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Gael nem sempre teve essa inseguran�a. Aos 3 anos, quando come�ou a vida escolar, n�o costumava demonstrar resist�ncia. “Mal me dava tchau quando entrava no maternal, de t�o adaptado. Agora, fica t�o nervoso, que �s vezes faz v�mito. Tinha melhorado antes das f�rias, mas voltou a ficar muito sens�vel. A pandemia transformou meu filho de um jeito que eu jamais imaginaria”, conta Helena.
Com um tom de autojulgamento caracter�stico das m�es, Helena tenta refletir sobre o que aconteceu com o menino. “Ele se deu relativamente bem com as atividades on-line, embora sentisse muita falta dos coleguinhas. Isso me deixou um pouco mais tranquila. Esse talvez tenha sido o erro. Acho que ele se apegou muito a essa rotina. Agora, sente o baque da mudan�a. Parece que est� com medo de se relacionar com as pessoas”, relata a banc�ria.
M�e dos g�meos Lucas e Gabriel, de 7, Naiara Queiroz, de 44, tamb�m sente que as habilidades sociais dos meninos foram afetadas. Principalmente no caso de Gabriel, que lida com o autismo, condi��o que, por si s�, costuma vir acompanhada de desafios de socializa��o.

J� para Lu�sa Magalh�es, de 32, as dificuldades de socializa��o do filho Gabriel L., de 10, se traduzem em um comportamento demasiadamente adulto. Segundo ela, o garoto praticamente n�o conviveu com crian�as durante o per�odo de suspens�o das aulas presenciais, o que faz com que ele reproduza modos “de gente grande”.
“Exemplo disso � que ele anda sarc�stico e tem se comportado assim com os meninos da idade dele. Sarcasmo � coisa de adulto. Ele aprendeu esse comportamento convivendo com adultos. Mas as crian�as n�o entendem isso, � uma brincadeira, digamos, um tanto sofisticada. As crian�as n�o entendem quando algu�m est� implicando com elas de brincadeira. O adulto entra no jogo, responde � altura, devolve a piada. A crian�a n�o, ela chora e se ofende. E o Gabriel fica sem entender por qu�.”, relata a assistente de licita��es.
Lu�sa percebe que a mudan�a tem provocado o afastamento de outras crian�as. “Com isso, ele perde uma por��o de coisas, como uma confid�ncia infantil, as travessuras com outros amiguinhos. Com o retorno � escola, ele tem melhorado. Acredito que ele vai superar isso naturalmente, dentro do pr�prio ambiente escolar. Mas estou atenta e, se for necess�rio, vou procurar ajuda especializada”, planeja.
Ela tamb�m � m�e de J�lia, de 5, outra pequena que n�o saiu ilesa da falta de contato com a escola. A garota, que enfrenta problemas de audi��o e consequente atraso na fala, vinha apresentando significativa evolu��o desde que entrou na escola, aos 4 anos. Ap�s o isolamento, a percep��o familiar � de que ficou subestimulada e regrediu.
“Antes, ela tinha muita paci�ncia para se fazer entender para os coleguinhas. Agora, n�o. Est� desestimulada. Ela fala uma vez e, quando a pessoa n�o entende, ela larga pra l�. Desistiu de se comunicar. Vejo isso como consequ�ncia direta do longo per�odo de afastamento da escola, que � o meio onde as intera��es sociais s�o mais estimuladas”, reflete a m�e.
Pouca experi�ncia para tanta mudan�a
A psic�loga Maria Clara Rodrigues enumera alguns fatores relacionados �s sequelas sociais deixadas pela crise sanit�ria nas crian�as. Um deles � a quebra na rotina familiar, fator muito importante para o desenvolvimento infantil. Segundo a especialista, os pequenos tiveram que encarar ao menos duas rupturas desde o in�cio de 2020: a primeira, quando pararam de ir � escola e passaram a ficar em casa. Outra, quase um ano e meio depois, quando voltaram �s salas de aula. “Vamos lembrar que um ano e meio � quase um ter�o da vida de uma crian�a de 5 anos, por exemplo. � um impacto significativo para elas”, explica a profissional.

