
Nesta segunda-feira (18), foi inaugurada a Central de Monitoramento de Preven��o � Viol�ncia Dom�stica e Familiar, em Belo Horizonte, que funcionar� em unidade da Pol�cia Militar destinada a combater este tipo de crime. A a��o levanta a discuss�o sobre o combate ao cen�rio de agress�es �s mulheres, mais uma mazela social agravada durante o per�odo da pandemia.
De acordo com dados disponibilizados pela Secretaria de Estado de Justi�a e Seguran�a P�blica (Sejusp), o n�mero de registros de casos de viol�ncia dom�stica caiu consecutivamente nos anos marcados pela pandemia. Em 2019, foram 151.054 ocorr�ncias, o dado caiu para 145.424 em 2020 e para 144.618 no ano seguinte.
Os n�meros, no entanto, n�o traduzem a realidade vivida pelas mulheres, principais v�timas da viol�ncia dom�stica, segundo autoridades e especialistas no tema. Durante a pandemia, a Delegada Isabella Franca Oliveira, da Delegacia Especializada em Atendimento � Mulher, se manifestou em diversos momentos alertando para os riscos atrelados ao isolamento social, que poderiam aumentar a propens�o a abusos no ambiente familiar e dificultar as den�ncias e registros de ocorr�ncias.
O cen�rio apresentado pela delegada � corroborado pela professora do Departamento de Sociologia e pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Seguran�a P�blica (Crisp) da UFMG, Ludmila Ribeiro.
"O n�mero de casos reportados � definitivamente mascarado pela pandemia. Mais ou menos junho e julho de 2020, a gente fez uma pesquisa para tentar entender a preval�ncia dos casos de viol�ncia dom�stica e constatamos que um percentual �nfimo de tudo que acontece nas resid�ncias chega a ser reportado �s autoridades, estimamos que cerca de 7% dos casos sofridos durante a pandemia chegaram �s autoridades", disse a pesquisadora � reportagem.
Ribeiro explica que o impacto econ�mico da pandemia foi um fator agravante para a diminui��o dos registros de ocorr�ncias, o que j� carrega, por si s�, um componente social relevante. Isso porque, com o empobrecimento geral da popula��o, se deslocar at� uma delegacia para registrar uma agress�o se tornou mais dif�cil, em especial para mulheres mais pobres e financeiramente dependentes, quem mais procura a pol�cia para relatar viol�ncias sofridas.
A professora explica que a viol�ncia dom�stica n�o � uma exclusividade de mulheres negras e pobres, mas isso interfere na forma como as v�timas acessam a Justi�a. Quem tem mais poder aquisitivo consegue buscar puni��es, como medidas protetivas, contra seus agressores diretamente no sistema judici�rio, sem passar pelas pol�cias Militar ou Civil, portanto, ficando fora da conta divulgada pela Sejusp.
Trabalhar na resolu��o dos impactos da pandemia no cen�rio da viol�ncia dom�stica se apresenta, ent�o, como um esfor�o em v�rias camadas. Para Ludmila Ribeiro, al�m de propiciar um espa�o para que as mulheres sejam acolhidas para denunciar os crimes que sofrem, elas precisam ser instru�das sobre como acionar a Justi�a e conseguir medidas protetivas eficientes contra seus agressores.
"Em um primeiro momento, talvez tenha um aumento de registros, porque saiu na m�dia e isso alimenta o debate e a pr�pria consci�ncia das mulheres sobre seus direitos. Por�m, ter a central por si s� n�o resolve o problema, porque se a mulher tem que ir ao local, as barreiras de acesso permanecem", avalia a professora Ludmila Ribeiro sobre a inaugura��o da central especializada em viol�ncia dom�stica.
A presen�a de uma estrutura especializada no atendimento de crimes dom�sticos e a discuss�o do tema na sociedade podem auxiliar no encorajamento das v�timas. Dados da pesquisa de opini�o "Viol�ncia Dom�stica e Familiar Contra a Mulher - 2021", realizada pelo Instituto DataSenado, em parceria com o Observat�rio da Mulher contra a Viol�ncia, apontam que, para 75% das entrevistadas, o medo impede as den�ncias contra os agressores.
'Viol�ncia dom�stica' e a car�ncia de dados
Simultaneamente vago e restritivo, o termo 'viol�ncia dom�stica' abrange os crimes que s�o praticados entre pessoas que dividem o mesmo endere�o. Tratar todos os delitos que acontecem sob essa categoria, no entanto, torna os dados pouco ilustrativos para uma an�lise do problema enquanto um tema crucial para cria��o de pol�ticas de seguran�a p�blica.
"Essa � uma das grandes brigas que tenho, porque a viol�ncia dom�stica pode ser qualquer coisa. Pode ser uma viol�ncia f�sica incapacitante, como foi no caso da Maria da Penha, pode ser uma amea�a, uma viol�ncia psicol�gica. As mulheres que ouvimos nas pesquisas tamb�m reclamam muito desse tipo de classifica��o", explica a professora e pesquisadora da UFMG.
Ribeiro d� o exemplo de casos de estupro ocorridos dentro de rela��es estabelecidas, quando o marido for�a a rela��o com a esposa por entender que ela � sua propriedade e n�o tem direito a n�o consentir com o sexo e de casos de agress�es f�sicas durante uma discuss�o. S�o crimes diferentes, com cen�rios diferentes e que, portanto, demandam pol�ticas de seguran�a distintas para que eles sejam reprimidos e prevenidos.
Outro ponto que deve ser levado em considera��o � a reincid�ncia da agress�o. Segundo a pesquisadora, existem dados que mostram que a chance de morte da v�tima se torna alt�ssima ap�s a 5ª ocorr�ncia. Essa se mostra, portanto, uma classifica��o importante para entender o cen�rio da gravidade da viol�ncia dom�stica para al�m dos n�meros absolutos.
"A popula��o precisa ter acesso a dados bem detalhados, inclusive geograficamente. Voc� tem hoje um instituto como o Promundo, que desenvolve uma s�rie de a��es que s�o relacionadas a tentar desenvolver uma equidade de g�nero, v�o �s escolas e fazem palestras. Se sou a diretora de uma ONG como essa, se eu n�o sei qual � o bairro em que a situa��o est� mais cr�tica, como vou organizar minhas a��es", exemplifica a especialista.
Para a professora e pesquisadora, seria importante que os dados da Sejusp, que disponibiliza apenas os n�meros brutos das ocorr�ncias, fossem mais completos para que a pr�pria popula��o conseguisse ter uma dimens�o mais concreta do impacto da viol�ncia contra a mulher na sociedade.
A Sejusp foi procurada pela reportagem para explicar quais os crit�rios adotados na divulga��o de dados sobre seguran�a p�blica em Minas e disse que apenas disponibiliza informa��es recebidas da Pol�cia Civil. A PC foi procurada pela reportagem, mas ainda n�o respondeu.
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