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Estado de Minas PANDEMIA

Mais de 500 mil mortos pela COVID-19 e um pa�s em busca de sa�das

Brasil alcan�a meio milh�o de vidas perdidas enquanto ainda discute a compra de vacinas. Especialistas apontam o que � necess�rio para evitar novas trag�dias


20/06/2021 04:00 - atualizado 20/06/2021 08:13

Brasil registra 500.800 mortes pela doença. Maioria poderia ter sido evitada com vacinação em massa da população (foto: MAURO PIMENTEL/afp)
Brasil registra 500.800 mortes pela doen�a. Maioria poderia ter sido evitada com vacina��o em massa da popula��o (foto: MAURO PIMENTEL/afp)
O Brasil superou, nesse s�bado (19/6), a triste marca de 500 mil mortes pela COVID-19. J� s�o 500.800 vidas ceifadas. Cada uma delas representa familiares, pais e amigos que perderam um ente amado. De acordo com dados da Universidade Johns Hopkins, em 19 de junho, o pa�s j� ocupava o segundo lugar na lista mundial de v�timas da COVID-19, ficando atr�s dos Estados Unidos, l�deres, com 601.717, e � frente da �ndia, que registrava 385.137 �bitos.

Em todo o mundo, at� ontem, foram computadas 3.854.127 mortes; as v�timas brasileiras (498.499 para Hopkins, ainda aqu�m dos 500 mil) representavam 12,9% do total global. Em agosto de 2020, quando as 100 mil mortes bateram � porta, o pesadelo parecia ter chegado ao �pice; menos de um ano depois, por�m, a trag�dia se multiplicou por cinco.

O Estado de Minas ouviu especialistas de diversas �reas, como infectologistas e virologistas, para tra�ar um diagn�stico do que levou o Brasil a ter o segundo maior n�mero de mortes por COVID-19 no mundo, al�m de projetar o que pode ser feito para nos preparar para futuras pandemias.

“� consensual que novas pandemias e epidemias v�o acontecer. Isso � cada vez mais claro � medida que nossa sociedade tem um comportamento, de forma geral, cada vez mais extrativista em rela��o � natureza. Ent�o, a tend�ncia � de que popula��es humanas entrem em contato com pat�genos vindo de regi�es de florestas e �reas naturais com mais intensidade. Isso � um fato”, afirma o virologista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Fl�vio Fonseca, que tamb�m � presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV).

O Brasil ainda est� �s voltas com o controle da doen�a, com uma vacina��o ainda em ritmo lento e alta m�dia m�vel de casos. Apesar disso, al�m desta pandemia, � necess�rio se preparar para o futuro, conforme Fl�vio e outros especialistas ouvidos pelo EM alertam. Eles s�o un�nimes ao dizer que esta n�o ser� a �ltima amea�a mundial trazida pelos v�rus.

GRAU DE COMO��O

Os n�meros, por si s�, deveriam mostrar o qu�o devastadora � a pandemia, que nada tem de gripezinha. Mas para deixar isso mais claro, � poss�vel recorrer a um dos maiores acidentes a�reos registrados na hist�ria: da Pan Am, no Aeroporto de Los Rodeos, em Tenerife, nas Ilhas Can�rias, na Espanha. O avi�o, que seguia de Los Angeles, nos EUA, para Las Palmas em 27 de mar�o de 1977, teve que desviar para Tenerife. Morreram 583 pessoas.

As trag�dias a�reas costumam comover pelo n�mero de v�timas feitas de uma s� vez. Imagine, ent�o, o grau de como��o que deveria gerar algo que cause o n�mero de mortes que equivale a 858,7 acidentes de Tenerife. Esse � o comparativo que corresponde �s mortes por COVID-19 no Brasil.

Diego Xavier, epidemiologista e pesquisador do Instituto de Comunica��o e Informa��o em Sa�de (Icict) da Funda��o Oswaldo Cruz (Fiocruz), avalia que o Brasil tinha condi��es de enfrentar uma epidemia da magnitude da COVID-19.  Ele lembra que institui��es como a Fiocruz, a Universidade de S�o Paulo (USP), outras faculdades e institutos tecnol�gicos dispunham de ferramentas para monitorar a infec��o. Os pesquisadores, inclusive, alertaram em diversos momentos sobre a gravidade do que viria pela frente.

