
Luciano � uma das 29 v�timas que consumiram a bebida e foram contaminadas com a subst�ncia dietilenoglicol. Dos afetados, 10 morreram. Desde ent�o, os sobreviventes travaram uma �rdua luta na Justi�a pela repara��o dos danos provocados pela Cervejaria Backer, hoje Tr�s Lobos, respons�vel pela produ��o da marca. Ainda cercado por um cen�rio de revolta e incertezas por parte de quem viveu de perto a trag�dia, a empresa obteve na semana passada a libera��o do Minist�rio da Agricultura Pecu�ria e Abastecimento (Mapa) – confirmada pela prefeitura de Belo Horizonte e pelo Corpo de Bombeiros – para voltar a fabricar as cervejas em seu parque industrial, no Bairro Olhos D'�gua, na Regi�o Oeste de BH.
A decis�o ocorre sem que os atingidos tenham recebido indeniza��o da cervejaria por danos relativos � intoxica��o. Ao todo, 10 pessoas foram indiciadas pela Justi�a de Minas por les�o, tentativa de homic�dio e contamina��o de alimentos - eram 11 r�us, no total, mas um deles morreu no fim do ano passado. O julgamento est� previsto para 25 e 26 de maio, no Forum Lafayette.
Desde que consumiu a cerveja, Luciano viveu diversas complica��es. “Estava internado desde o in�cio de dezembro, mas foram descobrir o problema em 11 de janeiro, quando outras pessoas tiveram o mesmo problema. Fiquei internado e passei para o CTI em seguida. Foram 180 dias no hospital e 35 no CTI, sendo 28 em coma”, conta o banc�rio.
“A minha capacidade renal reduziu-se em 72%. Perdi 35 quilos nesse tempo. A cada tr�s meses, tenho consultas com urologista e sou pass�vel de fazer um transplante do rim. Perdi parte da audi��o, parte da vis�o e tive que retirar parte do intestino por causa do veneno que vazou para l�. Usei bolsa de colostomia. Todas as v�timas tiveram a parte urol�gica afetada. Fiz di�lise no hospital durante meses”, complementa.
O card�pio di�rio tamb�m sofreu mudan�as dr�sticas. “A alimenta��o hoje � diferente, pois n�o posso comer prote�nas, carnes e leite. Tudo o que eu gostava n�o posso fazer. Mas voc� vai se acostumando com as sequelas”.
Apesar do abalo emocional e de todo sofrimento, ele fala em seguir firme adiante: "Infelizmente, minha mulher teve de parar de trabalhar depois de 27 anos para cuidar de mim. Teve gente que morreu, outros ficaram piores. Reclamar de que agora? Vou me esfor�ar para ter uma vida melhor. Estou evoluindo aos poucos e levando a vida do jeito que d�".
Enquanto Luciano luta diariamente pela reabilita��o, a analista de gest�o econ�mica Christiani Neves de Assis, de 43, n�o teve muito tempo para salvar a m�e, Maria Augusta, de 59, que se intoxicou com dietilenoglicol em dezembro de 2019, ap�s ingerir a cerveja Belorizontina. Ela morreu dois depois de ser internada no hospital com sintomas de insufici�ncia renal. Maria Augusta sofreu sintomas como n�useas, v�mitos, diarreia e paralisia facial, comuns �s outras v�timas.

“Em abril de 2019, tinha perdido meu pai. E minha m�e estava se recuperando dessa perda, pois estavam juntos h� mais de 40 anos. Foi muito assustador. Ela era muito saud�vel e n�o tinha problemas de sa�de. Foi internada �s 11h no dia 25 e morreu � 1h do dia 27. Foram pouco mais de 30 horas depois de dar entrada no hospital”, conta Christiani, que vem acompanhando de perto todo o processo judicial.
Ela v� com perplexidade o retorno da cervejaria �s atividades e diz que uma indeniza��o n�o apagaria todo o baque sofrido nos �ltimos dois anos: Temos sempre acompanhado o caso em busca de Justi�a. N�o fomos procurados pela Backer, n�o fomos indenizados e n�o temos qualquer apoio. Semana passada, j� saiu a libera��o para que eles produzissem no polo de BH. Para a gente, isso gera uma revolta e tristeza, porque ela acabou com nossas vidas. Sabemos que h� um acordo em que ela s� ir� indenizar as fam�lias depois da volta do funcionamento. Queremos ser indenizados, mas o dinheiro n�o vai reparar o que ela fez, seja qual for o montante”.
Christiani revelou que as dificuldades financeiras s�o problemas comuns �s fam�lias atingidas pela intoxica��o da cerveja: “Se para eles � a �nica forma de feri-los, que isso seja feito. Temos que passar por dificuldades financeiras, cada uma � sua maneira, nos desfazendo de bens ou tendo que suprir a aus�ncia do outro que era o pilar da casa. Esperamos justi�a. � uma batalha di�ria, quando pensamos, escutamos ou come�amos a esquecer o assunto. E a� vem � tona tudo de novo, o que nos faz sentir todas as dores novamente”, completa.
