Elas foram vistas, durante muito tempo, como as grandes vil�s da dengue. Mas as �reas verdes s�o, na verdade, uma das principais armas contra o Aedes aegypti. A conclus�o � de estudo da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), segundo o qual n�o apenas o calor favorece a prolifera��o do mosquito. Invernos cada vez mais quentes t�m sido o cen�rio perfeito para a invas�o da esp�cie em cidades mineiras montanhosas, principalmente no Sul do estado. O Painel Intergovernamental sobre Mudan�as Clim�ticas (IPCC) tamb�m corrobora o aumento de temperaturas no estado e a tend�ncia de o mosquito atacar regi�es mais altas.
� nessas altera��es de clima que os vetores de arboviroses, principalmente a dengue, t�m pegado carona. O estudo “Invas�o de cidades tropicais montanhosas pelo Aedes aegypti e Aedes albopictus depende de invernos quentes cont�nuos e bi�topos urbanos adequados” teve como base o comportamento do mosquito nas cidades de Ouro Preto e Mariana, na Regi�o Central do estado.
Os pesquisadores da Ufop, em parceria com colegas da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Funda��o Ezequiel Dias (Funed), avaliaram uma s�rie de dados de temperaturas do inverno e ver�o para Minas Gerais, de 1961 at� 2014, a fim de entender o padr�o de mudan�a de temperaturas m�dias na regi�o.
O estudo mostra que “o senso comum levou por muito tempo os pesquisadores a associarem �reas verdes com a incid�ncia de doen�as tropicais”. Segundo os pesquisadores, essa vis�o contribuiu para uma percep��o equivocada e devastadora de que a proximidade com a natureza, �rvores, sombras e folhas seria um problema sanit�rio urbano.
Hoje, diversos autores t�m mostrado que as v�rias doen�as tropicais urbanas, como a dengue, zika e chikungunya, est�o associadas ao descaso com terrenos baldios, falta de saneamento b�sico e ac�mulo de lixo. O estudo ressalta que a n�o diferencia��o entre essas condi��es determinantes para as doen�as e a mera exist�ncia de �reas verdes “acontecia muitas vezes pela neglig�ncia dos munic�pios com a limpeza e manuten��o de parques, pra�as e jardins”.
Dois invasores
Essa realidade � ainda mais evidente para a dengue, j� que seu mosquito transmissor, o Aedes aegypti, � uma esp�cie ex�tica, com pouca afinidade com �reas verdes e extremamente bem adaptada ao interior das resid�ncias. A outra esp�cie de Aedes invasor do Brasil, o Aedes albopictus, � mais bem adaptada a viver em fragmentos de florestas e parques urbanos, mas nunca foi identificada no Brasil como vetor da dengue.
Os estudiosos relatam que o per�odo da invas�o das esp�cies de Aedes na d�cada de 1980 foi dominado por anos de invernos mais quentes, assim como ocorreu nos anos do in�cio do s�culo 21, por�m com grandes oscila��es entre anos mais e menos quentes. A partir de 2007, houve um per�odo continuado de invernos com temperaturas mais altas.
“H� um entendimento internacional e uma forma de medi��o das cidades por sat�lite que mostram as �reas abertas e o que se tem de vegeta��o, o que tem v�rios significados. Um exemplo � Belo Horizonte, onde h� muita �rea com capim-elefante, tamb�m uma esp�cie invasora africana, t�pica de terrenos abandonados. Onde h� isso n�o existe estrutura de �rea verde e h� v�rios problemas com dengue. � preciso separar parques, pra�as e �reas florestadas para se ter o entendimento correto”, explica o professor S�rvio Pontes Ribeiro, titular do Laborat�rio de Ecologia do Adoecimento e Florestas (Leaf) da Ufop, um dos respons�veis pela pesquisa.
Evolu��o
O professor relata que Ouro Preto e Mariana tinham duas �reas de floresta onde se observou predomin�ncia do Aedes albopictus e diminui��o do Aedes aegypti. “�rea verde bem preservada � local onde o Aedes aegypti n�o consegue estar”, afirma. H� duas hip�teses prov�veis: n�o ser esp�cie da fauna brasileira e a competi��o. “H� dois caminhos evolutivos para popula��es em continentes que n�o pertencem a eles. Toda esp�cie ex�tica ou invasora o faz porque encontra um dist�rbio. A floresta bem-estruturada n�o recebe invasores, porque eles n�o conseguem sobreviver – n�o t�m ajuste fino para esp�cies que s�o seu alimento, seus predadores, esp�cies que v�o se confrontar com eles. O invasor se adapta aos dist�rbios”, diz.
� o caso, segundo Pontes, do Parque Estadual do Rio Doce, na Regi�o Leste do estado, que n�o abriga quaisquer dos g�neros. “Outros parques t�m o Aedes albopictus. Em �rea bem preservada, nenhum dos dois entra. Mais ou menos preservada, s� Aedes albopictus”, relata. No quesito competi��o, pelo fato de a Am�rica do Sul ter muitas esp�cies nativas do Aedes que n�o s�o vetores de dengue, a hip�tese � que, talvez, o Aedes aegypti n�o consiga competir. “Em pa�ses tropicais, a culpa recai sobre as �reas verdes, mas quando separamos cada uma delas, floresta de terreno baldio, vemos que �reas com �rvores mudam o perfil, n�o h� dengue, pois o Aedes aegypti n�o se d� bem.”
