
“A gente n�o morava em casa de telha, morava em casa de capim, casa de casca e parede de taipa. Eram todas casas pequenas, e agora estamos em casa de branco. A comida do �ndio era diferente, tamb�m: era fruta de pau, a gente n�o comia arroz e feij�o, n�o. Comia canjica de milho, farinha de milho pisado no pil�o. Quando n�o tinha isso, dava um jeito, comia mel de abelha. Foi tomando amizade com o branco, branco, branco e hoje a gente � quase branco. Estamos dormindo em casa de branco, em cama de branco, embrulhando em coberta de branco. Eu n�o nego, meu companheiro.”
Na �ltima semana, o Senado aprovou o Projeto de Lei 2.903/2023, que prev� a ado��o do marco temporal com mais medidas que colocam em risco os povos ind�genas. O texto, que agora est� na mesa do presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT) aguardando veto ou san��o, prev� que os ind�genas tenham direito apenas �s terras que j� estavam ocupadas no momento da promulga��o da Constitui��o Federal de 1988. Mas n�o para por a�.
“Prova” para ind�genas
Um dos pontos mais controversos do projeto trata da possibilidade de revis�o de �reas j� demarcadas a partir de uma avalia��o de elementos culturais da popula��o residente. Tentar avaliar o qu�o “ind�gena” � um povo � uma iniciativa considerada mais uma viol�ncia infringida a um grupo que sofreu um processo violento e for�ado de miscigena��o. � o que explica o doutor em Hist�ria Pablo Lima, professor da Faculdade de Educa��o da UFMG.
“N�o existe um �nico modo de ser ind�gena. Os mais de 300 povos ind�genas do territ�rio brasileiro constituem uma enorme diversidade cultural, social e hist�rica. Assim, a imagem estereotipada do ind�gena representa o '�ndio que o homem branco quer', n�o os povos ind�genas reais”, afirma o professor. “Os Xakriab� tiveram um forte impacto da coloniza��o, marcada pela catequese e por um esfor�o do Estado em apagar a cultura ind�gena. Tamb�m � um povo que teve contato com brancos e negros, levando � miscigena��o. Mas o que caracteriza o povo Xakriab�, mais do que a apar�ncia, � sua liga��o com o territ�rio ancestral e sua conex�o cultural comunit�ria de resist�ncia”, completa.
A quest�o levantada pelo professor faz parte de uma das mais recorrentes discuss�es sobre o tema: a que busca estabelecer crit�rios para a determina��o de povos como ind�genas. “Essencialmente aquela parcela da popula��o brasileira de inadapta��o � sociedade brasileira, em suas diversas variantes, a vinculam a uma tradi��o pr�-colombiana. Ou, ainda, mais amplamente: �ndio � todo indiv�duo reconhecido como membro por uma comunidade de origem pr�-colombiana que se identifica como etnicamente diversa da nacional e � considerada ind�gena pela popula��o brasileira com que est� em contato”, define Darcy Ribeiro, norte-mineiro de Montes Claros, em sua obra “Os �ndios e a civiliza��o”.
O antrop�logo, historiador e soci�logo brasileiro � um dos pesquisadores que se debru�aram sobre uma quest�o que aflige particularmente os Xakriab�. Um relat�rio chegou a ser elaborado pela Funda��o Nacional dos Povos Ind�genas (Funai) em 1978, afirmando que entre o grupo do Norte de Minas n�o havia “nenhuma caracter�stica pr�-colombiana” e que se tratavam de “caboclos”, conforme aponta a pesquisadora e doutora em Hist�ria Juliana Fernandes, em obra que estuda a vida dos Xakriab� sob a ditadura militar.
Na p�gina seguinte, leia entrevista com o ceramista Nei Leite Xakriab�, artista e mestre pelo Programa de P�s-gradua��o em Artes da Escola de Belas Artes da UFMG, que fala sobre a identidade cultural da etnia e sua import�ncia para a luta pelos direitos ind�genas.