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Estado de Minas HIST�RIA

'Filhos de Chernobyl': o que diz primeiro estudo de descendentes dos atingidos pelo acidente nuclear

Registros oficiais indicam que 600 mil pessoas receberam o status de liquidante, nome dado a quem participou dos esfor�os para conter o impacto do acidente


24/04/2021 14:02 - atualizado 24/04/2021 14:09

Estudo foi o primeiro a realizar análise genética massiva em filhos de sobreviventes do acidente nuclear(foto: BBC)
Estudo foi o primeiro a realizar an�lise gen�tica massiva em filhos de sobreviventes do acidente nuclear (foto: BBC)

Uma das grandes quest�es do maior acidente nuclear da hist�ria parece ter encontrado uma resposta, 35 anos depois.

Quando o reator n�mero quatro da usina de Chernobyl explodiu na madrugada de 26 de abril de 1986, a cidade do norte da Ucr�nia se tornou uma cidade fantasma e a vida de dezenas de milhares de pessoas foi marcada pelo desastre at�mico.


Desde ent�o, muitos dos sobreviventes tiveram que lidar com doen�as ligadas � radia��o a que foram expostos e com a incerteza do que poderia acontecer com seus descendentes, os chamados "filhos de Chernobyl".

Uma das quest�es que intrigam cientistas e sobreviventes h� d�cadas � se os efeitos da radia��o nuclear poderiam passar para os descendentes.

Agora, pela primeira vez, um estudo gen�tico lan�a luz sobre o assunto e seus resultados acabam de ser publicados na revista Science.

A pesquisa, liderada pela professora Meredith Yeager, do Instituto Nacional do C�ncer dos Estados Unidos (NCI), se concentrou nos filhos de trabalhadores que se alistaram para ajudar a limpar a �rea altamente contaminada ao redor da usina nuclear (os chamados "liquidantes").

Descendentes de evacuados da cidade abandonada de Pripyat e outras localidades em um raio de 70 km ao redor do reator tamb�m foram estudados.

Os participantes, todos concebidos ap�s o desastre e nascidos entre 1987 e 2002, tiveram seus genomas completos examinados.

E o resultado do estudo foi uma surpresa para muitos dos envolvidos: n�o foram identificados "danos adicionais ao DNA" de crian�as nascidas de pais que foram expostos � radia��o da explos�o de Chernobyl antes de elas serem concebidas.

"Mesmo quando as pessoas foram expostas a doses relativamente altas de radia��o, em compara��o com a radia��o de fundo, isso n�o teve efeito em seus futuros filhos", explicou a professora Gerry Thomas, do Imperial College London, � jornalista da BBC Victoria Gill.

Thomas, que passou d�cadas estudando a biologia do c�ncer, particularmente os tumores que est�o ligados a danos por radia��o, explicou que este estudo foi o primeiro a mostrar que n�o h� dano gen�tico heredit�rio ap�s a exposi��o � radia��o.


Os liquidantes eram as pessoas chamadas para ajudar com a operação de limpeza que se deu após o desastre(foto: Getty Images)
Os liquidantes eram as pessoas chamadas para ajudar com a opera��o de limpeza que se deu ap�s o desastre (foto: Getty Images)

"Muitas pessoas ficaram com medo de ter filhos depois das bombas at�micas (lan�adas pelos americanos em Nagasaki e Hiroshima). E tamb�m pessoas que ficaram com medo de ter filhos depois do acidente em Fukushima (no Jap�o) porque pensavam que seus filhos seriam afetados pela radia��o a que eles foram expostos ", lembra. "� muito triste. E se pudermos mostrar que n�o tem efeito, esperamos poder aliviar esse medo."

Thomas n�o participou do estudo, embora ela e seus colegas tenham conduzido outras pesquisas sobre c�nceres relacionados a Chernobyl.

Sua equipe estudou o c�ncer de tireoide, porque se sabe que o acidente nuclear causou cerca de 5.000 casos, a grande maioria dos quais foram tratados e curados.

O estudo

Um dos principais pesquisadores do estudo, Stephen Chanock, tamb�m do Instituto Nacional do C�ncer dos Estados Unidos, explicou � BBC que a equipe de pesquisa recrutou fam�lias inteiras para que os cientistas pudessem comparar o DNA da m�e, do pai e do filho.

