
A itabirana T�nia Mara de Almeida usou seu perfil no Instagram, na �ltima segunda-feira (8/11), para denunciar um caso de viol�ncia obst�trica sofrido por sua irm�, �ngela Maria de Almeida, no Hospital Municipal Carlos Chagas, em Itabira, na Regi�o Central de Minas. De acordo com a postagem, as decis�es tomadas pela equipe que atendeu sua irm� culminaram na morte da beb�, Ana Laura.
Em entrevista ao site DeFato Online, T�nia e seu marido, Isac J�nior, explicaram que o caso aconteceu em 3 de novembro. �ngela estava com 40 semanas de gesta��o, ao dar entrada no hospital queixando de dores no peito e no bra�o direito. Ela passava por uma gravidez de risco ap�s dois abortos.
“Fizeram alguns exames nela, com resultados inconclusivos. Mas trataram como embolia pulmonar e aplicaram um anticoagulante. Ela n�o tinha dilata��o nem contra��o. Minha irm� ficou em observa��o na UTI, para ser monitorada por 12 horas e fazer o parto na manh� seguinte”, relata.
T�nia relata ainda que poucas horas depois, o quadro da irm� piorou com uma queda de press�o. “A obstetra estava l� para fazer o parto. Mas o cirurgi�o plantonista n�o estava no hospital. Por volta das 22h, come�ou a cesariana de emerg�ncia, mas a m�dica j� sabia que a beb� tinha entrado em �bito”, descreve.
Ela explica que a pr�pria m�dica levantou a hip�tese de que a beb� poderia n�o ter resistido, pois n�o tinha conseguido auscult�-la nos exames preliminares. T�nia tamb�m disse que a fam�lia aguardou do lado de fora do hospital por not�cia, mas que as informa��es eram desencontradas e foram alimentadas falsas esperan�as de que a beb� estava bem.
“Teve uma enfermeira que veio pedir uma roupinha da Ana Laura e falou ‘daqui a pouco ela est� aqui com voc�s’. Depois, o que nos falaram foi que ela nasceu, teve uma parada card�aca e estavam tentando reanimar. Como iam reanimar se ela j� estava morta h� um temp�o?”, relembra T�nia.
A irm� seguia no bloco cir�rgico, pois a m�dica havia detectado uma hemorragia interna no f�gado. Por�m, o cirurgi�o plantonista ainda n�o tinha sido encontrado. “A m�dica retirou o �tero, fechou a minha irm� com uma hemorragia interna no f�gado e mandou para a UTI. O cirurgi�o de plant�o tinha ido embora �s 19h20. Nem se ele morasse do outro lado da cidade demoraria tanto para voltar. Ele s� chegou de madrugada, � 1h45. Porque ele n�o estava fazendo o plant�o dele l� dentro?” questiona T�nia.
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Boletim de Ocorr�ncia
T�nia e o marido Isac chamaram a pol�cia e fizeram um boletim de ocorr�ncia (B.O.). Al�m da fam�lia, foram ouvidas enfermeiras e a m�dica obstetra respons�vel pelo parto. � Pol�cia Militar, a m�dica disse que fez a cesariana de emerg�ncia e confirmou que a beb� foi retirada sem sinais vitais.
“Durante a avali��o da paciente [a obstetra] tentou escutar o beb� e n�o conseguiu. Por esse motivo, levou a paciente para o bloco cir�rgico para fazer uma ces�rea. Segundo a m�dica obstetra, quando ela abriu a barriga da paciente, esta estava com sangramento fora do �tero, que ela (m�dica) acreditava que o sangramento poderia estar saindo do f�gado; que, sendo assim, retirou o beb�, o qual j� n�o apresentava sinais vitais, e que, al�m disso, foi necess�rio retirar o �tero da paciente devido o sangramento”, diz o boletim de ocorr�ncia.
O B.O. ainda explica que “a doutora relatou que, ap�s a retirada do �tero, a paciente continuava apresentando sangramento. Contudo, como n�o era de sua compet�ncia, ela acionou o cirurgi�o que estava de sobreaviso. Como n�o podia deixar a paciente com a barriga aberta, ela fechou a barriga da paciente mesmo com o sangramento interno e encaminhou para a UTI para receber sangue para aguentar nova cirurgia, caso fosse necess�rio, ap�s avalia��o do cirurgi�o”.
