
Congonhas – Bastou o temporal t�pico da esta��o passar para os visitantes sa�rem �s ruas e caminhar at� o Santu�rio Bas�lica Bom Jesus de Matosinhos, patrim�nio da humanidade e cart�o-postal de Congonhas, conhecida como a Cidade dos Profetas. No adro do templo, o foco principal da admira��o: as 12 esculturas em pedra-sab�o divinamente criadas por Ant�nio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814), e, agora, com a retomada do turismo no estado, atraindo admiradores de todo canto.

Com a chuva forte no in�cio da tarde de uma segunda-feira, os profetas pareciam ter tomado um banho, livrando-se da poeira. Mas a limpeza n�o veio de forma completa: em bra�os, cabe�as e outras partes das esculturas, os l�quens e fungos tomam conta, demandando tratamento especializado, a fim de garantir integridade e beleza do conjunto bicenten�rio.
A �ltima limpeza dos profetas de Congonhas, com aplica��o de um biocida, produto totalmente natural, segundo especialistas, ocorreu em 2012 e dever� se repetir at� o fim deste ano. A prefeitura local vai estar � frente do servi�o e custe�-lo, conforme entendimento com o Instituto do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional (Iphan), respons�vel pelo tombamento do conjunto em 1939, e com autoriza��o do reitor do santu�rio bas�lica, padre Geraldo Gabriel Pinto. A limpeza, que deve ocorrer de cinco em cinco anos, chega atrasada desta vez, e o cen�rio preocupa os visitantes.

“Recebemos of�cio da prefeitura informando sobre a limpeza dos profetas e vamos autorizar. S� est� faltando uma reuni�o na Arquidiocese de Mariana (� qual o santu�rio � vinculado) para acertar os detalhes”, informou o padre Geraldo. Assessor da Diretoria de Patrim�nio Hist�rico da Prefeitura de Congonhas, o arquiteto Hugo Cordeiro adiantou que o servi�o ser� feito pelo restaurador Ant�nio Fernando dos Santos, professor universit�rio e funcion�rio aposentado do Iphan, tamb�m respons�vel pela �ltima limpeza das esculturas.
Os produtos ser�o comprados pela Prefeitura de Congonhas, no valor de R$ 11 mil, e Ant�nio Fernando dos Santos n�o cobrar� pelo servi�o. Com o restaurador e professor da Universidade Fumec estar�o os bi�logos Maria Aparecida de Resende Stoianoff e Douglas Boniek, do Instituto de Ci�ncias Biol�gicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com participa��o de equipe do Iphan, todos em esquema colaborativo.
Restaurador experiente, Ant�nio Fernando explica que o biocida atua na estrutura dos l�quens (simbiose de fungos e algas, de colora��o verde) matando-os. “Eles se desenvolvem na superf�cie da pedra-sab�o e se concentram, criando ra�zes onde h� muita umidade”, informa o restaurador. A limpeza n�o tem car�ter apenas est�tico. “Os l�quens causam danos � pedra, fragilizando-a, e produzem corantes que podem dar um tom avermelhado � superf�cie.”

Segundo a Superintend�ncia do Iphan em Minas, v�rios m�todos de limpeza de micro-organismos contaminantes da superf�cie das pedras dos monumentos hist�ricos de Minas foram pesquisados, entre eles o uso de diferentes biocidas, sendo testados tamb�m v�rios para remo��o dos l�quens das esculturas. Em nota, a dire��o da autarquia federal esclarece: “O produto que apresentou melhor resultado na limpeza, e que ser� novamente usado, � o para-hidroxibenzoato de etila, que promove a remo��o dos l�quens sem afetar a estrutura da pedra. Outras nomenclaturas encontradas para a f�rmula s�o: p-hidroxibenzoato de etila, 4-hidroxibenzoato de etila, etilparabeno e Asseptin A. A frequ�ncia de aplica��es � em m�dia a cada cinco anos ou conforme a demanda do conjunto, pois a prolifera��o de l�quens � irregular e nem sempre ocorre com a mesma velocidade e const�ncia. As esculturas s�o monitoradas ao longo do tempo e acompanhadas pelo escrit�rio t�cnico do Iphan em Congonhas.”
Ainda segundo a nota, “cabe destacar que a responsabilidade sobre a preserva��o do patrim�nio cultural, incluindo os declarados como patrim�nio mundial pela Organiza��o das Na��es Unidas para a Educa��o, a Ci�ncia e a Cultura (Unesco), � descentralizada, compartilhada e participativa, sendo descrita, no artigo 23 da Constitui��o Federal de 1988, como compet�ncia comum da Uni�o, dos estados, do Distrito Federal e dos munic�pios. Assim, a Prefeitura de Congonhas assumiu o procedimento de aplica��o de biocida nos profetas de Aleijadinho do Santu�rio de Bom Jesus de Matozinhos, com acompanhamento t�cnico do Instituto do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional”.

