
� medida que redes estaduais, municipais e privadas de todo o pa�s avan�am ou recuam nos projetos de reabertura (mesmo que parcial) de escolas, e enquanto o Brasil vive seu momento mais cr�tico na pandemia at� agora, as aten��es naturalmente se voltam aos cuidados de higiene, � infraestrutura f�sica escolar e ao distanciamento social praticados por estudantes.
Esse alerta, ainda mais v�lido em um momento de alta das infec��es no pa�s, vem tanto de estudiosos quanto da Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) — que explicam que, nos focos de covid-19 identificados em escolas pelo mundo (at� agora, relativamente poucos), acredita-se que, na maioria dos casos, o v�rus tenha sido levado para l� dentro por conta do comportamento de adultos pr�ximos, e n�o do das crian�as.
"Na maior parte do tempo, as crian�as s�o infectadas pelos adultos — em geral um adulto da pr�pria fam�lia", diz � BBC News Brasil o m�dico franc�s Fran�ois Angoulvant, especialista em emerg�ncias pedi�tricas.
Durante toda a pandemia, Angoulvant e 12 colegas t�m estudado o comportamento de doen�as infecciosas em crian�as e adolescentes em Paris, a partir dos dados de 972 mil atendimentos em seis pronto-socorros infantis da capital francesa e arredores, entre 2017 e 2020.
Durante o primeiro lockdown na Fran�a, em junho e julho, quando as escolas ficaram fechadas, as visitas e interna��es em pronto-socorros pedi�tricos ca�ram, respectivamente, 68% e 45% em rela��o a anos anteriores — ou seja, as crian�as ficaram muito menos doentes de modo geral, de males como bronquiolite ou gripe, por exemplo.
Quando o lockdown foi aliviado para todos e as escolas reabriram, esses atendimentos pedi�tricos voltaram a subir, � medida que os franceses relaxaram nas medidas de distanciamento social.
No entanto, no segundo lockdown franc�s, as escolas se mantiveram abertas com medidas de controle, mas o governo endureceu o isolamento para a popula��o adulta. Da�, mesmo com as aulas presenciais em curso, as infec��es infantis voltaram a cair em Paris.
As "li��es inesperadas" desses resultados, diz Angoulvant, s�o de que o adulto tem um papel fundamental na transmiss�o de doen�as infecciosas para as crian�as, e isso � particularmente importante no caso da covid-19 — uma vez que estudos at� agora apontam que crian�as de at� dez anos adquirem e transmitem o v�rus com muito menos frequ�ncia do que as mais velhas ou os adultos.
Responsabilidade
As conclus�es dos pesquisadores franceses s�o refor�adas por um levantamento de outubro de 2020 da OMS, compilando estudos e informa��es globais a respeito da volta �s aulas.

Destacando que os estudos at� agora t�m alcance limitado, a OMS afirmou que, nos surtos identificados dentro de escolas, "na maioria dos casos de covid-19 em crian�as a infec��o foi adquirida dentro de casa".
"Nos surtos escolares, a probabilidade maior era de que o v�rus tivesse sido introduzido por adultos", prossegue o documento.
"A transmiss�o funcion�rio-para-funcion�rio foi a mais comum; (a transmiss�o) entre funcion�rios e estudantes foi menos comum; a mais rara foi de estudante para estudante."
Em �ltima inst�ncia, portanto, manter a seguran�a sanit�ria das escolas abertas � obriga��o primordial de gestores, mas tamb�m responsabilidade coletiva de toda a sociedade, explicam os especialistas.
Aglomera��es, deslizes no uso de m�scara ou outros comportamentos de risco adotados por adultos que t�m contato (mesmo que pequeno ou espor�dico) com crian�as podem acabar, inadvertidamente, levando o coronav�rus para dentro do ambiente escolar.
O risco de 'baixar a guarda'
Fran�ois Angoulvant diz que esse risco aumenta quando os adultos, �s vezes sem querer, baixam a guarda nas medidas b�sicas de distanciamento social. � o que ele observa na Fran�a.
"Temos esse problema at� com profissionais de sa�de. Nos focos ocorridos entre eles, na maioria das vezes (o coronav�rus) n�o veio dos pacientes, mas (da intera��o entre) os pr�prios profissionais - por exemplo, quando almo�am juntas ou tomam caf�, lado a lado, oito pessoas na mesma sala", explica.
