuda de assessorias t�cnicas que auxiliam as fam�lias a ter repara��o plena, o Estado de Minas vem mostrando em s�rie de reportagens o sofrimento das v�timas � luz da Declara��o Universal dos Direitos Humanos. A igualdade entre os g�neros, preconizada pelo texto e defendida como preceito que alicer�a a humanidade, se mostra longe de ser um quesito real para a repara��o das mulheres e m�es que tiveram suas vidas arruinadas pelo rompimento na Bacia Hidrogr�fica do Rio Doce, entre Mariana e o mar no Esp�rito Santo.
Press�o maior sobre mulheres
De acordo com Ma�ra Almeida Carvalho, psic�loga da equipe de sa�de mental de Mariana, onde est�o a maioria das pessoas diretamente atingidas e desalojadas pelos rejeitos, desde o in�cio das tratativas de repara��o apenas as atividades dos homens foram consideradas. “Foi muito claro que s� as atividades formais dos homens eram levadas em conta para o recebimento do aux�lio financeiro emergencial (AFE), por exemplo. Isso intensificou conflitos, por as mulheres serem sujeitadas ainda mais por n�o terem atividades reconhecidas e serem ainda mais dependentes. Al�m de trabalhar, sempre exerceram a fun��o de cuidadora da fam�lia, dos idosos e das crian�as”, afirma a psic�loga.
Os programas de repara��o pela Funda��o Renova, mantida pelas mineradoras respons�veis pela devasta��o (Samarco, Vale e BHP Billiton), s�o acompanhados pela consultoria Ramboll, contratada pelo MPF. Um estudo que reuniu as reivindica��es das mulheres atingidas na ouvidoria da funda��o, entre 2016 e 2019, mostra que problemas relativos ao cadastro tinham 32,43% das reclama��es. Problemas nos programas de resposta de repara��o respectivamente o aux�lio financeiro emergencial e o plano de indeniza��es mediadas reuniram 25,9% e 21,5%.
A sa�de, com destaque a f�sica, foi respons�vel por 12,14% e o acesso � sa�de, 11,82%. A evolu��o ao longo dos anos dos relatos de sa�de mental saltaram de 1,2% em 2016 para 8% em 2019. Entre os temas identificados, os relatos mais comuns foram de demandas relativos �s dificuldades de manter os filhos e o lar, com 23,64%. Cuidado com os filhos e netos apresentam 16%.
Do total de relatos que expressam pedidos de informa��es e situa��o cadastral, 25,16% tamb�m abordam quest�es identificadas como sobrecarga dom�stica de mulheres, com 22% em rela��o a custos do lar, e 10% quanto o cuidado de filhos e netos. Em rela��o ao total de relatos que abordam o pagamento do aux�lio financeiro emergencial, 38% tamb�m apontam para a sobrecarga dom�stica, sendo que 32,24% cont�m narrativas sobre a dificuldade em manter os custos do lar e 16,12% sobre cuidados de filhos e netos.

Mesmo as mulheres que optaram por seguir nova vida e com nova fam�lia ainda enfrentam o fantasma do rompimento. Segundo estudo da Funda��o Getulio Vargas (FGV), os abortos entre as atingidas s�o preocupantes. “Os riscos relativos para alguns tipos de abortos s�o extremamente elevados e tiveram 400% de aumento ap�s o rompimento, indicando situa��o de sa�de extremamente s�ria e preocupante”, relatam os especialistas da funda��o.
Escolas prec�rias e tempor�rias
Intimamente ligado ao sofrimento das m�es atingidas aparece a dificuldade por que passam os filhos. De acordo com a Declara��o Universal dos Direitos Humanos, todo ser humano tem direito � instru��o e essa � uma obriga��o do estado para com os mais jovens. Mas as condi��es encontradas pelos filhos dos atingidos pela Barragem do Fund�o n�o lhes permite tranquilidade para investir no conhecimento e construir seu futuro.
“Foi muito duro para mim, morando numa quitinete em Mariana, ter meu filho perdido pelas ruas, se envolvendo com gente que n�o � de bem. S� quando a Defensoria P�blica conseguiu assegurar meu direito como atingida � que pude alugar uma quitinete para morar com ele. S� assim para come�ar a retomar um rumo”, disse a atingida Marlene Agostinha Martins dos Reis, que teve sua vida completamente afetada pelo rompimento da barragem do Fund�o.
O filho dela, Odilon Faustino Martins Oliveira, de 24 anos, conseguiu se reposicionar na vida e cresceu em uma das empresas que prestam servi�o na repara��o do rompimento, trabalhando como auxiliar de laborat�rio. “Eu s� precisava de aprender e de trabalhar. Depois que conquistei isso, o resto fiz sozinho, por mim e pela minha m�e, que � meu tesouro da vida”, conta.
