
Richard Moore perdeu a vis�o aos 10 anos, quando foi atingido por uma bala de borracha na Irlanda do Norte.
Em 2006, ele conheceu o soldado brit�nico que atirou nele. E, desde ent�o, os dois mant�m uma boa rela��o de amizade.
At� recentemente, entretanto Charles Innes, o autor do disparo, n�o havia sido capaz de pedir desculpas.
Em entrevista ao programa de r�dio Outlook, da BBC, os dois contam como nasceu essa improv�vel amizade.
Em 1972, Richard Moore foi atingido no rosto por uma bala de borracha quando voltava da escola.
Ele morava na cidade de Derry, um dos epicentros do conflito que durou tr�s d�cadas e deixou mais de 3,5 mil mortos na Irlanda do Norte.
O per�odo, que ficou conhecido como "Troubles", foi marcado por epis�dios de extrema viol�ncia entre dois grupos: os republicanos/nacionalistas irlandeses, majoritariamente cat�licos; e os unionistas/legalistas, majoritariamente protestantes.
Enquanto o primeiro grupo era a favor da uni�o das duas Irlandas, o segundo queria que o territ�rio continuasse a fazer parte do Reino Unido.
� medida que a onda de viol�ncia se intensificava no pa�s, as For�as Armadas brit�nicas enviaram milhares de tropas para a regi�o na tentativa de controlar a situa��o.
Entre o efetivo, estava o soldado Charles Innes, com 28 anos na �poca.
"A viol�ncia estava num n�vel em que praticamente diariamente um soldado, um policial ou um agente penitenci�rio ficava gravemente ferido ou era morto", diz ele.
Mas as perdas n�o se restringiram �s for�as de seguran�a. Entre as vidas ceifadas pelo confronto, 52% foram de civis.
No dia 4 de maio daquele ano, Richard, que tinha 10 anos, faria parte das estat�sticas.
Ao passar correndo por um posto de vigia do Ex�rcito, localizado pr�ximo a sua escola, ele foi atingido no rosto por uma bala de borracha disparada a tr�s metros de dist�ncia.
Ele conta que estava com um grupo de colegas da mesma idade — e que talvez tenham jogado pedras, ele simplesmente n�o consegue se lembrar.
"S� me lembro de ser um belo dia de sol. Me lembro de passar correndo... e depois a pr�xima coisa que me lembro � de acordar deitado na mesa da cantina da escola. Um professor me carregou e botou l�."
Naquele momento, ele j� n�o conseguia enxergar.
"N�o lembro de mais nada at� acordar na ambul�ncia. Eu ouvia a sirene ao fundo. Meu pai estava segurando minha m�o e dizia: 'Vai ficar tudo bem, Richard, voc� vai ficar bem'."

Meia hora depois do incidente, Charles, o autor do disparo, soube pelo chefe o que havia acontecido.
"Ele disse: 'Charles, � melhor voc� sentar. Aquela bala de borracha que voc� disparou atingiu um menino de 10 anos. E ele pode morrer. Est� gravemente ferido'."
"Fiquei absolutamente chocado. Me senti horr�vel."
Ele afirma que n�o fazia ideia que estava disparando contra crian�as.
Em sua vers�o, havia um grupo grande de jovens de diferentes idades — de adolescentes at� na faixa de 20 anos — que estavam amea�ando os militares dentro do posto.
"Eu dei o aviso (de que iria disparar)... e vieram mais pedras, mais insultos, gritos... Ent�o, fiz o que era o procedimento padr�o. Disparei a bala de borracha", conta.
Enquanto isso, a fam�lia de Richard era informada no hospital que ele havia perdido um dos olhos e a vis�o no outro — e que ficaria cego para o resto da vida.
"Lembro da minha m�e chegar perto da minha cama, achando que eu estava dormindo, come�ar a rezar e cair aos prantos. Ela estava sem f�lego de tanto solu�ar... e dizia: 'Deus, por favor, devolva a vis�o dele'", recorda.
