Ser a cidade “mais ind�gena” da industrializada Regi�o Sudeste n�o representa apenas um t�tulo curioso para S�o Jo�o das Miss�es, no Norte de Minas, onde quase 80% dos habitantes se identificam como integrantes dos povos origin�rios do Brasil. A ampla maioria de moradores de origem xakriab� se reflete em uma interse��o entre as estruturas tradicionais de organiza��o do poder na etnia e a pol�tica institucional n�o-ind�gena, o que fica evidente nas elei��es municipais. A �ltima reportagem da s�rie “Xakriab�: a sede de um povo”, mostra a disputa pol�tica missionense, na qual tamb�m h� divis�o ideol�gica.
S�o Jo�o das Miss�es se emancipou em 1995, desmembrando-se de Itacarambi e alcan�ando o status de munic�pio. Foi necess�ria quase uma d�cada para que um xakriab� chegasse � prefeitura, conquista obtida nas elei��es municipais de 2004. O pleito levou o professor Jos� Nunes (PT) � chefia do Executivo e iniciou uma sequ�ncia ainda ininterrupta de prefeitos ind�genas na cidade.
Nunes foi reeleito em 2008 e, no pleito seguinte, em que n�o poderia concorrer pela terceira vez, emplacou a vitoriosa candidatura do aliado Marcelo Pereira (PT). Em 2016, o primeiro prefeito ind�gena de S�o Jo�o das Miss�es voltou ao cargo. As �ltimas elei��es n�o interromperam a sequ�ncia xakriab� no comando do munic�pio, mas levaram ao poder Jair Cavalcante (Republicanos), que n�o faz parte do grupo pol�tico que ocupou o Executivo Municipal nos 16 anos anteriores.
O arquiteto e urbanista Roberto Lu�s Monte-M�r, professor da Faculdade de Ci�ncias Econ�micas da UFMG, explica que a organiza��o pol�tica dos Xakriab� passou por tr�s fases at� o cen�rio atual, que conta com uma disputa interna na Terra Ind�gena Xakriab� pela Prefeitura de S�o Jo�o das Miss�es.
“Eu diria que h� tr�s n�veis de organiza��o sociopol�tica entre os Xakriab�. O n�vel tradicional, que s�o as lideran�as por aldeias, pessoas hoje mais velhas, em sua maioria analfabetas. Espertos, mas n�o letrados, que exercem uma influ�ncia que funciona bem internamente. A partir dos anos 2000, come�aram a surgir as associa��es por conjuntos de aldeias, lideradas por jovens professores formados na UFMG, que negociam com as lideran�as locais e com funda��es e �rg�os governamentais. Fazem esse elo e conseguiram recursos p�blicos e se relacionar com o poder.”
Monte-M�r, que tamb�m integra o Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), afirma que o terceiro n�vel de organiza��o � o que chegou � prefeitura em 2004, tornando a organiza��o dos Xakriab� mais complexa . Tamb�m chegou a levar uma representante ao Congresso Nacional.
“A partir de 2004, Jos� Nunes e o grupo dele, formado por jovens professores, criaram o diret�rio do PT, concorreram � prefeitura e ganharam. � um terceiro grupo de decis�o, inclusive mais bem remunerado. H� uma certa divis�o atualmente, que j� se esbo�ava l� atr�s, mas se consolidou quando Jair (Cavalcante, atual prefeito) foi eleito. Isso porque a turma do cacique, do Jos� Nunes, era toda ligada ao PT, inclusive a (hoje deputada federal pelo PSOL) C�lia Xakriab�”, afirma.
Mais camadas de debate
A forma como os Xakriab� se organizaram para combinar as estruturas tradicionais de poder com a pol�tica institucional tamb�m envolve uma interse��o com as inst�ncias que atuam dentro da Terra Ind�gena Xakriab�, terreno demarcado e protegido dentro de S�o Jo�o das Miss�es. A �rea em quest�o re�ne a��es de atribui��o do munic�pio, do estado e do governo federal. A destina��o de recursos e aplica��o no munic�pio � motivo de embate entre a atual prefeitura e lideran�as das aldeias, afirmam fontes locais.
O prefeito Jair Cavalcante sustenta que a atual gest�o tenta um conv�vio pac�fico com diferentes atores pol�ticos, mesmo que de partidos de espectros ideol�gicos opostos ao seu Republicanos. � o caso de C�lia Xakriab� (PSOL), natural da regi�o e primeira deputada federal ind�gena eleita por Minas Gerais. “Neste ano, ela ainda n�o tem emenda parlamentar, mas espero que, a partir do ano que vem, como deputada da regi�o, tenha esse olhar independente do posicionamento pol�tico em rela��o � minha pessoa.”
Reportagem especial
A s�rie “Xakriab�: a sede de um povo”, que termina hoje, mostrou nas edi��es anteriores, dispon�veis para leitura em em.com.br, a realidade dessa comunidade, suas origens e o hist�rico de viola��es que sofreu desde os primeiros contatos com o colonizador at� a fixa��o na terra atualmente demarcada. Retratou tamb�m manifesta��es contra o marco temporal, al�m da luta contra a seca de uma gente expulsa das margens do Rio S�o Francisco e que hoje depende de �gua racionada e de baixa qualidade. Revelou ainda como o ensino de pr�ticas tradicionais procura manter viva a cultura e a luta centen�ria da etnia no Norte de Minas.