
� na chamada Calle Ocho, entre pequenas f�bricas de charutos, bandeiras norte-americanas, menus de daiquiri e ropa vieja (misto de carne desfiada com legumes cozidos) e monumentos anticomunistas, que os EUA e Cuba se misturam.
A rua corta o bairro de Little Havana, principal centro pol�tico e cultural da comunidade cubana de Miami - um lugar ainda mais efervescente e intrigante a menos de 10 dias das elei��es presidenciais dos EUA.
Se os cubano-americanos respondem por s� 0,7% da popula��o total dos EUA, na grande Miami eles s�o maioria: 36,3% dos moradores, enquanto outros latinos representam 31,8% e n�o-hisp�nicos s�o 31,9%.Quem quiser ganhar na Fl�rida, portanto, precisa do apoio dos cubanos de Miami.
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E a julgar pelas visitas oficiais � regi�o s� no m�s de outubro - Joe Biden, Donald Trump, Barack Obama e Ivanka Trump (a filha do presidente chega em Miami na ter�a-feira, 27) -, os concorrentes � Casa Branca sabem bem disso.
Mas se equivoca quem espera que os cubanos e seus descendentes formem um n�cleo socialista em uma das capitais mundiais do consumismo.
Alberto, um senhor que "vive nos EUA desde antes de voc� e sua m�e nascerem" e n�o sabe falar "nem obrigado" em ingl�s, se irrita ao ouvir que "vai para Cuba" virou em uma resposta frequente no Brasil quando o objetivo � classificar o interlocutor como esquerdista.
"Pois ent�o os brasileiros n�o conhecem os cubanos, porque n�s somos conservadores e de direita", diz, soprando a fuma�a grossa de um charuto quase terminado sobre o rep�rter.
Ele vira as costas, faz nova meia volta, e completa, sem dar margem para resposta: "Comunistas s�o os democratas."
A rea��o do veterano reflete a vis�o da maioria da comunidade cubana de Miami, um grupo que se distancia em muitos aspectos dos demais latinos da Fl�rida.
A come�ar pela simpatia pelo atual presidente.
Cubanos capitalistas
Se depender dos cubanos da grande Miami, Trump ser� reeleito nas elei��es de 3 de novembro. � o indica a �ltima edi��o de uma pesquisa anual feita h� 29 anos pela Universidade Internacional da Fl�rida (FIU) sobre o perfil pol�tico dos cubanos da cidade: enquanto 59% dos cubano-americanos planejam votar em Trump, segundo o levantamento, s� 25% disseram que votariam em Biden.
Divulgado no in�cio de outubro, o estudo mostrou que a maioria dos cubano-americanos da regi�o elogia Donald Trump e a maneira como ele lidou com em temas como o coronav�rus (65% de apoio), imigra��o (64%), rela��es raciais (55%) e economia (80%).

Fora economia - um dos pontos fracos da campanha democrata, segundo pesquisas - todos os itens t�m sido descritos como alvo de desconfian�a do eleitorado na campanha de Trump � reelei��o.
"Trump recebe notas altas pela maneira como lida com todas as quest�es nacionais medidas, incluindo sua pol�tica sobre Cuba, e ter� maioria dos votos cubano-americanos no dia da elei��o", aponta o soci�logo cubano Guillermo Grenier, l�der da pesquisa h� quase 30 anos e chefe do Departamento de Estudos Globais e Socioculturais da FIU.
Para analistas, a simpatia de cubano-americanos por pol�ticos republicanos espelha uma repuls�o crescente � pol�tica inaugurada pela fam�lia Castro na ilha.
Um dos pontos mais comentados do levantamento deste ano revela um conservadorismo em ascens�o entre os rec�m-chegados a Miami: 76% dos eleitores que entraram no pa�s entre 2010-2015 est�o registrados como republicanos, segundo dados oficiais de registro eleitoral na Fl�rida (a m�dia incluindo os demais cubanos registrados � de 53% de republicanos).
Mesmo enfrentando obst�culos para enviar dinheiro ou visitar as fam�lias em Cuba, 60% dos mais de mil cubanos entrevistados pelo estudo apoiam a continuidade do embargo dos EUA contra a ilha.

Menos de um ano depois de o ent�o presidente Obama dizer que "enterraria a Guerra Fria", ao selar uma reaproxima��o com Cuba em visita oficial a Raul Castro, em 2016, Trump escolheu justamente Little Havana para anunciar novas restri��es.
"Com efeito imediato, estou cancelando o acordo totalmente unilateral do �ltimo governo com Cuba", disse o republicano na �poca.
Em discurso de 35 minutos, ele oficializou o corte de vistos para viagens de americanos � ilha, restri��es no envio de dinheiro para parentes cubanos e a proibi��o de neg�cios com empresas controladas por entidades militares ou servi�os de seguran�a cubanos.
Ponto de chegada dos primeiros a cruzarem os quase 350 km que separam Havana e Miami ap�s a revolu��o socialista, em 1959, a comunidade de Little Havana aplaudiu Trump efusivamente, enquanto um pequeno grupo protestava do lado de fora do audit�rio.
Tr�s anos depois, o professor Grenier v� um crescimento no apoio a uma pol�tica linha-dura contra Cuba entre os nativos e descendentes que vivem na Fl�rida.