Para os especialistas, faltou uma coordena��o nacional para enfrentar a doen�a – papel que deveria ter sido desempenhado pelo Minist�rio da Sa�de. “Durante a pandemia, o que a gente viu foi uma tentativa de se isentar da responsabilidade. O governo federal transferiu o problema para o estado, que transferiu para o munic�pio. E o munic�pio para a popula��o. A quest�o da coordena��o foi o grande problema para a falta de orienta��o sobre o que deveria ser feito”, diz Xavier.

Colapso poderia ter sido evitado

Diego Xavier, epidemiologista e pesquisador do Instituto de Comunica��o e Informa��o em Sa�de (Icict) da Funda��o Oswaldo Cruz (Fiocruz)

“Se a gente tiver uma nova epidemia com coordena��o, para que todo mundo siga uma estrat�gia – e ter um plano j� � muito importante – com comunica��o clara, recado �nico e orienta��o � popula��o sobre o que est� acontecendo e o que precisa ser feito, nosso sistema p�blico de sa�de tem todas as condi��es de passar por esse problema sem enfrentar a situa��o lament�vel que atravessamos hoje. Ferramentas de monitoramento a gente tem.

(Com) a capilaridade do sistema p�blico e o volume de pessoas trabalhando, conseguimos chegar ao fim do Amazonas para vacinar. A gente tem estrutura para enfrentar um problema do tamanho da COVID-19. O problema � que n�o soubemos us�-la. Temos um ex�rcito de agentes comunit�rios de sa�de que poderiam estar testando e rastreando casos, evitando colapso nos hospitais. N�o usamos isso. Temos sistema de monitoramento e alerta para gripe, dengue, mal�ria e outras doen�as, mas n�o o usamos de forma adequada.

Quando olhamos um estado entrando em colapso, conseguimos ver que isso aconteceria tr�s ou quatro semanas antes. Mas, infelizmente, os gestores s� tomaram a decis�o de enfrentar a doen�a de forma mais en�rgica quando se depararam com o colapso. Voc� n�o enfrenta uma epidemia tratando casos graves, mas evitando que casos aconte�am. A vacina veio para isso.”


Campanha de vacina��o

Geraldo Cunha Cury, infectologista, epidemiologista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

“Para combater a pandemia, existem dois mecanismos: as medidas n�o farmacol�gicas – uso da m�scara, distanciamento social e higiene das m�os – e, na outra vertente, temos a quest�o das vacinas. O que tem que ser feito � o Minist�rio da Sa�de fazer o papel de propagandear as medidas n�o farmacol�gicas como essenciais para n�o corrermos o risco de, em vez de 500 mil mortes, que tenhamos 800 mil ou 1 milh�o de �bitos.

Estamos em uma campanha de vacina��o em que n�o h� vacinas. E n�o temos porque no ano passado o governo n�o contratou vacinas. � urgente que o governo federal as providencie. Essas duas coisas t�m que andar juntas. Sen�o, vamos ter explos�o de casos.

A UFMG est� desenvolvendo uma vacina, mas com pouco apoio do governo federal. A Prefeitura de BH financiou uma parte. Mas isso � uma coisa para o final do ano que vem. � algo demorado. De imediato, tem que comprar as vacinas que existem. � preciso uma campanha de vacina��o. Houve muitas fake news. A vacina pode dar efeitos colaterais? Sim. �s vezes d� febre, dor no corpo ou dor de cabe�a. Mas o efeito colateral da n�o vacina��o � a morte.

Para futuras epidemias, por outros v�rus, a quest�o � tratar cientificamente o problema. E n�o fazer o que fizeram com a COVID-19. O que a ci�ncia recomendava fazer n�o foi feito. A� estamos onde estamos.”

Experi�ncia e conhecimento dispon�veis

Dirceu Greco, infectologista, professor da UFMG e presidente da Sociedade Brasileira de Bio�tica

“A resposta inicial contra o HIV foi exemplar no pa�s. (O v�rus era) violento, d�spar, homof�bico e com viol�ncia de g�nero. Apesar disso, a resposta foi exemplar. Teve a participa��o de todos, com coordena��o nacional importante. A experi�ncia daquela �poca serviria como exemplo para a atual pandemia. Infelizmente, desta vez, temos um governo irrespons�vel que nunca levou a s�rio uma epidemia t�o importante – e a negou. As experi�ncias anteriores e conhecimentos est�o dispon�veis. Esta n�o � a primeira epidemia – e nem vai ser a �ltima.

