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Estado de Minas Xakriab�: a sede de um povo

Amea�a de dupla viola��o

Etnia violentada ao longo de s�culos, expulsa de suas terras e for�ada a se adaptar � cultura do colonizador agora pode ser punida


04/10/2023 04:00 - atualizado 04/10/2023 05:40
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Emílio Oliveira, que sempre viveu na Terra Indígena e luta por direitos, se queixa do aculturamento que influi da moradia à alimentação
Em�lio Oliveira, que sempre viveu na Terra Ind�gena e luta por direitos, se queixa do aculturamento que influi da moradia � alimenta��o (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D. a press)
“A gente n�o morava em casa de telha, morava em casa de capim, casa de casca e parede de taipa. Eram todas casas pequenas, e agora estamos em casa de branco. A comida do �ndio era diferente, tamb�m: era fruta de pau, a gente n�o comia arroz e feij�o, n�o. Comia canjica de milho, farinha de milho pisado no pil�o. Quando n�o tinha isso, dava um jeito, comia mel de abelha. Foi tomando amizade com o branco, branco, branco e hoje a gente � quase branco. Estamos dormindo em casa de branco, em cama de branco, embrulhando em coberta de branco. Eu n�o nego, meu companheiro.”

O relato � de Em�lio Oliveira, de 70 anos, todos vividos onde hoje � a Terra Ind�gena Xakriab�, em S�o Jo�o das Miss�es, Norte de Minas. O terreno foi demarcado em 1987, resultado de uma luta encampada por ele durante d�cadas ao lado das lideran�as da regi�o. Em�lio recebeu a reportagem do Estado de Minas em sua casa, onde relembrou as longas jornadas at� capitais como o Rio de Janeiro, S�o Paulo e Bras�lia, em busca dos direitos dos ind�genas, nos anos 1970 e 1980. Hoje, j� mais velho, ele reclama do aculturamento for�ado de seu povo e v� tomar forma uma nova escalada contra a cultura dos povos origin�rios.

Na �ltima semana, o Senado aprovou o Projeto de Lei 2.903/2023, que prev� a ado��o do marco temporal com mais medidas que colocam em risco os povos ind�genas. O texto, que agora est� na mesa do presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT) aguardando veto ou san��o, prev� que os ind�genas tenham direito apenas �s terras que j� estavam ocupadas no momento da promulga��o da Constitui��o Federal de 1988. Mas n�o para por a�.

“Prova” para ind�genas

Um dos pontos mais controversos do projeto trata da possibilidade de revis�o de �reas j� demarcadas a partir de uma avalia��o de elementos culturais da popula��o residente. Tentar avaliar o qu�o “ind�gena” � um povo � uma iniciativa considerada mais uma viol�ncia infringida a um grupo que sofreu um processo violento e for�ado de miscigena��o. � o que explica o doutor em Hist�ria Pablo Lima, professor da Faculdade de Educa��o da UFMG.

“N�o existe um �nico modo de ser ind�gena. Os mais de 300 povos ind�genas do territ�rio brasileiro constituem uma enorme diversidade cultural, social e hist�rica. Assim, a imagem estereotipada do ind�gena representa o '�ndio que o homem branco quer', n�o os povos ind�genas reais”, afirma o professor. “Os Xakriab� tiveram um forte impacto da coloniza��o, marcada pela catequese e por um esfor�o do Estado em apagar a cultura ind�gena. Tamb�m � um povo que teve contato com brancos e negros, levando � miscigena��o. Mas o que caracteriza o povo Xakriab�, mais do que a apar�ncia, � sua liga��o com o territ�rio ancestral e sua conex�o cultural comunit�ria de resist�ncia”, completa.

A quest�o levantada pelo professor faz parte de uma das mais recorrentes discuss�es sobre o tema: a que busca estabelecer crit�rios para a determina��o de povos como ind�genas. “Essencialmente aquela parcela da popula��o brasileira de inadapta��o � sociedade brasileira, em suas diversas variantes, a vinculam a uma tradi��o pr�-colombiana. Ou, ainda, mais amplamente: �ndio � todo indiv�duo reconhecido como membro por uma comunidade de origem pr�-colombiana que se identifica como etnicamente diversa da nacional e � considerada ind�gena pela popula��o brasileira com que est� em contato”, define Darcy Ribeiro, norte-mineiro de Montes Claros, em sua obra “Os �ndios e a civiliza��o”.

O antrop�logo, historiador e soci�logo brasileiro � um dos pesquisadores que se debru�aram sobre uma quest�o que aflige particularmente os Xakriab�. Um relat�rio chegou a ser elaborado pela Funda��o Nacional dos Povos Ind�genas (Funai) em 1978, afirmando que entre o grupo do Norte de Minas n�o havia “nenhuma caracter�stica pr�-colombiana” e que se tratavam de “caboclos”, conforme aponta a pesquisadora e doutora em Hist�ria Juliana Fernandes, em obra que estuda a vida dos Xakriab� sob a ditadura militar.

Na p�gina seguinte, leia entrevista com o ceramista Nei Leite Xakriab�, artista e mestre pelo Programa de P�s-gradua��o em Artes da Escola de Belas Artes da UFMG, que fala sobre a identidade cultural da etnia e sua import�ncia para a luta pelos direitos ind�genas.

Reportagem especial

A s�rie “Xakriab�: a sede de um povo” chega hoje ao seu quarto dia. Nas edi��es anteriores, dispon�veis para leitura em em.com.br, o Estado de Minas revelou a realidade dessa comunidade, suas origens e o hist�rico de viola��es desde os primeiros contatos com o colonizador at� a fixa��o na terra atualmente demarcada. Mostrou ainda a manifesta��o dos xakriab�s contra o marco temporal e a preocupa��o com os ritos em Bras�lia que podem limitar seus direitos, al�m da luta contra a seca de uma etnia expulsa da abund�ncia �s margens do Rio S�o Francisco e que hoje depende de �gua racionada e de baixa qualidade, extra�da de po�os e transportada em caminh�es-pipa.


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