
Sete segundos. Esse � o tempo que a caseira Ana Maria Gomes, de 56 anos, e seu filho, de 20, t�m para fugir e tentar salvar suas vidas caso soem as sirenes das duas barragens da Ip� Minera��o, que ficam a 180 metros da casa onde dormem, em Igarap�, na Grande BH. Com diabetes e press�o alta, a caseira teme pela sua seguran�a. “Com 7 segundos n�o consigo nem levantar da cama direito. Quanto mais fugir”, pondera. O medo dela � o mesmo de 26.500 pessoas que vivem sob 12 barragens de rejeitos mineiras que est�o em estado de alerta ou de emerg�ncia quanto a sua solidez, mas n�o entregaram ou n�o conseguiram aprovar a Declara��o de Conformidade e Operacionalidade (DCO) do Plano de A��o de Emerg�ncia para Barragens de Minera��o (PAEBM), segundo dados de 10 de agosto da Ag�ncia Nacional de Minera��o (ANM).
Esse documento atesta que os procedimentos de alertas e de evacua��es, entre outros do PAEBM, se encontram funcionais, execut�veis e dentro dos padr�es. Ou seja, como est�o, n�o h� garantia da efic�cia dos sistemas de sirenes, alertas para a defesa civil, acionamento de bombeiros, rotas de fuga e pontos de encontro para esses mineiros que vivem abaixo dos barramentos miner�rios.
A reportagem do Estado de Minas j� mostrou que uma em cada cinco barragens de minera��o em Minas Gerais n�o tem Declara��o de Condi��o Estabilidade (DCE) e que mesmo as consider�veis est�veis, como a Casa de pedra, em Congonhas, passam por interven��es que trazem medo a quem vive abaixo.

Dessas 12 barragens, oito n�o entregaram o DCO, enquanto os planejamentos de quatro estruturas n�o reuniram condi��es para que empresas especializadas atestassem sua efic�cia. Todas se encontram em algum n�vel de alerta ou de emerg�ncia, sendo que seis em n�vel de emerg�ncia 1 (necessitam de obras urgentes) e seis em n�vel de alerta (falta documenta��o ou atestar estabilidade). No total, essas estruturas reservam 33.704.355,33 metros c�bicos (m3) de rejeitos de min�rio de ferro, n�quel, top�zio e ouro, um volume semelhante ao que se desprendeu do rompimento da Barragem do Fund�o, em Mariana (2015), matando 19, e quase quatro vezes a avalanche que deixou a Barragem B1 da Mina C�rrego do feij�o, em Brumadinho (2019), com 270 mortos.
Dos barramentos que n�o atestaram ou entregaram o DCO, quatro s�o estruturas que tiveram suas amplia��es pelo sistema a montante ou m�todo desconhecido, sendo estruturas que legalmente deveriam ter sido descaracterizadas at� este ano. Esse m�todo � o mesmo das barragens de Mariana e de Brumadinho. Tr�s foram constitu�das no sistema de linha de centro e duas a jusante. Tr�s delas s�o do formato etapa �nica e nunca foram ampliadas.
De acordo com dados da ANM, rompimentos dessas estruturas teriam capacidade para grandes trag�dias. Abaixo dos barramentos com 48 metros de altura em m�dia, vivem 26.500 pessoas, sendo 15.900 sob as constru��es que n�o entregaram DCO e 10.600 na mancha das que n�o conseguiram atestar.
Em termos de danos ambientais, segundo a ANM, sete estruturas t�m capacidade para danos significativos, pois s�o “�rea de interesse ambiental relevante ou �reas protegidas em legisla��o”. Em outras duas, da extra��o de ouro desativada e abandonada em Rio Acima e que hoje � controlada pelo estado, o dano � muito significativo e agravado por “armazenar rejeitos ou res�duos s�lidos perigosos”. Outras duas podem desencadear danos muito significativos, uma vez que tamb�m reservam rejeitos poluentes, e uma considerada pouco significativa, por n�o ter sob ela �reas “de interesse ambiental relevante ou �reas protegidas”.
POTENCIAL DE DANO
Os preju�zos s�cioecon�micos tamb�m seriam extensos, segundo a ANM. S�o cinco barragens com potencial de dano alto, por terem “alta concentra��o de instala��es residenciais, agr�colas, industriais ou de infraestrutura de relev�ncia s�cioecon�mico-cultural”, uma tida como m�dia, com “moderada concentra��o”, das mesmas estruturas e seis classificadas como baixas, por poderem afetar “pequena concentra��o” dessas instala��es.