"Quando est�o interagindo com os pacientes, eles (profissionais de sa�de) colocam m�scaras e tomam todos os cuidados. Mas entre si, eles relaxam. Isso vale para qualquer profiss�o, quando se adotam comportamentos de risco", prossegue o m�dico.
"Quando a variante brit�nica do coronav�rus (considerada mais infecciosa) chegou � Fran�a, uma das infectadas era uma francesa que morava no Reino Unido e estava de f�rias em Marselha. Em uma semana, essa mulher havia feito contato com outras 42 pessoas. Quarenta e duas pessoas! S�o mais (contatos interpessoais) do que eu fa�o em tr�s meses. As pessoas precisam ser respons�veis."
De modo geral, os dados internacionais t�m mostrado que o n�vel de contamina��o entre crian�as acompanha o dos adultos - ou seja, sobe ou desce, embora em menor quantidade, � medida que a quantidade de infec��es sobe ou desce entre adultos.
"Elas (crian�as) parecem mais seguir a situa��o do que impulsion�-la", disse � revista Nature o epidemiologista Walter Haas, do Instituto Robert Koch, em Berlim.
Desse modo, os estudos apontam que um ambiente escolar com condi��es sanit�rias adequadas, boa ventila��o, restri��es ao n�mero de pessoas e medidas de distanciamento social n�o ofereceria um risco excessivo para professores e demais profissionais.
"Todos estamos em risco, mas acho que se voc� trabalha em um supermercado corre mais risco do que se trabalha em uma escola", defende o franc�s Angoulvant.
No entanto, muitos estudos s� recomendam a volta �s aulas presenciais quando a transmiss�o comunit�ria est� sob controle na comunidade - o que n�o � o caso do Brasil no momento, que bateu na quinta-feira a marca de mais de 1,5 mil mortes por covid-19 em 24h. Diante de UTIs lotadas, alguns Estados e munic�pios decidiram adiar a reabertura de suas escolas.
Al�m disso, muitos educadores brasileiros rejeitam compara��es com outros pa�ses, afirmando que esses paralelos n�o levam em conta as desigualdades sociais daqui ou defici�ncias do poder p�blico em sua obriga��o de garantir as medidas sanit�rias b�sicas nas escolas.

O que traz preocupa��es adicionais, principalmente no momento em que os n�veis de cont�gio continuam alto pelo pa�s, com n�meros exorbitantes de infec��es e mortes.
Aqui no Brasil, de modo geral, n�o � f�cil - nem historicamente nem agora, no caso da covid-19 - averiguar a dire��o do cont�gio entre crian�as, explica � BBC News Brasil o epidemiologista Paulo Lotufo, professor da Faculdade de Medicina da USP.
"No caso da covid-19, ainda � uma doen�a muito recente para termos muitas informa��es, e a volta �s aulas tem sido muito heterog�nea (entre os diferentes Estados e munic�pios)", diz.
"Mas a gente sabe h� muito tempo que a volta �s aulas do ver�o, mais do que a do inverno, costuma ocorrer depois de as crian�as terem feito viagens - e isso pode trazer consigo um mix de v�rus e bact�rias."
No entanto, � indiscut�vel, diz Lotufo, que as a��es dos adultos podem ter efeitos colaterais dentro das escolas. "A responsabilidade do adulto sempre foi crucial (nesta pandemia). Aquele tio que aparece para jantar pode contaminar o sobrinho, que contamina cinco amigos na escola e que levam o v�rus para os pais", diz.
E esse ciclo pode eventualmente tornar a sala de aula um foco do novo coronav�rus, principalmente se n�o for adotado um protocolo r�gido pelas escolas e respeitado pelos pais, alunos e equipes.
Isso tem sido cobrado do poder p�blico por entidades representantes de educadores.
"N�s continuamos bastante preocupados com a situa��o da pandemia em nosso pa�s. N�o observamos altera��o da condi��o pol�tica nem seguran�a sanit�ria para fazer um retorno �s aulas presenciais", disse o presidente da Confedera��o Nacional dos Trabalhadores em Educa��o (CNTE), Heleno Manoel Gomes Ara�jo Filho, em entrevista recente � Ag�ncia Brasil.
Do lado dos pais, apenas uma minoria (19%) disse confiar "muito" na capacidade de escolas p�blicas brasileiras se adequarem aos protocolos de seguran�a sanit�ria na reabertura, segundo pesquisa do Datafolha feita com 1.015 pais e respons�veis entre novembro e dezembro, sob encomenda de funda��es educacionais.
