
No pr�ximo dia 15 de novembro os brasileiros v�o eleger 5.568 prefeitos e mais de 57 mil vereadores.
Em muitos casos, os pol�ticos e a estrutura administrativa em torno deles v�o ser bancados com recursos de contribuintes de outras cidades.
Isso porque cerca de 35% dos munic�pios do pa�s (1.856) n�o arrecadam o suficiente para cobrir essas despesas.� o que mostra o �ndice de Autonomia que comp�e, por sua vez, o �ndice de Gest�o Fiscal elaborado pela Federa��o das Ind�strias do Rio de Janeiro (Firjan).
Do lado das receitas, o indicador leva em considera��o todas aquelas geradas pelo munic�pio, como impostos e receitas patrimoniais, de servi�os. Os gastos, por sua vez, foram calculados a partir do que a contabilidade p�blica chama de despesas por fun��o — nesse caso espec�fico, as fun��es administra��o, legislativo, judici�rio e essencial � Justi�a, que representam "o custo m�nimo para uma prefeitura existir", diz o gerente de estudos econ�micos da Firjan, Jonathas Goulart.
N�o entram gastos com sa�de, educa��o ou saneamento, por exemplo.
Boa parte do dinheiro que sustenta os munic�pios vem da mesma fonte: o Fundo de Participa��o dos Munic�pios (FPM), formado por recursos de dois tributos federais, o Imposto de Renda e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). No ano passado, o fundo distribuiu R$ 109 bilh�es.
Essa configura��o acaba tendo uma s�rie de efeitos colaterais, inclusive um "incentivo perverso" para a cria��o de mais munic�pios. Desde a promulga��o da Constitui��o de 1988, j� s�o 1,2 mil a mais.
Ent�o faz sentido acabar com uma parcela desses munic�pios, como consta na Proposta de Emenda � Constitui��o (PEC) do Pacto Federativo, enviada ao Congresso em 2019? Na avalia��o de especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, a solu��o n�o � t�o simples.

Por que os munic�pios arrecadam t�o pouco?
De um lado, a capacidade dos munic�pios de gerar receitas pr�prias � limitada, segundo Fra�ois Breameaker, do Observat�rio de Informa��es Municipais.
S�o de compet�ncia municipal o Imposto sobre Servi�os (ISS), que tem al�quota m�xima de 5% (contra limites superiores a 20% para o ICMS, arrecadado pelos Estados), Imposto sobre a Transmiss�o de Bens Im�veis (ITBI), com al�quota m�xima de 4%, e o Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU).
O pesquisador do Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada (Ipea) Cl�udio Hamilton dos Santos pondera, por outro lado, que o incentivo que a legisla��o d� �s prefeituras para arrecadarem � pequeno.
Os repasses do FPM, de maneira geral, s�o maiores quanto menor for um munic�pio.
"Ter arrecada��o tribut�ria n�o � barato, tem que ter estrutura. No caso do IPTU, � preciso organizar os cadastros, as plantas (dos im�veis), � preciso que haja fiscaliza��o."
Assim, diante do "custo zero" do dinheiro que vem do FPM, muitos munic�pios acabam fazendo um esfor�o de arrecada��o menor.
Isso tudo acaba sendo tamb�m um incentivo para cria��o de novos munic�pios.
"Voc� tem essa vantagem de receber um dinheiro sem que tenha que fazer muito esfor�o."
O Brasil tem 1.252 munic�pios com menos de 5 mil habitantes. Desse total, 1.193 tiveram arrecada��es de impostos municipais abaixo de 10% das receitas totais em todos os anos de 2015 at� 2019 (a "linha de corte" estabelecida pela PEC).
Ou seja, nesses casos, as transfer�ncias, seja do FPM ou por parte dos Estados (como entram com a cota-parte de tributos estaduais como o ICMS e o IPVA), chegaram a responder por mais de 90% do volume de recursos de que o munic�pio dispunha.
Mas o problema n�o � exclusivo desse grupo: a grande maioria dos munic�pios com menos de 50 mil habitantes (que s�o, por sua vez, 88% dos munic�pios brasileiros) n�o consegue ultrapassar aquele percentual, diz Santos.
Qualidade do gasto
Outro efeito colateral, na avalia��o da professora da FEA-USP Fabiana Fontes Rocha, pesquisadora da �rea de economia do setor p�blico, � o incentivo a atitudes "fiscalmente irrespons�veis", como o financiamento de projetos de baixa qualidade ou sem benef�cio social.
"Este quadro � mais preocupante quando pensamos nos munic�pios pequenos. Como eles s�o privilegiados em termos de recebimento de transfer�ncias e t�m demanda por bens e servi�os p�blicos que s�o mais simples e baratos, justamente porque s�o pequenos, acabam sendo sobrefinanciados e a� a situa��o � agravada."