O medo, sentimento muito presente no ambiente familiar ao longo da crise deflagrada pela COVID-19, � outro elemento que, para a especialista, afeta a sa�de mental do p�blico infantil. Maria Clara destaca que a inf�ncia � um per�odo de experimenta��es, em que a crian�a est� �vida por descobertas e come�a a desenvolver a individualidade. O medo provocado pelo coronav�rus, por sua vez, traz paralisia, o que faz com que os pequenos, em vez de se lan�arem em novas viv�ncias, acabem recorrendo �quilo que j� conhecem e traz sensa��o de seguran�a, ou seja, o aconchego da fam�lia, o colo e o choro.
Supera��o
A boa not�cia � que crian�as s�o geralmente dotadas de �tima capacidade de supera��o. O processo, contudo, pode levar mais tempo do que a impaciente expectativa adulta gostaria. “� razo�vel pensar que um problema gestado em um ano e meio pode n�o se resolver em poucas semanas”, observa a psicopedagoga Fl�via Alc�ntara.

Especialista em neuroeduca��o, Fl�via frisa que o respeito ao tempo e �s peculiaridades de cada crian�a � um dos ingredientes mais importantes da readapta��o escolar. “N�o deixe seu filho chorar at� a exaust�o na escola. N�o acredite nos gurus que dizem que a ‘dor educa’. Ela faz parte da vida, mas est� longe de ser boa professora. Corra tamb�m do senso comum que diz que as birras s�o tentativas de manipula��o. A birra � uma manifesta��o natural de um c�rebro imaturo reagindo com suas �reas mais primitivas a situa��es como medo, ang�stia, separa��es bruscas e contrariedades. Na medida do poss�vel, a birra deve ser acolhida at� que a crian�a se acalme”, afirma.
Fl�via aconselha que os pais conduzam a reintrodu��o da rotina escolar da maneira mais respeitosa poss�vel. “Se poss�vel, ao perceber que o pequeno n�o quer entrar sozinho na sala, entre com ele e fique por algum tempo. E se ele estiver realmente muito estressado, se puder, considere o retorno gradativo. No primeiro dia, v� s� at� a porta e volte com ele para casa. No segundo, entre na sala. At� que o aluno se sinta mais confort�vel para ficar. Tamb�m vale deixar que ele leve um brinquedo de que gosta muito para a aula. Objetos de apego geram seguran�a material”, orienta.
Aos educadores, a especialista recomenda mais foco no acolhimento do que nos conte�dos. “Neste momento, o mais importante � estabelecer conex�o com as crian�as. Refor�ar o v�nculo afetivo. O principal componente do aprendizado, afinal, � a seguran�a. Nenhuma crian�a absorve conte�dos se n�o se sentir segura e acolhida”, finaliza.
Bandeira vermelha
As altera��es comportamentais est�o previstas no processo de readapta��o escolar e devem ser avaliadas de forma individual. Fl�via observa, no entanto, que os familiares devem ficar atentos a atitudes que podem indicar necessidade de apoio multidisciplinar, tais como explos�es emocionais sem motivo aparente, grandes varia��es de peso e apetite, tristeza profunda e apatia.
Nesses casos, vale procurar o pediatra de refer�ncia da fam�lia, al�m da psicoterapia individual e familiar. J� problemas relacionados ao atraso de fala podem ser solucionados com ajuda de fonoaudi�logos e terapeutas ocupacionais.
Tr�s reflex�es de especialistas sobre a readapta��o escolar
- N�o existe tempo-padr�o para a adapta��o escolar. Algumas crian�as s�o mais sens�veis e precisam de mais prazo. Familiares e educadores, no entanto, devem ficar atentos a sinais de que a crian�a talvez demande ajuda especializada, tais como tristeza profunda, que pode indicar depress�o.
- A birra infantil na porta da escola n�o � considerada uma tentativa de manipula��o, mas uma esp�cie de "curto-circuito" de um c�rebro ainda imaturo diante de situa��es como separa��o brusca, medo, ang�stia ou contrariedade. Tentar ensinar li��es � crian�a neste momento � como querer ensinar a nadar algu�m que est� se afogando. Se poss�vel, acolha ou tente desviar a aten��o do pequeno para outra coisa.
- Evite comparar a crian�a com colegas da escola. Cada crian�a � �nica, tem necessidades espec�ficas e n�o h� nada de errado com isso. Concentre-se no acolhimento e no fortalecimento do v�nculo com os pequenos. A seguran�a � um dos principais componentes do desenvolvimento infantil.