Outro alerta � sobre a �gua. “O Aedes n�o depende mais da chuva, por causa da grande quantidade de �gua colocada � disposi��o pelo homem”, ressalta o professor. “Quanto mais preservado o ambiente natural, mais dif�cil para qualquer praga entrar. Os dist�rbios causam pragas. Se houver 10 �rvores em um p�tio e ele for mantido limpo, sem lixo, com o ch�o permitindo a respira��o das ra�zes, s� vai fazer bem – essa combina��o traz passarinho, morcego e um monte de esp�cies que comem essa popula��o ambulante. Quanto mais concreto, mais favor�vel a esp�cies que nos causam doen�as – sejam baratas, mosquitos, ratos... As cidades t�m que ser repensadas nesse contexto”, alerta o especialista.
Mosquito “surfa” no aquecimento global

Os estudiosos alertam ainda para a necessidade de se instalarem postos de observa��o, armadilhas e treinar pessoas para acompanhar o movimento do Aedes nessas regi�es, como forma de disparar em tempo o alerta de vigil�ncia sanit�ria. Ribeiro chama a aten��o para o perigo nas regi�es serranas na divisa com S�o Paulo, ao longo da Serra da Mantiqueira. O �ltimo boletim epidemiol�gico da Secretaria de Estado de Sa�de mostra que das 558 cidades onde n�o foram registrados casos de dengue, 35,6% est�o nas regi�es Sul e Sudeste – percentual que chegou a 42% no m�s de maio.
Segundo o estudo, o aquecimento global � percept�vel em Minas, com aumentos consistentes na temperatura tendo come�ado na d�cada de 1980, chegando ao pico nos anos 90 e 2000, com m�dia de 1,3°C mais quente que a d�cada de 1960. Em especial, as temperaturas m�dias de inverno subiram mais, diminuindo a amplitude t�rmica sazonal, com diferen�a de m�nimas a m�ximas ficando menor que 10% a partir de 1990, na maioria dos anos.
“A literatura diz que h� um limiar de 21,3°C (por certo n�mero de dias consecutivos) para a invas�o do Aedes, abaixo do qual ele n�o consegue estabelecer uma popula��o vi�vel. A partir de 2007, os invernos permaneceram constantemente mais quentes, estando acima desse valor por v�rios dias consecutivos, o que criou a condi��o ecol�gica favor�vel para que os mosquitos se estabele�am”, afirma o estudo. “Mas, n�o adianta um ou outro dia frio para evit�-lo. � preciso sequ�ncia”, ressalta Pontes.
Varia��o
O Painel Intergovernamental sobre Mudan�as Clim�ticas (IPCC) tamb�m n�o deixa d�vidas e mostra que o mosquito tende a subir para as regi�es mais altas, como ressalta o meteorologista Ruibran dos Reis, do Instituto Climatempo. At� o in�cio da d�cada de 1980, as maiores temperaturas em BH ficavam abaixo de 36°C, com ocorr�ncias espor�dicas acima dessa marca e m�ximas chegando � casa dos 33°C.
“Depois da d�cada de 2000, tivemos j� v�rios casos com temperaturas m�ximas di�rias acima de 36oC. A curva da tend�ncia mostra que as temperaturas est�o subindo na capital”.
“O clima de BH no passado era frio e �mido. Hoje, � quente e seco. A umidade relativa do ar nos �ltimos anos fica entre 12% a 13%. � estado de alerta quase direto”, destaca Ruibran dos Reis.
Outro exemplo � Maria da F�, no Sul de Minas, localidade historicamente fria e que vem registrando no inverno m�nimas pr�ximas de 0°C: de uma m�dia de 29°C de m�xima em 1975, passou para 33°C em 2015.
Ondas de frio na capital n�o chegam a ser animadoras, segundo o meteorologista. “Ocorre um ou outro dia de temperaturas baixas”, diz, lembrando que a capital chegou a registrar 3,1°C em 1º de junho de 1971.
“O problema � a varia��o do clima. Uma hora pode estar muito frio, outra muito quente. Nesse cen�rio, as ondas de calor tendem a ser mais comuns, segundo o IPCC.”
Pesquisa monitorou vetor em Ouro Preto
Os mosquitos do g�nero Aedes ocorrem naturalmente nas florestas brasileiras, mas apenas duas esp�cies invasoras africanas conseguiram se estabelecer nas cidades – Aedes aegypti e Aedes albopictus. Dessas, a primeira apenas � seguramente vetor de diversas arboviroses. Introduzidas no Brasil nas d�cadas de 1970-1980 e presentes at� os dias atuais, essas esp�cies demonstraram ser adaptadas a ambientes modificados pelo homem, mas com sua distribui��o limitada pelo clima frio.
Depois do primeiro caso de dengue em Ouro Preto, em 2007, come�aram coletas do mosquito tamb�m em Mariana, por ser uma cidade mais baixa, mas tamb�m sem casos aut�ctones at� aquele momento. Dessa forma, Mariana serviria como um controle de ocorr�ncia dessas esp�cies de mosquitos na cidade vizinha, mais elevada.
As coletas se deram em 2009 e 2012. Foram feitas usando dois tipos de armadilhas: uma para coletar fase imatura (ovos, larvas e pupas) e outra para coletar a fase adulta (o mosquito propriamente dito).
Sendo duas esp�cies africanas com popula��es em expans�o no Brasil, o Aedes aegypti (vetor da dengue) e o Aedes albopictus (n�o vetor) t�m prefer�ncias distintas. Ocorrem em �reas pr�ximas a moradias (Aedes aegypti) ou predominantemente arborizadas (Aedes albopictus).
A despeito de as condi��es mais quentes terem permitido a entrada do vetor da dengue em 2007, apenas cinco anos depois essa se tornaria uma do- en�a importante nos dois munic�pios. A demora para a dengue se estabelecer depois da invas�o do inseto vetor � uma informa��o de grande import�ncia, pois outras regi�es ainda sem dengue podem tirar proveito de uma vigil�ncia entomol�gica.