Assis – Assis est� em festa por Francisco. A terra do santo que inspirou o nome do novo papa tornou-se ainda mais m�stica para os cat�licos quando o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio decidiu como passaria a ser chamado. Moradores torcem para que a cidade seja uma das primeiras a serem visitadas pelo pont�fice. Em ruelas e templos cheios de significado no alto de uma colina na regi�o da Umbria, 200 quil�metros ao norte de Roma, a vida do morador mais famoso de Assis ainda emociona. O jovem rico que abdicou da nobreza para viver com os pobres revolucionou a Igreja no in�cio do s�culo 13. Hoje, serve de exemplo para o chefe da institui��o em tempos de dificuldade.
“Francisco: era disso que a Igreja estava precisando”, vibra o frei Evil�sio de Andrade, rec�m-chegado ao Sacro Convento de Assis, depois quase 10 anos de trabalho pastoral em Bras�lia. Ele � o �nico brasileiro entre os quase 70 franciscanos que vivem no local e comemoraram a escolha do nome do papa na noite da �ltima quarta-feira. Quando o papa Francisco foi apresentado ao mundo, os sinos da bas�lica que leva o nome do “pobrezinho de Assis” badalaram com for�a, e champanhes foram estouradas. “Desde ent�o, a cidade encheu, parece at� que o inverno virou ver�o”, diz Andrade, enquanto caminha em uma �rea reservada do convento, sob arcos g�ticos constru�dos no s�culo 17. Como tantas outras ordens religiosas, a franciscana viu definhar o n�mero de voca��es nos �ltimos anos. O ineditismo de um papa com o nome do fundador renova a esperan�a em novos chamados. “Estamos nos sentindo honrados com a escolha e, ao mesmo tempo, correspons�veis com a miss�o do papa”, comenta o frei brasileiro.
Santa rebeldia
Na entrada da cidade, dentro da Bas�lica de Nossa Senhora dos Anjos, est� a Porci�ncula, uma igrejinha de pedras que Francisco de Assis teria ajudado a erguer depois de ouvir dos c�us a ordem de “reconstruir a Igreja”. N�o se tratava, por�m, da estrutura f�sica. Ao entender isso, o jovem esnobou a riqueza do pai, desafiou o bispo e provocou mudan�as profundas nas bases cat�licas da �poca. Conta a hist�ria que Francisco, certa vez, convidou os amigos para “pregar o evangelho”. Deram uma volta na pra�a e, sem dar uma palavra, voltaram para o convento, onde o santo ensinou que o jeito simples de ser basta para passar uma mensagem. Francisco, o papa, abra�ou desafio semelhante.
Gr�vida de quatro meses, a advogada mineira Grace Kely Lima, de 33 anos, chorou ao receber a b�n��o de um frade, na sa�da do templo. “A Igreja tem de retornar � sua ess�ncia, �s coisas simples”, desejava ela, cat�lica praticante. “Este papa vai trazer de volta um caminho de humildade”, dizia o m�dico peruano Roger Palma, de 32, que tamb�m viajou � cidade para conhecer os caminhos de Francisco.
Santo turismo
Nascido e criado em Assis, o dono de restaurante Antonio Cianetti, de 53, espera o mesmo que os turistas. “� um belo momento para resgatar os valores mais importantes da Igreja”, comentou, na expectativa de receber mais clientes depois a confirma��o de que o papa, de fato, se inspirou no santo conterr�neo para decidir o nome. Nos �ltimos dias, o taxista Mario Terenze, de 46, transportou mais passageiros que o normal. “Depois do papa Francisco, muita gente que estava em Roma aproveitou para conhecer logo Assis”, conta. Terenze � outro que cr� em turismo mais aquecido nas pr�ximas semanas, mesmo em baixa temporada e com os term�metros marcando temperaturas negativas.