Psic�loga da equipe de sa�de mental de Mariana, Ma�ra Almeida Carvalho afirma que a adapta��o das crian�as e dos jovens das comunidades rurais atingidas pelo rompimento � delicada. “No in�cio, por estarem em escolas que n�o era deles, tiveram conflitos com s�rias consequ�ncias na socializa��o e no desempenho. Muitas diretoras das escolas contam que quando propunham atividade para levar alunos para viv�ncia fora, os atingidos recusavam, porque n�o queriam ficar com as outras pessoas, porque se sentiam hostilizados. Isso s� mudou quando foram abertas escolas espec�ficas para as comunidades atingidas”, conta.
De acordo com o acompanhamento da consultoria Ramboll sobre os programas educacionais realizados pela Funda��o Renova, o apoio aos estudantes ainda est� “aqu�m do necess�rio”. O programa de recupera��o de escolas atingidas e reintegra��o da comunidade escolas, por exemplo, ainda conta com escolas tempor�rias, que apresentam problemas estruturais para acolher os alunos.
“As escolas de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo n�o t�m estrutura acess�vel e espa�o para atividades de tempo integral. A escola de Gesteira, �nica com instala��o definitiva, apresenta problemas construtivos, como vazamentos e infiltra��es, e teve de ser abandonada, trocada por um outro local”. Situa��o que s� n�o prejudica mais aos alunos devido � suspens�o geral de aulas por causa do novo coronav�rus.
Atualmente, os programas de atendimento psicopedag�gico e neuropsicol�gico aos atingidos em idade escolar identificaram 715 alunos que, possivelmente, precisariam desses servi�os. Destes, tr�s (0,4%) n�o s�o atendidos, 12 (1,7%) est�o regulares, 143 (20%) n�o necessitam segundo diagn�stico profissional e 557 (77,9%) nem sequer t�m diagn�stico. “O apoio psicopedag�gico e psicossocial s� � ofertado, de forma parcial, em Mariana e em Barra Longa pela Renova. Em todos os demais munic�pios h� crian�as em idade escolar atingidas e que n�o recebem o acompanhamento”, afirmam os profissionais da Ramboll.
Programas educacionais atrasados
Para detalhar o avan�o de seus programas educacionais voltados aos estudantes atingidos, a Funda��o Renova apresentou seu relat�rio mensal de atividades. No documento consta que, neste ano, foram identificados os alunos das escolas impactadas de Mariana e Barra Longa para encaminhamento ao atendimento psicopedag�gico. Al�m disso, houve avalia��o dos alunos do atendimento psicopedag�gico das escolas afetadas em Mariana.
Foi tamb�m finalizado o “Marco Referencial para a Elabora��o do Projeto Pol�tico Pedag�gico (PPP)” das 30 escolas da rede municipal de Mariana e realizada uma a��o de devolu��o da avalia��o psicopedag�gica dos alunos das escolas impactadas de Mariana.
"Foi muito claro que s� as atividades formais dos homens eram levadas em conta para o recebimento do aux�lio financeiro emergencial (AFE)"
Ma�ra Almeida Carvalho, psic�loga da equipe de sa�de mental de Mariana
Foi tamb�m finalizado o “Marco Referencial para a Elabora��o do Projeto Pol�tico Pedag�gico (PPP)” das 30 escolas da rede municipal de Mariana e realizada uma a��o de devolu��o da avalia��o psicopedag�gica dos alunos das escolas impactadas de Mariana.
Ainda segundo o documento, as pr�prias metas do programa se mostram atrasadas ante a expectativa da funda��o. S� em 2020, a m�dia de execu��es por expectativa de realiza��o mensal foi, em m�dia, 8,7 pontos percentuais abaixo do esperado. Desde 2019, o programa se encontra atrasado.
PEND�NCIAS LEGAIS
Os principais tr�mites decorrentes do rompimento da barragem
A��ES JUDICIAIS
- A��es criminais (fase de oitiva de testemunhas)
- Falso laudo de estabilidade da barragem
- Despejo de rejeitos e lama na barragem da Samarco pela Vale
- Polui��o, inunda��o e mortes
A��ES CIVEIS
- Termo de ajustamento de condutas da governan�a (ainda carece de que todas as assessorias t�cnicas que auxiliam os atingidos avaliem perdas sejam contratadas).
- A��o civil p�blica do MPF que requer R$ 155 bilh�es (a��o judicial coletiva retomada h� um m�s e que busca repara��o integral a todos os atingidos e ao meio ambiente).
- A��o no Reino Unido (requer cerca de R$ 37 bilh�es em indeniza��es para 200 mil atingidos. Aguarda a Justi�a decidir se � competente para julgar o caso).
- A��es coletivas de comiss�es de atingidos (13 processos em separado em que o juiz federal arbitrou indeniza��o e que � questionada no Tribunal Regional Federal da 1ª Regi�o).
- Programa de Indeniza��o Mediada (indeniza��es pagas pela Renova diretamente aos atingidos. 270.312 pessoas indenizadas por abastecimento de �gua prejudicado, 10.201 pessoas contempladas)
Fonte: Minist�rio P�blico Federal e Funda��o Renova