"Aqui n�o estamos olhando para o que aconteceu com aquelas crian�as que estavam [no �tero] no momento do acidente; estamos olhando para algo chamado 'muta��es de novo'."

Estas s�o novas muta��es no DNA — elas ocorrem aleatoriamente em um �vulo ou esperma. Dependendo de onde no projeto gen�tico de um beb� uma muta��o surge, ela pode n�o ter impacto ou pode ser a causa de uma doen�a gen�tica.

"Existem entre 50 e 100 dessas muta��es em cada gera��o e s�o aleat�rias. De certa forma, s�o os blocos de constru��o da evolu��o. � assim que novas mudan�as s�o introduzidas em uma popula��o", explica Chanock.

"N�s olhamos os genomas das m�es e pais e depois da crian�a. E passamos mais nove meses procurando por qualquer sinal no n�mero dessas muta��es que estava associado � exposi��o dos pais � radia��o. N�o encontramos nada."

Isso significa, dizem os cientistas, que o efeito da radia��o no corpo dos pais n�o tem impacto nas crian�as que eles eventualmente v�o conceber no futuro.

D�vidas em torno do total de afetados pelo acidente de Chernobyl

Demorou um dia e meio at� que a evacua��o de 49.614 pessoas tivesse in�cio. Mais tarde, outras 41.986 pessoas foram evacuadas de um per�metro de 30 km ao redor da usina. Por fim, cerca de 200.000 pessoas foram deslocadas em raz�o do acidente.

Algumas das pessoas que viviam mais perto da usina receberam doses de radia��o em suas gl�ndulas tireoides de at� 3.9Gy - cerca de 37 mil vezes a dose de um raio-x de t�rax - depois de respirar material radioativo e comer alimentos contaminados.


Pripyat era a casa de 50 mil pessoas antes do acidente nuclear(foto: BBC)
Pripyat era a casa de 50 mil pessoas antes do acidente nuclear (foto: BBC)

De acordo com os dados oficiais, o n�mero de mortos reconhecido internacionalmente aponta que apenas 31 pessoas morreram como resultado imediato de Chernobyl, enquanto a Organiza��o das Na��es Unidas (ONU) estima que 50 mortes podem ser diretamente atribu�das ao desastre. Em 2005, previa que mais 4 mil poderiam eventualmente ter morrido como resultado da exposi��o � radia��o.

Nas semanas e meses que se seguiram ao desastre de Chernobyl, centenas de milhares de bombeiros, engenheiros, tropas militares, policiais, mineiros, faxineiros e integrantes da equipe m�dica foram enviados para a �rea imediatamente ao redor da usina destru�da em um esfor�o para controlar o fogo e o n�cleo colapsado, e evitar que o material radioativo se espalhe ainda mais pelo ambiente.

Essas pessoas — que ficaram conhecidas como "liquidantes" devido � defini��o oficial sovi�tica de "participante na liquida��o das consequ�ncias do acidente da usina nuclear de Chernobyl" — receberam um status especial que, na pr�tica, significava receber benef�cios como cuidados m�dicos extras e indeniza��es. Registros oficiais indicam que 600 mil pessoas receberam o status de liquidante.

Mas um relat�rio publicado por membros da Academia Russa de Ci�ncias, que foi alvo de controv�rsia, indica que poderia haver at� 830 mil pessoas nas equipes de limpeza de Chernobyl. Eles estimaram que entre 112.000 e 125.000 destes — cerca de 15% — haviam morrido at� 2005. Muitos dos n�meros presentes desse estudo, no entanto, foram contestados por cientistas do Ocidente, que questionaram sua validade cient�fica.

As autoridades ucranianas, no entanto, fizeram um registro de seus pr�prios cidad�os afetados pelo acidente de Chernobyl. Em 2015, havia 318.988 trabalhadores de limpeza ucranianos no banco de dados, embora, de acordo com um relat�rio recente do Centro Nacional de Pesquisa M�dica de Radia��o na Ucr�nia (NRCRM), 651.453 trabalhadores de limpeza foram examinados em raz�o da exposi��o � radia��o entre 2003 e 2007. A Bielorr�ssia registrou 99.693 trabalhadores de limpeza, enquanto outro registro incluiu 157.086 liquidantes russos.

