
Elas s�o atendidas pelo Plant�o Social, que faz parte do Projeto Provid�ncia, em que s�o atendidas crian�as e adolescentes de 02 a 17 anos. Foi feita uma pesquisa mista, ou seja, quantitativa e qualitativa. A quantitativa usou fichas com informa��es das crian�as e adolescentes para tra�ar o perfil delas e de suas fam�lias, com o objetivo de gerar indicadores sociais importantes para a an�lise sobre o fen�meno.
J� a qualitativa foi feita com a equipe social, as fam�lias das crian�as e adolescentes e com a equipe do Plant�o Social do Projeto Provid�ncia e visava obter informa��es para apoiar a compreens�o e o aprofundamento sobre quest�es que permeiam a viol�ncia intrafamiliar em tempos de pandemia, al�m do impacto da mesma sobre a vida das v�timas, dos seus familiares e da sociedade.
Aten��o para as pessoas em situa��o de vulnerabilidade
A professora da PUC Minas e idealizadora da pesquisa, Fernanda Flaviana de Souza Martins, afirma que o objetivo era dar voz e visibilidade para as comunidades que ficaram invis�veis no contexto da pandemia.
"O estudo aponta que em contextos de emerg�ncia, precisamos olhar para as pessoas vulner�veis com mais aten��o. N�o adianta s� disponibilizar cesta b�sica, se essa fam�lia est� em um contexto que tamb�m apresenta dificuldade de locomo��o. � uma quest�o muito complexa."
Segundo Fernanda, a inseguran�a alimentar foi parte da realidade de todas as fam�lias entrevistadas. Esse contexto pode gerar muitas vulnerabilidades.
"A quest�o da fome bateu forte nas fam�lias, desencadeando v�rios fatores como ansiedade, depress�o e dificuldade de acesso � educa��o. Onde n�o tem o que comer, n�o � poss�vel ter tecnologia, nem acesso a educa��o. As crian�as n�o tinham escola, onde faziam as refei��es e n�o tinham os projetos sociais."
Para a professora, a pesquisa mostra a urg�ncia de se pensar no p�blico que est� mais vulner�vel. "A necessidade de pol�ticas de seguran�a alimentar efetivas. Muitas vezes a fam�lia n�o tinha condi��es de buscar o alimento. �s vezes at� tinha o alimento, mas n�o tinha como fazer, porque n�o tinha g�s."
Evas�o escolar e perfil das fam�lias
O levantamento mostrou que a educa��o das crian�as foi prejudicada durante o per�odo da pandemia. "Houve uma evas�o escolar decorrente do contexto de pandemia. A maioria n�o tinha acesso a computador, nem celular. Quando tinha, era em hor�rios fora da aula. Tinha que dividir um celular com a fam�lia toda para ter acesso. N�o � que a m�e foi negligente, a gente n�o pode culpar uma m�e que n�o conseguiu garantir educa��o, porque ela n�o tinha o acesso."
"Al�m da fome e da vulnerabilidade, as crian�as tiveram seu direito violado tamb�m, que � o direito de ser, de se desenvolver em plenitude. Ficaram vulner�veis tamb�m ao tr�fico. H� relatos de muitas fam�lias de que o tr�fico estava presente nesse contexto de pandemia."
Segundo a professora, a maioria das fam�lias � formada por mulheres negras, m�es solo e com m�dia de 3 a 4 filhos.
"Elas contam do seu desespero, falam da tristeza de n�o ter o alimento que � uma necessidade b�sica. As m�es dizem se sentir presas, sem conseguir se mover. Educar os filhos sozinhos foi um desafio muito grande para todas elas."
A pesquisadora ressalta que, a maioria dessas fam�lias s�o v�timas da pobreza extrema, e que se sentiram impotentes neste contexto. "O choro foi presente em praticamente todas as entrevistas. Estavam mergulhadas em uma situa��o cotidiana muito complexa. Muitas falavam que parecia um pesadelo."
"Elas estavam em um contexto de apatia social t�o grande que tamb�m estavam negligenciadas. Elas tamb�m precisavam ser olhadas e cuidadas. Fiquei muito emocionada. S� quem � m�e sabe o que � ter uma fam�lia com fome e n�o ter o que fazer, para onde correr. Elas se apegaram ao que elas tinham, aos filhos, amor, esperan�a."
Fernanda destaca ainda que a fome e a viol�ncia tiveram um impacto na vida dessas fam�lias de forma muito agressiva, e deixou marcas. "Foi uma pris�o dentro das suas pr�prias casas. Isso afeta o psicol�gico das crian�as, adolescentes, das fam�lias."
Muitas mulheres tamb�m relataram terem sofrido viol�ncia dom�stica. "A viol�ncia est� dentro de casa. Mulheres e crian�as ficaram ainda mais vulner�veis na pandemia. Al�m da viol�ncia f�sica e sexual, vem acompanhada a viol�ncia psicol�gica, que muitas vezes, traz uma imobilidade. As consequ�ncias da pandemia nas vilas e favelas foi muito maior. Muitas mulheres relataram que pensaram em tirar a pr�pria vida."
Crescimento da viol�ncia contra crian�as e adolescentes
A pesquisa mostra que dados do Juizado da Inf�ncia e Juventude, do Conselho Municipal dos Direitos da Crian�a e do Adolescente (CMDCA) e do Projeto Polos de Belo Horizonte revelam o crescimento de mais de 30% dos casos de viol�ncia contra a crian�a e o adolescente no per�odo da pandemia.