Ao mesmo tempo, ao menos 65% deles temiam os efeitos das escolas fechadas no desenvolvimento de seus filhos, ap�s quase um ano sem aulas presenciais.
No �mbito das escolas particulares, sindicatos de professores acusam alguns estabelecimentos de ensino de estarem autorizando mais alunos nas aulas presenciais do que o permitido pelas autoridades de sa�de.
O impacto das novas variantes do coronav�rus
Todo esse cen�rio pode ser agravado pelas novas variantes do coronav�rus em circula��o no Brasil e no mundo.

Um ponto importante, diz Fran�ois Angoulvant, � que dados vindos do Reino Unido - onde as escolas foram temporariamente fechadas na tentativa de conter o avan�o da variante brit�nica - parecem indicar que as crian�as continuam sendo transmissoras menos eficientes do que os adultos.
"Crian�as com a variante brit�nica s�o mais contagiosas, mas muito menos do que adultos", diz o especialista franc�s. "No Reino Unido, o n�mero de crian�as infectadas aumentou, apesar de a escola estar fechada. O que, de novo, mostra que as crian�as a maior parte do tempo s�o infectadas por adultos."
No entanto, � medida que mais adultos s�o vacinados contra o novo coronav�rus no mundo, uma preocupa��o crescente � de que novas variantes se desenvolvam justamente entre crian�as - um p�blico que por enquanto n�o tem previs�o de ser vacinado, uma vez que n�o h� testes conclu�dos sobre a seguran�a e a efic�cia da vacina nele.
� o que tem acontecido em Israel, onde a maioria da popula��o adulta j� foi vacinada contra a covid-19.
"As crian�as representam uma propor��o maior das infec��es do que no in�cio da pandemia, possivelmente por causa das novas variantes e pelo fato de que uma propor��o significativa dos adultos j� foi vacinada", aponta reportagem de 18 de fevereiro do jornal Times of Israel.
Tr�s dias depois, o Minist�rio da Educa��o israelense anunciou que estava colocando 27,6 mil crian�as do pa�s em quarentena.
"Isso (contamina��o entre jovens) � algo que n�o t�nhamos visto nas ondas pr�vias do coronav�rus", afirmou o ministro da Sa�de, Yuli Edelstein, ao Jerusalem Post.
S�ndrome inflamat�ria multissist�mica
E, se a contamina��o cresce na popula��o infantil, um poss�vel desdobramento preocupante � que haja mais casos de s�ndrome inflamat�ria multissist�mica pedi�trica (SIM-P), uma rara, mas perigosa doen�a que acomete uma pequena parcela das crian�as e adolescentes que entram em contato com o Sars-CoV-2.
Em geral, essas crian�as adoecidas passam sem dificuldades pela covid-19 (muitas vezes, assintom�ticas ou apenas com sintomas leves), mas algumas semanas depois da infec��o desenvolvem sintomas mais graves, como febre persistente (ao menos tr�s dias), mal-estar e, em parte dos casos, problemas gastrointestinais (como diarreia, v�mito e dores abdominais), manchas e coceiras no corpo e conjuntivite.
No caso desses sintomas, � preciso procurar urgentemente o atendimento m�dico, uma vez que a s�ndrome pode atacar m�ltiplos �rg�os simultaneamente - causando problemas card�acos, renais, respirat�rios, g�stricos, entre outros, informam os CDCs, centros americanos de controle de doen�as.
Nos EUA, os CDCs identificaram, at� 8 de fevereiro, 2.060 casos de SIM-P, com 30 mortes. No Brasil, o Boletim Epidemiol�gico mais recente do Minist�rio da Sa�de, de outubro de 2020, identificou 319 casos entre crian�as de adolescentes de 0 a 19 anos, com 23 mortes.
O mais importante no caso da SIM-P � buscar atendimento r�pido no caso de sintomas persistentes, afirma Fran�ois Angoulvant, que tamb�m � coautor de um estudo rec�m-publicado no peri�dico JAMA sobre o tratamento da doen�a.
Segundo o estudo, um tratamento �gil, incluindo corticosteroides, consegue prevenir o agravamento dos quadros.
"Se identificamos mais cedo, tratamos mais cedo, diminui-se muito a necessidade de UTI e a melhora � mais r�pida", diz Angoulvant. Ele ressalta, por�m, que por enquanto a SIM-P continua sendo rara: atinge em torno de uma crian�a a cada 10 mil.
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