Conjunto � convite � visita��o em Congonhas
De acordo com o Iphan, o conjunto dos profetas do Antigo Testamento esculpido por Antonio Francisco Lisboa (1738-1814), o Aleijadinho, em conjunto com o Santu�rio de Bom Jesus de Matosinhos, � considerado uma das obras-primas do Barroco mundial. O conjunto foi tombado pelo Iphan em 1939 e reconhecido pela Unesco como patrim�nio mundial em 1985.
Com grande visita��o tur�stica, o conjunto � composto pela igreja, com interior em estilo rococ�, e seis capelas dispostas lado a lado denominadas Passos – ilustrando a via-cr�cis de Jesus –, al�m de um adro murado e uma escadaria externa monumental decorada com est�tuas dos 12 profetas, esculpidas em pedra-sab�o entre 1800 e 1805.
A escolha de 12 entre os 16 profetas que constituem a s�rie do Antigo Testamento se deve, conforme a especialista em arte sacra e colonial do Brasil Myriam Andrade, � disposi��o arquitet�nica dos suportes para as esculturas. Assim, o artista, restrito a esse n�mero, selecionou os profetas na ordem de sua entrada na “B�blia”, excluindo Miqueias para dar lugar a Habacuc. Cada um deles traz lateralmente o texto de sua profecia gravado em latim em rolos de pergaminhos.
A riqueza de detalhes pode ser percebida pelos visitantes, seja no expressionismo das est�tuas ou nas ex�ticas vestimentas dos profetas barrocos. Essa �ltima foi, inclusive, tema de pesquisa do historiador Robert Smith, que verificou refer�ncias � arte religiosa portuguesa no per�odo de 1500-1800, inspirada nas pinturas flamengas do fim da era medieval.
Emo��o diante de um tesouro mundial
Ficar frente a frente com os profetas se torna, a cada segundo, uma experi�ncia �nica, quase de devo��o, independentemente do credo do observador. Diante dos olhos, brilha a genialidade de Aleijadinho, o mestre do Barroco, escultor do tempo e da arte em pedra-sab�o, espetacular ao dar forma a Joel, Jonas, Am�s, Abdias, Daniel, Baruc, Isa�as, Oseias, Ezequiel, Jeremias, Naum e Habacuc.
Ainda sob os �ltimos pingos da chuva, o casal Jos� Francisco Martins e S�lvia Martins, de Mogi das Cruzes (SP), se disse maravilhado com o conjunto hist�rico de Congonhas, formado pela bas�lica, os profetas e as capelas com pe�as em cedro, tamb�m esculpidas por Aleijadinho, que recriam a Paix�o de Cristo.
Na primeira visita a Congonhas, Jos� Francisco, engenheiro civil, disse que notou de imediato o ataque dos l�quens �s esculturas. “A preserva��o precisa ser constante, n�o se pode descuidar um segundo. Sei que h� produtos que n�o agridem a pedra”, afirmou. S�lvia disse que, na primeira sa�da durante a pandemia, os dois vieram pelo Sul do estado, passando por Caxambu, e estiveram em Inhotim, em Brumadinho, Ouro Preto, seguindo na quarta-feira para Tiradentes, na regi�o do Campo das Vertentes.
Depois de visitar o Museu de Congonhas, ao lado da bas�lica, o casal Luiz Fernando Bonutti, engenheiro qu�mico, e Fernanda, enfermeira, de Salvador (BA), tamb�m se declarou encantado com tudo o que viu. “Ele aprecia arquitetura e hist�ria, eu gosto mais da religiosidade”, contou Fernanda, para quem um maior n�mero de brasileiros e estrangeiros precisa conhecer os profetas. “Realmente, s�o espetaculares”, disse a enfermeira, para Luiz Fernando completar: “E Aleijadinho esculpiu em pouco tempo, apenas cinco anos (entre 1800 e 1805)”.
Mesmo para os mineiros, acostumados a ver sempre os profetas, o cen�rio desperta emo��o. De passagem pelo adro, Silv�nia Ferreira, moradora de Conselheiro Lafaiete, destacou a import�ncia do santu�rio n�o apenas para Congonhas. “Os profetas s�o a riqueza da regi�o. A hist�ria brasileira � bonita e sofrida, resultado de muita luta”, disse Silv�nia, referindo-se a todos os escravizados que trabalharam na regi�o das minas. J� uma turista de BH que visitou recentemente a bas�lica se disse preocupada. “N�o se pode descuidar, pois � um patrim�nio mundial. Olho, admiro, mas vejo com preocupa��o, pois n�o � de hoje que esses l�quens est�o nas est�tuas, que sofrem tamb�m com a poeira da minera��o”, afirmou.