Den�ncias de viol�ncia contra esses p�blicos atingiram o maior patamar desde 2013, tendo uma rela��o direta com a pandemia, j� que, neste ano o Disque 100 registrou mais de 95 mil den�ncias e em 67% dos casos, elas se referiam a viol�ncia dom�stica contra
crian�as e adolescentes.
Minas Gerais est� entre os estados que mais utilizaram o Disque 100 para denunciar a viol�ncia contra essa popula��o. S�o Paulo registrou 23.870 den�ncias, Minas Gerais 12.040 e Rio de Janeiro 11.470. Estes estados acumulam metade das den�ncias do pa�s.
Grande parte dessas den�ncias se refere a crian�as de 5 a 9 anos de idade, e o principal agressor � o pai ou a m�e (59% dos casos), seguido por padrasto ou madrasta (6%), av� ou av� (3%), e tio (3%).
Realidade do Taquaril
A pesquisa analisou as tr�s unidades atendidas pelo Projeto Provid�ncia: Vila Maria, Taquaril e Fazendinha.
Na unidade Taquaril, o levantamento mostrou que a principal respons�vel pela fam�lia era a m�e, em 83 casas, seguida pela av�, com 9 registros e o pai com 7. J� irm� e tia tiveram 1
ocorr�ncia cada. Os respons�veis t�m, em sua maioria, idade entre 25 a 40 anos.
Sobre a quantidade de pessoas vivendo sob o mesmo teto, a maioria possui em torno de 4 a 6 membros, sendo um total de 65 casos; de 2 a 3 pessoas, s�o 21 casos e entre 7 a 12 pessoas, em torno de 13.
A maioria das m�es est� desempregada (51,5%) e trabalha como diarista, faxineira ou auxiliar de servi�os. A maioria dos pais tamb�m est� desempregada (46%) e ocupam cargos de pedreiro ou ajudante.
Sobre a renda mensal familiar, a maioria ganha at� 1 sal�rio m�nimo e recebe algum benef�cio socioassistencial. Sobre os motivos do atendimento no contexto da pandemia, a fome e inseguran�a alimentar aparece em primeiro lugar com 80 situa��es. A viol�ncia tamb�m � citada como um dos motivos do atendimento.
O que chama aten��o na unidade Taquaril � que todas as fam�lias apresentaram alguma situa��o de vulnerabilidade. Muitas fam�lias apresentam mais de uma situa��o que colocam a mesma em constante risco. A sa�de mental e o tr�fico tamb�m estavam presentes nos relat�rios. Em rela��o � viol�ncia, o destaque � para a viol�ncia sofrida pelas mulheres. Outro fator que chama aten��o � o alto �ndice de desemprego no territ�rio, levando as fam�lias a um contexto de pobreza agravante em situa��o de inseguran�a alimentar.

A fam�lia da auxiliar de servi�os gerais, Eliana Silva, de 40 anos, � uma delas. M�e de dois filhos, Ma�sa de 13 anos e Jo�o Vitor de 10 anos, ela est� desempregada h� quase tr�s anos.
"A gente vai vendo as contas chegarem e nada de dinheiro. Se a gente n�o fizer uns bicos, umas faxinas… � dif�cil", desabafa.
O marido, Pedro Ferreira dos Reis, de 68 anos, � aposentado, mas faz alguns bicos para completar a renda familiar de um sal�rio m�nimo, vinda da aposentadoria. "Hoje as coisas est�o muito caras, um litro de leite custando quase R$ 10. Temos que pagar �gua, luz e economizar para comprar um g�s.” O casal recebe cesta b�sica do projeto, mas vive em situa��o de inseguran�a alimentar. “Se n�o fosse isso, nossa situa��o seria ainda pior. � uma comunidade muito carente. Se n�o fosse o projeto, a situa��o estaria mais dif�cil. Vamos vivendo cada dia, correndo atr�s", diz Eliana.
Ela conta que durante o per�odo mais rigoroso do isolamento foi dif�cil manter as crian�as em casa. "Pessoas pr�ximas perderam a vida por causa da COVID e eu dizia para eles que a gente n�o podia arriscar. Gra�as a Deus ningu�m aqui em casa pegou. Nossas vacinas est�o em dia e a das crian�as tamb�m."
A educa��o dos filhos ficou prejudicada. Segundo Eliana, o filho tem dificuldade de ler e escrever apesar de estar na 4a s�rie. "Eles recebiam apostilas com atividades pedag�gicas, mas n�o � a mesma coisa que em uma sala de aula, com um professor para tirar d�vidas. A pandemia atrasou muito o ensino, agora eles est�o tendo aulas de refor�o na escola."
O sofrimento causado pela pandemia tamb�m trouxe problemas para a sa�de mental da auxiliar de servi�os gerais.
"Eu comecei a ficar ansiosa, sem saber como lidar com a situa��o. Procurei o posto de sa�de em busca de ajuda m�dica, para enfrentar o problema de frente sem me deixar abalar. � muita coisa junta, tem os meninos, as coisas come�am a faltar dentro de casa." Eliana passou a tomar rem�dios para controlar a ansiedade e para dormir.
"Voc� se sente impotente, sem poder fazer nada. Essa pandemia teve um impacto bastante negativo e acho que vai demorar para melhorar porque n�o � s� a COVID. Os nossos governantes, por exemplo, enquanto a gente recebe um sal�rio m�nimo, eles ganham muito, t�m v�rios aux�lios." Ela diz que se sente desamparada pelo poder p�blico. "Eles n�o olham para a comunidade. Infelizmente, a maioria s� pensa no bolso deles."