
Com base nas informa��es e an�lises de oito especialistas — alguns da academia, outros da iniciativa privada —, a Folha conta o caso de Belo Horizonte, uma cidade planejada, acabou desprezando a �rea de �gua e esgotos.
Belo Horizonte � um caso de desaten��o hist�rica em rela��o ao abastecimento de �gua e, principalmente, � coleta e ao tratamento de esgoto. Sendo uma cidade planejada, as defici�ncias nessas �reas certamente poderiam ter sido evitadas.
Em fevereiro de 1894, come�aram as obras, sob o comando da Comiss�o Construtora da Nova Capital (CCNC). Entre os envolvidos na execu��o do projeto, chamou a aten��o a opini�o dissonante de Saturnino de Brito, que mais tarde se consagraria como o patrono da engenharia sanit�ria brasileira.
"Saturnino discordava da op��o pelo tra�ado de linhas retas, que ignorava os leitos dos rios. Para ele, a cidade deveria ser concebida justamente a partir dos seus rios", lembra Denise Tedeschi, autora do livro "�guas Urbanas - As Formas de Apropria��o das �guas nas Minas".
Prevaleceu, contudo, a concep��o de Aar�o Reis, chefe do CCNC, para quem as ruas deveriam se sobrepor aos cursos d'�gua da regi�o, como o ribeir�o Arrudas e seus afluentes. Esse ponto de vista implicaria retifica��o de leitos num primeiro momento e, ao longo das d�cadas seguintes, a canaliza��o dos rios.
As enchentes que se tornaram parte do cotidiano da capital mineira demonstram que Brito tinha raz�o.
Havia ainda outros entraves nessa fase de constru��o. Algumas tubula��es destinadas ao escoamento do esgoto vinham da Inglaterra e demoravam at� tr�s meses para chegar a Belo Horizonte. Como a meta era erguer a capital em quatro anos, os mineiros assistiram a uma corrida contra o tempo, que teve, entre outras consequ�ncias, a suspens�o de obras em andamento.
Fornecimento de �gua era prioridade
Correria e improviso cobraram seu pre�o. Quando inaugurada, em 1897, a cidade n�o tinha grandes galerias de esgoto, apenas encanamentos menores, de custo mais baixo, segundo Tedeschi.
Nesse per�odo inicial, Belo Horizonte priorizou o fornecimento de �gua ao tratamento de esgoto, como, ali�s, tem sido comum nas decis�es no Brasil ao longo da hist�ria.
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S�o dois os pontos principais que explicam esse caminho, dizem especialistas. Al�m de o custo do abastecimento ser, em geral, mais baixo, as pessoas se sentem mais lesadas quando falta �gua ou quando ela chega � casa com qualidade ruim.
"Quando n�o h� �gua, a fam�lia se sente prejudicada. Sem coleta e tratamento de esgoto, o preju�zo � da coletividade, n�o � da natureza individual", comenta o engenheiro civil Jerson Kelman, doutor em hidrologia e recursos h�dricos.
No entanto, mesmo o abastecimento de �gua ficou aqu�m das expectativas dos moradores da nova capital mineira nesses primeiros anos. Apenas as �reas onde viviam altos funcion�rios p�blicos, como os desembargadores, tinham �gua encanada.
Deu-se, ent�o, o que Tedeschi chama de "segrega��o h�drica". O novo sistema de �guas n�o chegava, por exemplo, aos bairros onde viviam os pedreiros que tinham constru�do Belo Horizonte, ainda dependentes dos chafarizes.
Os rios que ainda n�o tinham sido canalizados viraram lixo urbano, conta a historiadora, criando uma "situa��o terr�vel para uma capital que se prometia salubre". O descaso de pol�ticos e engenheiros com o saneamento resultou em um fardo para Belo Horizonte ao longo do s�culo 20 e ainda nestes anos mais recentes.