Ainda na ocorr�ncia, os policiais informam que n�o foi poss�vel ouvir o cirurgi�o, j� que ele estava em atendimento � paciente sem previs�o de hor�rio de t�rmino.
Questionamentos
A publica��o feita por T�nia traz, ainda, uma s�rie de questionamentos sobre o Hospital Municipal Carlos Chegas, onde tudo aconteceu. Segundo ela, o v�deo recebeu uma grande quantidade de relatos de viol�ncia obst�trica sofrida por dezenas de outras mulheres itabiranas.
“N�o estou aqui para denegrir a imagem de ningu�m, mas no dia em que eu enterrei a minha sobrinha tinha mais duas crian�as e uma m�e sendo enterradas. Eu te pergunto, se eu n�o tivesse ido a p�blico teriam enterrado minha irm� tamb�m?”, desabafa.
O marido de T�nia, Isac J�nior fez quest�o de falar como a dor da perda vem afetando a fam�lia. “Nesse momento � hora de pensar na �ngela, porque ela ainda est� internada. Na hora de fazer o vel�rio da nen�m, ningu�m viu a dor do pai que perdeu a filha e est� com a esposa internada. Ele n�o tem condi��es de brigar por isso, mas eu tenho.”
Diante da repercuss�o, a Funda��o S�o Francisco Xavier (FSFX), gestora da unidade hospitalar, divulgou uma nota de esclarecimento que causou indigna��o na fam�lia. Isac informou que uma den�ncia foi formalizada no Minist�rio P�blico. “N�o � uma situa��o t�o simples quanto a FSFX falou na nota deles. Minha cunhada passou por tr�s cirurgias e eles trataram apenas como uma fatalidade.”
Para T�nia, essa � uma luta que est� apenas come�ando. “Eu n�o me arrependo. Se n�o tivesse feito isso, ser� que minha irm� estaria viva? A gente n�o pode fechar os olhos para o que est� acontecendo”, finalizou.
A DeFato entrou em contato com o Minist�rio P�blico para saber em que situa��o est� a averigua��o dos fatos, mas at� a publica��o dessa reportagem n�o obteve resposta.
O que diz a FSFX
A reportagem da DeFato procurou a Funda��o S�o Francisco Xavier e encaminhou alguns questionamentos sobre o caso. Entre as perguntas enviadas, a reportagem quis saber quais exames foram realizados e medicamentos foram ministrados em �ngela Maria de Almeida; porque o cirurgi�o plantonista n�o estava no hospital e o motivo da demora de sua chegada; quantos partos foram realizados nos dias 3 e 4 de novembro e quantos �bitos de beb�s ou m�es aconteceram nos mesmos dias; como a FSFX lida com esse tipo de caso; e qual a assist�ncia oferecida para a fam�lia da �ngela.
Al�m disso, tamb�m foram solicitados documentos relativos � den�ncia feita por T�nia Almeida. DeFato pediu o posicionamento da Funda��o S�o Francisco Xavier; a escala de plant�o dos m�dicos nos dias 3 e 4 de novembro de 2021 (incluindo cirurgi�es gerais e obstetras); o prontu�rio m�dico e estado de sa�de de �ngela e os n�meros de �bitos de beb�s e m�es na maternidade do Hospital Carlos Chagas no �ltimo ano.
A assessoria de comunica��o da institui��o respondeu apenas que “conforme a Lei Geral de Prote��o dos Dados (LGPD) n�o temos autoriza��o para passar dados de sa�de da paciente. Somente a fam�lia que tem esse direito”. E encaminhou uma nota de esclarecimento sobre o caso. Leia na �ntegra.
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“Sobre o fato ocorrido nesta madrugada de 4 de novembro de 2021, a respeito da paciente gestante que questionou a demora de interven��o cir�rgica, a Funda��o S�o Francisco Xavier, respons�vel pela administra��o do Hospital Municipal Carlos Chagas esclarece que a gestante deu entrada na unidade hospitalar com queixa de dor tor�cica e falta de ar. A paciente, ent�o, foi encaminhada � Unidade de Terapia Intensiva – UTI da unidade para monitoramento e tratamento. Ap�s evolu��o desfavor�vel do quadro de sa�de, foi necess�ria a realiza��o de ces�rea de urg�ncia, quando, devido �s complica��es, foi constatada a morte fetal. A paciente segue sob cuidados na UTI do Hospital Municipal Carlos Chagas que est� prestando todo o apoio necess�rio aos familiares e � paciente.”