O papa Francisco e os desafios do conc�lio
Rodrigo Coppe Caldeira*
Rezar em latim e de costas para os fi�is � um dos elementos lembrados por alguns como o sinal de uma Igreja antiquada e descompassada com o tempo presente. Forma ritual advinda da reforma de Trento (s�culo 16) e “ultrapassada” pelas determina��es do Conc�lio Vaticano II (1962-1965), mas retomada por Bento XVI, este � apenas um dos aspectos da recep��o conciliar que o pr�ximo papa enfrentar�. O complicado e contradit�rio processo de recep��o – brindado pela ren�ncia de um papa na comemora��o dos 50 anos do evento –, � o maior dos desafios internos do papa Francisco.
Intricada e cheia de nuan�as, a quest�o da recep��o conciliar marcou o papado de Jo�o Paulo II e, especialmente, de Bento XVI. Cresceram e aprofundaram-se os debates em torno de seus significados. A busca de uma interpreta��o adequada dos documentos promulgados torna-se o centro de in�meras controv�rsias. H� uma verdadeira luta entre aqueles que se acreditam herdeiros e int�rpretes leg�timos do conc�lio. A escolha da maioria dos padres conciliares apontou para o desejo de ultrapassar a simples condena��o dos valores modernos. Atitude recorrente do Magist�rio Eclesi�stico da Igreja do s�culo 19 at� a metade do 20.
A cren�a que atravessava a gera��o entusi�stica do conc�lio era de que a Igreja faria as pazes de uma vez por todas com a modernidade. N�o foi o que se viu. Sair da pura negatividade para a pura positividade parece n�o ter surtido o efeito desejado. Por isso tantos desiludidos. A desilus�o, logo ap�s alguns anos da conclus�o do conc�lio, marcou uma inteira gera��o que acreditava que a Igreja resolveria suas pendengas com a modernidade. Por isso tamb�m, as in�meras avalia��es negativas, advindas do orbe progressista, dos pontificados de Jo�o Paulo II e Bento XVI. Ambos considerados como “restauradores” da ordem eclesial anterior ao conc�lio. S� poderiam ver nesses pontificados o signo da “restaura��o”, j� que n�o respondiam da forma como acreditavam que deveriam: aceita��o dos valores modernos, n�o mais negatividade e contradi��es.
Otimistas em rela��o ao futuro, esperavam uma mudan�a profunda da Igreja Cat�lica em dire��o positiva � modernidade. Viram-se frustrados em suas esperan�as. Desiludidos, conclamam incessantemente a um nebuoloso “esp�rito do conc�lio” para levar a cabo “projetos de Igreja” n�o previstos nos pr�prios documentos. � preciso ir al�m da letra, afirmam. Outros, firmam-se na letra e compreendem que a crise que assinala a recep��o relaciona-se com uma interpreta��o equivocada do conc�lio. Bem ao estilo de Joseph Ratzinger.
As perguntas que se levantam agora � como o papa Francisco conduzir� a quest�o. A elei��o de Bergoglio para o s�lio papal certamente � mais um sinal dos tempos. Hist�rica por alguns motivos: levar pela primeira vez, depois de quase 1,3 mil anos, um homem n�o europeu ao trono de Pedro; por ocorrer depois da primeira ren�ncia de um papa na �poca moderna; pela escolha do nome Francisco, assinalado por carga simb�lica que sugere renova��o, simplicidade, humildade e doa��o. A luta pelo conc�lio continua e avan�a no rec�m-inaugurado papado de Francisco.
Como diz o historiador Georges Duby, “os acontecimentos s�o como a espuma da hist�ria, bolhas que, grandes ou pequenas, irrompem na superf�cie e, ao estourar, provocam ondas que se propagam a maior ou menor dist�ncia”. As ondas do Vaticano II ainda se propagam e chegam at� Francisco. O futuro dir� o que foram capazes de realizar no novo papado: marolinhas insignificantes, ondas medianas ou verdadeiros tsunamis.
* Historiador e professor do Departamento de Ci�ncias da Religi�o da PUC Minas