
Comumente associados ao prazer, � divers�o e ao descanso, os navios de cruzeiro se tornaram cen�rios de terror, ao menos para muitos tripulantes neles retidos ao redor do mundo, incluindo brasileiros. N�o s�o poucas as reclama��es de falta de informa��es e, principalmente, de quem v� o desespero aumentar a cada dia que passa sem poder retornar ao pa�s de origem ou mesmo pisar em terra firme devido �s restri��es impostas pela pandemia da COVID-19.
H� pelo menos quatro casos de suic�dio de funcion�rios de companhias mar�timas registrados. Um dos �ltimos foi de uma ucraniana de 39 anos, que pulou do 15º andar de um navio ancorado na Holanda, depois de ter o voo que a repatriaria adiado pela segunda vez. Desde 13 de mar�o, os cruzeiros foram cancelados e quase a totalidade de passageiros foi desembarcada. Mas os tripulantes n�o, chegando a 100 mil pessoas, segundo alguns sites especializados.
Gente como a chef de cozinha Lu�za Luchessi, de Belo Horizonte, que est� em um navio fundeado pr�ximo � Fl�rida, nos EUA. “Eu n�o coloco os p�s em terra firme desde 1º de mar�o, 80 dias sem sair do navio, a n�o ser para pegar uma balsa para outro navio. O que o Centro de Controle e Preven��o de Doen�as (CDC, na sigla em ingl�s) e o governo americano t�m feito com os tripulantes de cruzeiro � cruel e sem justificativa. Estamos h� mais de um m�s completamente assintom�ticos, n�o representamos risco para ningu�m. N�o queremos ficar nos EUA, n�o queremos circular no pa�s, s� queremos entrar em um avi�o e ir embora. Saindo do navio n�s corremos mais risco do que oferecemos, a chance de algu�m estar com corona aqui dentro � praticamente zero, mas ningu�m quer saber, ningu�m se importa”, afirma, por meio de carta divulgada pela m�e, Patr�cia.
Em uma rede social, Lu�za postou foto em uma das varandas do navio, com o mar ao fundo. Mas a imagem n�o tem nada de bonita. “Quem v� essa carinha serena n�o imagina que o pensamento recorrente � pular desse navio”, escreveu.

"Quem v� essa carinha serena n�o imagina que o pensamento recorrente � pular desse navio"
Lu�za Luchessi, chef de cozinha
Relatos como dela s�o comuns entre outros tripulantes brasileiros. Mas a maioria prefere n�o se identificar, temendo repres�lias. “Os suic�dios mexeram muito com todos n�s. O n�mero j� � alto (em navios de cruzeiro), agora, ent�o, ainda mais. A vida a bordo n�o � f�cil. Quando veio o primeiro, a gente j� ficou preocupado. Dois dias depois ficamos sabendo de outro. Pouco depois, o terceiro. E a� veio greve de fome na Royal Caribeann. E ningu�m noticiou. A�, veio a quarta pessoa a tirar a pr�pria vida. Foi quando o mundo parou para n�s, pois, era m�e de fam�lia. E j� ficamos sabendo de outros”, afirma um mineiro que est� em navio em �guas das Filipinas. “Tem dia em que voc� respira fundo e vai para o chuveiro para misturar �gua e l�grimas”.
Protestos
Na sexta-feira passada, membros da tripula��o de um navio fizeram protesto contra o fracasso de uma das maiores corpora��es do setor em repatriar os funcion�rios. Em um dos cartazes se lia: “Quantos suic�dios mais ser�o necess�rios?” No caso de quem est� nos EUA, � preciso que as companhias mar�timas aceitem cumprir as medidas impostas pelo CDC. Entre elas est�o o transporte dos funcion�rios por meios n�o comerciais e a garantia de que eles v�o permanecer em casa por 14 dias seguidos, o que � considerado invi�vel pelas empresas.
Enquanto n�o h� uma solu��o, a vida de cidad�os brasileiros se torna cada dia mais dif�cil. “Chega uma hora que n�o d�. Est� todo mundo fazendo vista grossa. O �ndice de contamina��o � de 0,07 por tripulante mar�timo. Ent�o, por que n�o podemos descer? S�o 100 navios s� na costa norte-americana”, diz um tripulante, destacando que vem recebendo cuidados da empresa na qual trabalha, como alimenta��o e assist�ncia m�dica, al�m de ter acesso � internet. Nem mesmo no caso de quem tem cidadania americana a situa��o est� melhor. Caso de um m�sico nascido no Brasil e que atualmente espera um acordo para poder desembarcar do navio que est� desde o in�cio de mar�o tamb�m ancorado na ba�a de Manila.
Procurado pela reportagem, o Minist�rio das Rela��es Exteriores disse que est� se esfor�ando para ajudar os brasileiros a voltarem ao pa�s. “As representa��es brasileiras no exterior t�m acompanhado os casos de cruzeiros com brasileiros retidos e feito gest�es com as autoridades locais e, mais especificamente, junto �s empresas de cruzeiros para que cumpram suas obriga��es legais quanto ao repatriamento de funcion�rios e tripulantes. V�rias empresas j� est�o se organizando para levar os navios at� portos brasileiros e l� desembarcar os tripulantes de nossa nacionalidade”, afirmou, por e-mail, o departamento de Comunica��o Social do Itamaraty, que recomenda aos brasileiros que entrem em contato com o Grupo de Crises por meio de telefone ou com a embaixada ou consulado mais pr�ximos. Procurados por e-mail pela reportagem, duas das maiores companhias mar�timas que t�m funcion�rios brasileiros n�o retornaram at� o fechamento desta edi��o.