De acordo com a ANM, “a n�o apresenta��o da DCO ou a apresenta��o da DCO n�o atestando que o PAEBM da barragem est� em conformidade com a legisla��o vigente e operacional em sua aplicabilidade em situa��es de emerg�ncia at� o termo final do prazo estabelecido no art. 45, II, ensejar� a aplica��o imediata da san��o de embargo ou de suspens�o de atividade da barragem de minera��o”.
A equipe externa respons�vel pela emiss�o da DCO deve ser “multidisciplinar e a responsabilidade destes documentos deve ser confiada a profissionais legalmente habilitados, com registro no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea), e ser objeto de Anota��o de Responsabilidade T�cnica (ART), com indica��o expl�cita, no campo de atividade t�cnica da ART, da atribui��o profissional para presta��o de servi�os ou execu��o, conforme o caso”.
Danos podem atingir 5 mil pessoas e interditar a BR-381
As duas barragens da Minera��o Morro do Ip� em n�vel de alerta e que n�o tiveram atestados as suas declara��es de Conformidade e Operacionalidade (DCO) reservam um total de 4.713.334 m3 de rejeitos de min�rio de ferro sobre Igarap�, na Grande BH, com danos potenciais em caso de rompimento que podem atingir 5 mil pessoas e at� interromper a BR-381 (Fern�o Dias) e chegar ao Reservat�rio de Serra Azul, manancial respons�vel pelo abastecimento de mais de 800 mil consumidores da Copasa, na Grande BH.
Com apenas 7 segundos estimados para que a Barragem B1-Auxiliar da Mina Tico-Tico percorra os 180 metros entre seu barramento e a casa onde mora a caseira Ana Maria Gomes e seu filho, a senhora diz n�o ter sequer ideia de como proceder em caso de emerg�ncia. "Nesta semana vieram aqui (a mineradora) dizer que a barragem est� seca, que n�o tem risco, mas quando chove � um desespero. Desce muita �gua com rejeito e a gente fica aflita, sem saber se vai levar tudo embora com a gente junto", afirma a caseira.
O discurso de medo � o mesmo nos bairros de Igarap�, abaixo dos barramentos da Ip�, como o Maracan� Industrial, Aparecida e Ouro Preto. Dona de um bar e restaurante, Arilma da Silva Couto, de 60 anos, afirma ter medo de o rejeito descer e n�o confiar apenas na palavra da mineradora sobre a estabilidade das estruturas.
"Sinceramente, nos deixaram em p�nico. Medo pela vida e muito preju�zo. O com�rcio diminuiu, desvalorizaram os terrenos. Depois de Brumadinho (2019), essas barragens acabaram com a gente. Aos s�bados e domingos o bar ficava lotado. Vinham muitos sitiantes para comer, ou trazer cerveja gelada. Hoje, n�o dormem mais, com medo. S� passam o dia e depois v�o embora. Ficamos �s moscas", disse a dona do bar e restaurante.
O aut�nomo Pierre Augusto Lopes Machado, de 23 anos, afirma que sempre pastoreia gado perto das barragens e que as estruturas aparentam estar seguras. "N�o vejo riscos. Como moro no alto, n�o tenho medo, mas quando chove e voc� passa pelas estradas a� pode correr perigo. Acho que se a mineradora n�o garante a seguran�a, tinha de indenizar. � o que muitos querem", sugere. Contudo, ele admite que n�o h� indica��es de rotas de fuga e as poucas que existiam foram vandalizadas e arrancadas.
EST�VEIS
A Minera��o Morro do Ip� informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que todas as barragens do Morro do Ip� est�o desativadas e est�veis. “Todos os requisitos exigidos pela legisla��o s�o seguidos, como declara��o de estabilidade. As estruturas s�o instrumentadas com modernos equipamentos de precis�o e monitoradas por c�meras de alta resolu��o em tempo real, 24 horas por dia. A elabora��o dos projetos executivos para descomissionamento das B1 Ip�, B1-Auxiliar e B2 Tico-Tico est�o em andamento. A empresa est� adotando a��es visando a conformidade operacional do PAEBM, o que consiste na instala��o de placas e de alertas sonoros, em atendimento � legisla��o”, informa a empresa.