Na Ucr�nia, as taxas de mortalidade entre esses indiv�duos aumentaram entre 1988 e 2012, passando de 3,5 para 17,5 mortes por mil pessoas. A incapacidade entre os liquidantes tamb�m disparou. Em 1988, 68% deles eram considerados saud�veis, enquanto 26 anos depois apenas 5,5% ainda eram saud�veis. A maioria - 63% - sofria de doen�as cardiovasculares e circulat�rias, enquanto 13% tinham problemas com o sistema nervoso. Na Bielorr�ssia, 40.049 liquidantes foram diagnosticados com c�ncer at� 2008, al�m de outros 2.833 da R�ssia.

Viktor Sushko, vice-diretor-geral do Centro Nacional de Pesquisa M�dica de Radia��o, descreve o desastre de Chernobyl como o "maior desastre antropog�nico da hist�ria da humanidade". O �rg�o estima que cerca de 5 milh�es de cidad�os da antiga Uni�o Sovi�tica, incluindo 3 milh�es na Ucr�nia, tenham sido afetados pelo desastre de Chernobyl. Na Bielorr�ssia, outras 800 mil pessoas tamb�m foram atingidas pela radia��o.

Atualmente, o governo ucraniano paga pens�es a 36.525 vi�vas de homens que s�o considerados v�timas do acidente de Chernobyl.


Quando os cientistas e engenheiros viram a cena situação a partir de um helicóptero, eles entenderam que era muito grave(foto: Getty Images)
Quando os cientistas e engenheiros viram a cena situa��o a partir de um helic�ptero, eles entenderam que era muito grave (foto: Getty Images)

Em janeiro de 2018, 1,8 milh�o de pessoas na Ucr�nia, incluindo 377.589 crian�as, tinham o status de v�timas do desastre, segundo Sushko. Houve um r�pido aumento no n�mero de pessoas com defici�ncia entre esta popula��o, passando de 40.106 em 1995 para 107.115 em 2018.

Impacto hist�rico do acidente

Quando o reator n�mero quatro explodiu, espalhando nuvens radioativas no hemisf�rio norte da Terra, da Checoslov�quia ao Jap�o, e liberando na atmosfera o equivalente a 500 bombas de Hiroshima, o Partido Comunista da Uni�o Sovi�tica tentou controlar informa��es para criar sua pr�pria vers�o dos fatos.

Eram 5h da manh� quando Mikhail Gorbachev, o �ltimo l�der da URSS, recebeu um telefonema. Ele foi informado de que havia ocorrido uma explos�o na usina nuclear de Chernobyl, mas, aparentemente, o reator estava intacto.

"Nas primeiras horas e at� mesmo no dia seguinte ao acidente, n�o se sabia que o reator havia explodido e que havia acontecido uma enorme emiss�o de material nuclear na atmosfera", disse o pr�prio Gorbachev mais tarde.

O pa�s levou 18 dias para falar sobre isso na televis�o.

O governo sovi�tico tamb�m n�o queria que as m�s not�cias se espalhassem t�o rapidamente quanto a radia��o. Por isso, cortou as redes de telefonia, e os engenheiros e funcion�rios da usina nuclear foram proibidos de compartilhar informa��es sobre o que aconteceu com seus amigos e familiares.


O ex-presidente soviético Mikhail Gorbachev (ao centro) e sua esposa Raisa Gorbacheva (à esq.) visitaram a usina em 1989(foto: AFP)
O ex-presidente sovi�tico Mikhail Gorbachev (ao centro) e sua esposa Raisa Gorbacheva (� esq.) visitaram a usina em 1989 (foto: AFP)

"A maneira como a Uni�o Sovi�tica entrou em colapso n�o pode ser realmente entendida sem a hist�ria de Chernobyl", disse o historiador ucraniano Serhii Plokhii no livro Chernobyl: the History of a Nuclear Catastrophe (Chernobyl: a Hist�ria de uma Cat�strofe Nuclear, em tradu��o livre 2018). Ele tamb�m � diretor do Instituto Ucraniano de Pesquisa da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.

"A li��o mais importante que Chernobyl nos deixa � o problema de confiar demais na tecnologia — as pessoas acreditavam que um acidente daquela escala era imposs�vel mesmo ap�s ter ocorrido — e tamb�m que uma cultura que nega evid�ncias cient�ficas e � baseada em mentiras e sigilo n�o � segura para ningu�m", afirma Adam Higginbotham, autor de Midnight in Chernobyl (Meia-noite em Chernobyl, em tradu��o livre, 2019), que re�ne testemunhos sobre o desastre.

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