Devemos aproveitar algumas coisas positivas. Sem o Sistema �nico de Sa�de (SUS), a barb�rie atual seria transformada em caos. Mesmo subfinanciado, o SUS tem segurado esse processo – como (na epidemia) de HIV/Aids, em que tudo foi pelo SUS. � important�ssimo ter um sistema de sa�de p�blico funcionando, adequado, que atinja todos, n�o tenha preconceitos e seja estruturalmente correto. Isso � o ponto principal para o enfrentamento de qualquer outra coisa que acontecer.

Cada pandemia que aparece n�o substitui outras doen�as, mas vem para acrescentar. Quando sairmos desta, vamos voltar � situa��o pr�-pand�mica, que tinha praticamente as mesmas coisas: um pa�s d�spar, cheio de desempregados e pessoas pobres, al�m de preconceito e viol�ncia contra pobres, negros e mulheres. A nova normalidade vai ter que encontrar um pa�s diferente, que n�o tenha este governo. N�o d� para continuar com essa incapacidade – ele (Bolsonaro) est� sendo chamado de genocida n�o � toa.

A primeira estupidez foi acabar com o Mais M�dicos. Tinha m�dico em todo canto. Aten��o b�sica � o ponto principal. Parte importante das mais de 500 mil mortes aconteceu nos hospitais, com sofrimento e dificuldade de conversar com a fam�lia. Mas h� os antecedentes: os sintomas, o acesso ao diagn�stico, o diagn�stico em si e o encaminhamento ao tratamento. Tem que haver financiamento correto e intenso do SUS – principalmente o programa Sa�de da Fam�lia. O Brasil tem um �timo processo de ter 60 mil ou 70 mil equipes de Sa�de da Fam�lia. Voc� pode n�o s� discutir sobre preven��o, mas diagnosticar precocemente e isolar casos. Isso foi, em certo sentido, perdido.”


Priorizar a ci�ncia

Fl�vio Fonseca, virologista, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV)

“Parece que h� uma ideia formada na cabe�a de nossos gestores pol�ticos de que ci�ncia n�o � prioridade. Nos �ltimos anos, o Brasil n�o encara a ci�ncia como pasta priorit�ria. O pre�o est� pagando agora. Vivemos, em 2015 e 2016, a crise da zika. Naquela �poca, n�o era uma pandemia, mas um problema dos pa�ses tropicais – especificamente nas Am�ricas, que a doen�a atingiu com maior for�a. Se n�o tom�ssemos a��o, ningu�m ia tomar. Ningu�m ia fazer vacina para o Brasil comprar ou estudar o v�rus da zika.

A ci�ncia brasileira se debru�ou sobre o problema, respondeu a diversas perguntas sobre o v�rus, praticamente desconhecido para o mundo, gerou solu��es e treinou pessoas. A gente teve a oportunidade de formar laborat�rios, infraestrutura e pessoal qualificado para ficar para sempre com a gente. Isso era um patrim�nio brasileiro que n�o foi aproveitado. A crise passou, o dinheiro sumiu e as pessoas treinadas em ambiente de ‘batismo de fogo’ foram embora do Brasil. Aqui n�o havia ambiente de est�mulo, de contrata��o, gera��o e manuten��o de laborat�rios.

Com a crise da COVID-19, a gente reequipou laborat�rios e remontou as equipes. Os pesquisadores que v�o trabalhar na pr�xima pandemia est�o sendo formados agora. O que vamos fazer com essa massa de gente que foi treinada? Vamos come�ar a dar import�ncia � ci�ncia e manter esse n�vel de fomento com mais intensidade?

Ou, quando acabar ou diminuir a crise da COVID-19, vamos fazer a mesma coisa que aconteceu com a zika? Acabou ou diminuiu o impacto da COVID, o dinheiro some, as pessoas treinadas s�o ignoradas e a gente perde, de novo, todos esses c�rebros para o exterior? Espero que isso n�o aconte�a.”


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