"A narrativa pol�tica (de Obama) encorajando o engajamento com Cuba foi substitu�da por um discurso de isolamento (por Trump). Os cubanos s�o mais sens�veis a esse discurso do que outros grupos", diz.
'Debilidade'
Diferente de outros pontos de Miami - onde bandeiras da chapa Joe Biden e Kamala Harris flamulam em casas e carros - Trump parece um consenso em Little Havana.
"Biden passa uma imagem de debilidade", diz � reportagem uma jovem cubana que trabalha h� dois anos como gar�onete em um bar da Calle Ocho.
"O pa�s precisa de um homem forte como Trump", ela completa, sem querer falar mais sobre pol�tica. Como a maioria dos entrevistados na regi�o, ela reagiu com desconfian�a � presen�a da reportagem e n�o quis ser fotografada.
Al�m do desconforto em rela��o � imprensa, a fala da jovem tamb�m reproduz discursos do atual presidente, que desde o in�cio da disputa aposta em refer�ncias � idade do oponente (Biden tem 77 anos, Trump 74) e o chama de "sonolento".

Em entrevista em julho ao canal de TV Fox, Trump chegou a dizer que Biden era "mentalmente baleado" e "n�o consegue juntar duas frases".
Frases similares aparecem em an�ncios patrocinados por republicanos em redes sociais para moradores dos arredores de Miami. Nenhuma das alega��es tem confirma��o ou amparo em fontes oficiais.
O discurso republicano � repetido nas cal�adas e com�rcios de Little Havana. Mas este apoio n�o se reflete nas demais comunidades hisp�nicas, segundo o registro eleitoral na Fl�rida.
Em todo o Estado, apenas 13,1% dos eleitores hisp�nicos se declaram republicanos, enquanto 44,2% dizem ser democratas.
Em escala nacional, segundo um estudo do instituto Pew Research, aproximadamente dois a cada tr�s eleitores latinos mostra apoio � candidatura de Biden.
Os �ndices de confiran�a do democrata entre os latinos, segundo o levantamento, s�o mais altos que no restante da popula��o dos EUA.
Obama: 'Biden n�o � socialista'
De cal�a vermelha, cor do partido Republicano, e camisa branca com estampa de bandeira dos EUA, a aposentada Luz Barrenechea, de 86 anos, se apoia no ombro da filha na fila de uma se��o de vota��o antecipada em um bairro chique vizinho a Little Havana.
Em 1968, nove anos depois de Ernesto Che Guevara e Fidel Castro instaurarem um governo socialista em sua terra natal, Barrenechea chegou em Miami para nunca mais voltar para casa.
"Trouxe minha filha Marilu para votar comigo e libertar a Am�rica do comunismo", diz a aposentada.
"Sou republicana e se o partido quer Trump, eu voto Trump. Voc�s n�o viveram o que eu vivi. Eu conhe�o as mentiras do comunismo e n�o vou deixar isso acontecer aqui."
Ela continua, sempre em espanhol: "Com eles no poder, voc� perde sua liberdade e n�o pode mais dizer o que pensa. � o que Biden est� tentando fazer na Am�rica".

A associa��o de Biden com socialismo esteve presente em todas as falas de Trump em com�cios e debates desde o in�cio da elei��o e ecoa entre os apoiadores cubano-americanos do presidente.
Tanto que, no �ltimo fim de semana, em um com�cio no formato "drive-in" em prol de Biden no norte de Miami, Barack Obama tocou no assunto.
"Parte da ret�rica que voc�s est�o ouvindo aqui no sul da Fl�rida � inven��o pura. Ouvindo os republicanos, parece que Joe (Biden) � mais comunista do que os Castro. N�o se enganem com esse lixo", disse o ex-presidente, que venceu na Fl�rida em 2008 e 2012.
"Joe Biden n�o � socialista", continuou o democrata.
"Ele foi senador por Delaware, ele foi meu vice-presidente. Acho que as pessoas j� saberiam se ele fosse um socialista secreto."
Ba�a dos Porcos
A principal esquina de Little Havana ilustra os valores da "Cuba capitalista", como dizem os locais.
Ali, uma sequ�ncia de monumentos cercados por bandeiras dos EUA e de Cuba homenageia os mortos na invas�o da Ba�a dos Porcos, em 1961, quando paramilitares cubanos exilados nos EUA formaram a famosa Brigada 2506 e tentaram derrubar o governo de Fidel Castro com apoio financeiro e de navios e avi�es do governo dos EUA.

A empreitada frustrada, que terminou com quase 300 mortos e mais de 1,2 mil combatentes presos pelo governo cubano, � homenageada em Miami com uma tocha eterna e tributos a combatentes, generais e jornalistas anticomunistas.
Foi em frente ao monumento que os moradores de Little Havana se reuniram para comemorar a morte de Fidel Castro, em 2016. No mesmo ano, o ent�o candidato Trump passou pelo local, antes de visitar uma padaria da regi�o.

Bem pr�ximo dali fica o parque M�ximo G�mez - outro ponto tur�stico, conhecido em Little Havana como "pra�a do domin�" e apontado por todos os guias tur�sticos da regi�o como parada obrigat�ria.
H� quatro d�cadas, dezenas de aposentados cubanos, venezuelanos, hondurenhos e nicaraguenses se re�nem na pra�a para partidas - s� quem � registrado e morador da regi�o pode participar.

Atualmente, no entanto, a pra�a est� trancada como parte das medidas do governo local para combater o coronav�rus. Cena semelhante pode ser vista nos arredores de Little Havana, onde parte do com�rcio fechou definitivamente as portas como resultado do impacto econ�mico da pandemia.
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