Essa din�mica tem impacto direto na qualidade da presta��o de servi�os p�blicos como sa�de e educa��o b�sica, que est�o dentro das responsabilidades do munic�pio.
Cidades menores, de forma geral, t�m demandas por servi�os de sa�de menos complexas. Nos casos em que elas est�o pr�ximas de um centro maior, ilustra a professora, poderia fazer mais sentido, do ponto de vista da efici�ncia do gasto p�blico, ter ambul�ncias de prontid�o para fazer o transporte de pacientes em vez de construir um hospital.
Por raz�es pol�ticas, entretanto, os prefeitos com frequ�ncia optam pela segunda op��o, o que tem contribu�do para expandir as redes de presta��o de servi�os.
"O surgimento de munic�pios pequenos resultou tamb�m em perdas de escala na oferta de bens p�blicos", ela avalia.
H� ainda a quest�o da pr�pria estrutura de gastos do munic�pio. Com cada munic�pio que nasce surge uma prefeitura e uma c�mara de vereadores.
Pela lei, todos os munic�pios com menos de 15 mil habitantes tem direito a eleger 9 vereadores. E, ainda que muitas vezes eles n�o recebam os chamados "supersal�rios", representam um aumento na estrutura de custos fixos.
Quais as solu��es?
Uma das solu��es para esses problemas seria criar incentivos para que os munic�pios arrecadem mais e gastem melhor.
Nesse sentido, uma primeira — e antiga proposta — � a reforma do FPM. Uma mudan�a nos crit�rios de repasse, que levassem em considera��o as necessidades do munic�pio, e n�o apenas o tamanho.
Isso porque o fato de um munic�pio ser menor do que outro n�o significa necessariamente que a capacidade dele de arrecadar seja menor.
O levantamento da Firjan tamb�m cruzou os dados de arrecada��o com as transfer�ncias e concluiu que muitos munic�pios que t�m alta capacidade de arrecada��o tribut�ria localmente recebem mais FPM per capita que muitos em que a gera��o de receita � mais baixa.
Do lado do gasto, Cl�udio Hamilton dos Santos, do Ipea, acrescenta que � poss�vel colocar incentivos na legisla��o.
Um exemplo � o caso bem-sucedido da partilha do ICMS no Cear�: a cota-parte para os munic�pios � distribu�da de acordo com os resultados na educa��o. Quanto melhor o desempenho, maior o repasse.
Na grande maioria dos Estados, a distribui��o leva em considera��o o local onde o tributo foi gerado — o que faz com que o simples fato de que um munic�pio tenha uma empresa de maior porte garanta que o repasse da cota-parte do ICMS seja maior.
Um exemplo ilustrativo � Paul�nia (SP), que recebe grande volume de repasses do Estado por ter uma refinaria da Petrobras. � uma esp�cie de "ilha de riqueza", diz o especialista, enquanto munic�pios do entorno, como Nova Odessa, s�o mais pobres.
Jonathas Goulart, da Firjan, aponta ainda para os cons�rcios municipais como alternativa para tornar a gest�o mais eficiente em alguns casos, para conseguir os ganhos de escala que acabaram se perdendo com a pulveriza��o de munic�pios.
Entre os especialistas ouvidos pela reportagem, nenhum afirma categoricamente que a extin��o de munic�pios proposta pela PEC seria um caminho para resolver os problemas.
Bremaeker, do Observat�rio de Informa��es Municipais, diz que o que motiva a cria��o de novos munic�pios s�o, em muitos casos, "distritos que se sentem abandonados".
Para ele, se voltarem a uma situa��o em que se sentem negligenciados, � poss�vel que haja inclusive migra��o da popula��o para centros maiores — at� porque, em muitos munic�pios, a prefeitura � o principal empregador, ele pondera.
"Faz sentido a gente ter munic�pios que n�o conseguem se sustentar? � uma pergunta complexa", diz Santos, do Ipea.
Para ele, essa avalia��o deveria ser feita levando-se em conta a qualidade do servi�o p�blico que a prefeitura entrega. Pode ser uma cidade que n�o consegue se sustentar, mas prov� educa��o e sa�de de qualidade a uma popula��o vulner�vel, por exemplo, em uma localidade remota.
A professora da FEA-USP Fabiana Fontes Rocha tamb�m diz que a resposta � dif�cil.
"Existe uma literatura acad�mica discutindo se fundir pequenos e m�dios munic�pios levaria a redu��o de despesas. Infelizmente os resultados n�o s�o inequ�vocos", pondera a economista. "H� evid�ncias de que sim e de que n�o."
"Fato � que o custo pol�tico das fus�es n�o � pequeno e que o impacto sobre a satisfa��o da popula��o com o 'novo' governo local � incerto."
"Posso afirmar com certeza que foi um erro a prolifera��o de munic�pios pequenos, mas n�o posso afirmar com certeza se ser� um acerto a fus�o (proposta pela PEC do Pacto Federativo)."
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