Pol�mica da maternidade SUS
As maternidades em Itabira t�m sido alvo de debates e pol�micas desde 2015. Na �poca, o ent�o prefeito municipal, Damon L�zaro de Sena firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com Minist�rio P�blico para que o Hospital Municipal Carlos Chagas (HMCC) fosse destinado exclusivamente aos usu�rios do Sistema �nico de Sa�de (SUS). Esse acordo gerou a necessidade de uma licita��o.
A Funda��o S�o Francisco Xavier foi a vencedora do processo e assumiu, em janeiro de 2016, o contrato de R$ 455.583.650 pela gest�o referente a um prazo de dez anos. Ainda nesse ano, em julho, a maternidade SUS foi transferida, definitivamente, para o HMCC. O HNSD, ent�o, optou por direcionar sua maternidade para clientes de planos de sa�de e particulares.
Em julho de 2017, o Hospital Nossa Senhora das Dores (HNSD) iniciou uma negocia��o com a Prefeitura de Itabira para retomar o atendimento pelo SUS em sua maternidade.
Manter a maternidade do HNSD se tornou um desafio desde as mudan�as de 2016. Esse ano, com a possibilidade do fechamento, diversas institui��es se manifestaram como a Associa��o M�dica de Itabira que considera a hip�tese um grande retrocesso. Durante as reuni�es ordin�rias da C�mara de Itabira, o vereador Neidson Freitas chegou a cobrar a Prefeitura de Itabira um posicionamento sobre o assunto.
Ainda em fevereiro, uma reuni�o no gabinete do atual prefeito, Marco Ant�nio Lage, reuniu setores envolvidos no assunto, como Promotoria P�blica; secretaria municipal de Sa�de; Associa��o M�dica de Itabira; Conselho Regional de Medicina; e Unimed Itabira. Uma das possibilidades de solu��o levantadas foi o reajuste nos valores repassados pelos planos de sa�de para a realiza��o dos partos no hospital. Algo considerado invi�vel pela Unimed.
As discuss�es se arrastaram at� junho de 2021, quando o HNSD anunciou que conseguiria manter a maternidade at� dezembro desse ano. Houve um consenso entre os envolvidos na divis�o das despesas, de forma igualit�ria. Os R$ 100 mil de d�ficit mensal gerados pela maternidade foram divididos por: HNSD; Unimed; planos de sa�de Pasa e AMS; a classe m�dica; pediatras que assistem o setor hospitalar. Cada um vem arcando ou absorvendo R$ 17 mil do passivo gerado.
Recentemente, em outubro, o provedor do HNSD M�rcio Labruna, declarou que h� 80% de chance da maternidade n�o fechar. “Os servi�os que criamos pode aumentar o n�mero de partos e m�dicos ter�o mais consultas. Toda a renda dessas consultas ser� canalizada para atenuar o d�ficit. N�o � que o d�ficit acabou, ele continua sendo dividido, s� que agora � muito menor. Hoje, temos renda do Pronto Atendimento e da cl�nica da mulher que v�o somar e viabilizar a maternidade”, declarou na �poca.
Em tempo
Durante a �ltima reuni�o ordin�ria da C�mara de Vereadores de Itabira (9), o vereador Bernardo Rosa (PSB) deu um depoimento pessoal a respeito.
“Eu tenho uma filha de um ano e seis meses e sei o quanto � o amor que temos pelos nosso filhos. Quando do parto da minha esposa, n�s t�nhamos a op��o de ir para o Hospital Carlos Chagas. L�, infelizmente, eles esperam at� os 45 minutos do segundo tempo para fazer o parto, porque eles priorizam o parto natural. Eu achei um absurdo! A�, eu tive que pagar o parto no Hospital Nossa Senhora das Dores com receio pela integridade f�sica da minha filha. Minha mulher j� estava com 39 semana, n�o tinha a dilata��o necess�ria e teria que ficar l� aguardando. Ent�o, eu sinto a dor e sei como �, principalmente para a mulher”, relatou.