Processos na Justi�a
As atividades da Backer estavam suspensas desde 2020, depois que o inqu�rito policial comprovou que as subst�ncias t�xicas vazaram para o interior de tanques de cerveja, apesar de a utiliza��o delas n�o ser recomendada pelos fabricantes dos equipamentos.
Atualmente, existem processos na Justi�a envolvendo a cervejaria nos �mbitos civel e criminal. A a��o que prev� indeniza��o para as v�timas ainda est� em primeira inst�ncia. O processo est� em fase de produ��o de provas periciais para depois ser encaminhado para julgamento na 21ª Vara C�vel de BH.
“J� foi feito um acordo com a empresa para que eles arquem custos emergenciais de sa�de, o que tem ocorrido. Estamos em negocia��o para tentar acordos para indeniza��o como um todo. Cada pessoa ser� indenizada de acordo com a extens�o de seu dano. Isso pode variar muito”, ressalta o advogado das v�timas, Guilherme Leroy.
No �mbito criminal, cinco respons�veis t�cnicos foram indiciados por homic�dio culposo, les�o corporal culposa e por agirem com culpa na contamina��o, al�m de um funcion�rio investigado, por falso testemunho, e o chefe da manuten��o, indiciado por omiss�o. Por fim, tr�s gestores da Backer foram processados por atos na p�s-produ��o, sendo eles: Ana Paula Silva Lebbos, Hayan Franco Khalil Lebbos e Munir Franco Khalil Lebbos.
Em novembro de 2020, a 2ª Vara Criminal de Belo Horizonte acolheu, o pedido do Minist�rio P�blico de Minas Gerais (MPMG) e determinou a quebra do sigilo banc�rio e fiscal dos s�cios-propriet�rios. A decis�o previa o cancelamento de passaportes e a ordem para que os envolvidos n�o deixassem o Brasil, al�m da suspens�o de atividades das empresas relacionadas � marca. Por sua vez, em maio do ano passado, a cervejaria anunciou a volta da comercializa��o a cerveja Capit�o Senra, amparada por decis�o judicial. A produ��o era feita na cervejaria Germ�nia, em Vinhedo, no interior de S�o Paulo.
Volta da produ��o
Na semana passada, a empresa havia divulgado nota afirmando que oferecia apoio �s v�timas e que a volta da produ��o seria fator decisivo para ampliar a assist�ncia m�dica e financeira. O comunicado alegou que a companhia manteria total interesse na apura��o de toda e qualquer irregularidade relacionada � produ��o, contribuindo com os �rg�os de controle e fiscaliza��o.
Questionada pelo Estado de Minas, a cervejaria Tr�s Lobos disse que vai zelar pela qualidade e pela seguran�a em seu parque industrial. “Observamos todos os crit�rios legais e t�cnicos para garantir a seguran�a dos produtos, referentes �s condi��es dos tanques de fermenta��o e equipamentos que ser�o utilizados neste retorno. Estamos focados na melhoria cont�nua e na excel�ncia em todos os processos.
J� o Minist�rio da Agricultura, Pecu�ria e Abastecimento disse que o estabelecimento atendeu todas as exig�ncias realizadas pela equipe de auditores fiscais federais agropecu�rios (AFFAs) da pasta. A libera��o foi concedida de forma parcial para duas adegas no parque industrial da empresa. “As linhas de produ��o foram revisadas; houve substitui��o do fluido refrigerante para solu��o hidroalco�lica e revis�o de todo o sistema de controle de qualidade, registros e rastreabilidade da empresa”, informou o Mapa.
“O processo de produ��o de cerveja no parque fabril foi iniciado em novembro de 2021, ap�s aprova��o da estrutura em vistoria executada pela equipe de AFFAs. Os produtos produzidos a partir da aprova��o da vistoria foram informados semanalmente ao Minist�rio da Agricultura que realizou a apreens�o cautelar e coleta de cada lote produzido e dos fluidos refrigerantes. As amostras coletadas, at� a presente data, foram submetidas a an�lises de Monoetilenoglicol (MEG) e Dietilenoglicol (DEG) e os resultados indicaram aus�ncia do contaminante”, continuou a pasta.
Segundo o minist�rio, o mesmo procedimento j� aplicado at� o momento ser� realizado na produ��o nas demais adegas ainda n�o utilizadas. “O estabelecimento passar� por regime especial de inspe��es peri�dicas com coletas de amostras para an�lises fiscais, avalia��o das condi��es higi�nico-sanit�rias, sendo que tais inspe��es obedecem ao cronograma estabelecido e em fun��o de an�lises de risco”, diz a nota enviada ao EM.