Charles, por sua vez, n�o procurou nenhuma informa��o a respeito de quem era o menino que tinha atingido, tampouco sabia que tinha ficado cego.
"Mas eu pensava nele, e tinha um profundo arrependimento e grande tristeza por ter causado esse terr�vel ferimento nele."
Ap�s o incidente, foi aberto um inqu�rito policial e militar sobre o ocorrido. E a fam�lia de Richard recebeu uma indeniza��o.
Apesar do trauma, Richard voltou para sua antiga escola, entrou para a universidade e comprou dois pubs que administra pessoalmente.
Jamais guardou m�goas em rela��o ao soldado que atirou nele.
Em 2006, quando um canal de televis�o que fazia um document�rio sobre sua vida localizou Charles, Richard viu uma oportunidade de fazer contato — e pediu para entregarem uma carta a ele.
"Eu queria que ele soubesse que eu o havia perdoado", diz.

"Era uma carta absolutamente linda. Simplesmente n�o havia animosidade, era t�o positiva, absolutamente incr�vel. Basicamente ele dizia que gostaria muito de me conhecer", relembra Charles.
Richard embarcou ent�o para Edimburgo, capital da Esc�cia, onde Charles mora at� hoje. E esperou sentado por ele na recep��o do hotel.
"Lembro de ter ficado nervoso de repente, com vontade de chorar, uma sensa��o que nunca tive. E comecei a pensar: o que voc� est� fazendo aqui?"
Foi ent�o que Charles chegou e bateu no ombro dele:
"Oi, Richard, � o Charles."
Os dois passaram as quatro horas seguintes conversando sobre a vida, fam�lia, hobbies e, claro, sobre o que tinha acontecido naquele 4 de maio.
"Obviamente, as hist�rias s�o um pouco diferentes. A vis�o dele das coisas � um pouco diferente da minha. Mas ele diz que n�o adianta ficar ruminando isso... e est� absolutamente certo. Ambos contamos nossas hist�rias", afirma Charles.
"Eu certamente n�o dispararia uma bala de borracha se soubesse o dano que isso iria causar", acrescenta.
Depois desta ocasi�o, os dois acabaram desenvolvendo uma amizade.
"Valorizo %u200B%u200Btanto (a nossa amizade) que, quando eu morrer, tenho dois amigos que gostaria que fizessem um discurso no meu funeral, e um deles � o Richard", revela Charles.
Mas at� recentemente ele n�o havia sido capaz de pedir desculpas ao amigo.
"Quando (o pedido de desculpas) veio, foi realmente comovente. Eu n�o precisava (que ele pedisse desculpas), n�o pedi isso, mas quando aconteceu foi muito, muito bom", diz Richard.
Segundo ele, Charles, agora com 78 anos, era da opini�o "de que, se voc� pede 'desculpa', significa que voc� n�o teve a inten��o de disparar a bala".
"Ele dizia: 'Eu quis disparar a bala, mas nunca quis causar o dano'. E sempre falou que, se soubesse o que ia acontecer comigo, ele n�o teria disparado."
Embora para ele fosse uma quest�o de "sem�ntica", Richard afirma que quanto mais os dois se conheciam, "mais ele sentia que o ex-soldado estava arrependido".
"Finalmente, muitos anos depois do nosso primeiro encontro, est�vamos conversando uma noite sobre a palavra 'desculpa' e ele me falou: 'Richard, me desculpa'."
Casado e pai de dois filhos, Richard fundou em 1996 a institui��o Children in Crossfire, oferecendo ajuda a crian�as que se encontram em situa��es semelhantes � que ele viveu.
"�s vezes acontecem coisas na vida que adorar�amos recriar. Charles cometeu um erro monumental, eu fui o receptor final. Eu perdoo Charles. E gosto muito dele."
Ou�a aqui (em ingl�s) a �ntegra do programa Outlook
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