
O Afeganist�o, pa�s localizado no centro da �sia, enfrenta neste momento grave crise pol�tica ap�s o grupo que tomou conta do pa�s na d�cada de 90, o Talib�, voltar a atacar novamente a regi�o.
Os terroristas invadiram a capital do pa�s, Cabul, e tomaram o poder do estado, fazendo com que o presidente afeg�o, Ashraf Ghani, fugisse do pa�s durante a ofensiva no �ltimo domingo (15/8).
Em ato hist�rico, os Estado Unidos come�aram a retirada de suas tropas e avi�es foram enviados at� o Afeganist�o para resgatar diplomatas e cidad�os estadunidenses que estavam no pa�s durante a ofensiva.
“� hora de acabar com a guerra mais longa da Am�rica”, disse Joe Biden, presidente dos EUA, em pronunciamento no dia 14 de abril sobre o conflito que dura 20 anos no pa�s do Oriente M�dio. O que n�o se esperava era a tomada t�o abrupta por parte do grupo extremista, obrigando assim, o governo estadunidense a sair �s pressas.
A guerra no pa�s durou duas d�cadas, custou a vida de centenas de milhares de cidad�os e soldados afeg�os, e milhares de militares norte-americanos enviados ao pa�s. Mais de 2 trilh�es de d�lares em gastos governamentais foram usados para sustentar a interven��o dos EUA no pa�s.
A repercuss�o internacional foi imensa em meio ao assunto e com isso, os olhos do mundo voltaram sua aten��o para a nova investida do grupo terrorista no pa�s.
Mas como explicar o que est� acontecendo no Afeganist�o sem que as informa��es cheguem de forma atravessada? A reportagem resolveu criar uma cronologia hist�rica dos fatos. Para isso, ouviu o professor de rela��es internacionais da Universidade Federal de Uberl�ndia (UFU) Aureo de Toledo Gomes.
Gomes � mestre no assunto relacionado ao Afeganist�o pela Universidade de S�o Paulo (USP), onde estudou o colapso e a reconstru��o de estados falidos, usando o caso do pa�s da �sia Central como principal motor de sua pesquisa.
Mas para falar do Afeganist�o � preciso voltar para o s�culo 19.
Guerras Anglo-afeg�s 1839-1919
O professor Aureo de Toledo Gomes explica que a forma��o do pa�s se d� em 1747, por meio da monarquia Durrani, encabe�ado pelo monarca Ahmad Shah Durrani.
Passando por in�meros desafios, desde o ataque de imp�rios persas at� o imp�rio mongol, o primeiro grande conflito com a Inglaterra se d� entre os anos 1839 e 1842, quando � instaurada a primeira guerra Anglo-afeg�.
A disputa no local era por territ�rio, poder e influ�ncia na �sia Central. O Afeganist�o ficava em pontos chaves para a coroa brit�nica que disputava o ambiente com a R�ssia czarista, o que levou o pa�s europeu a disputar a localiza��o pelo estado afeg�o.
Entre 1878 e 1880, acontece a segunda guerra Anglo-afeg�, onde a conquista pelo territ�rio continua sendo a principal motiva��o para o conflito.
Em 1919 � iniciada nova disputa que se encerra no mesmo ano, onde os afeg�os conseguem determinada independ�ncia e apoio de atores internacionais influentes.
“O Afeganist�o, em meio a esses dois imp�rios, era considerado um estado tamp�o, ent�o, para se ter uma no��o, durante muito tempo a pol�tica externa do Afeganist�o era ditada pela Inglaterra. Isso est� documentado, formalizado inclusive. Ent�o voc� tem essas guerras Anglo-afeg�s que depois de encerradas v�o culminar na independ�ncia do pa�s”, explica o professor de rela��es internacionais.
Desde a sua origem e por conta de sua geografia, o Afeganist�o por ser cercado por grandes imp�rios desde o seu nascimento teve in�meros desafios. Ou seja, o pa�s tem em seu hist�rico uma grande interfer�ncia de fatores e agentes externos.
Nova constitui��o e voto feminino 1960-1973
Ap�s a 1ª e 2ª Guerras Mundiais, a tomada dos partidos comunistas atrav�s da revolu��o Russa que derrubou o czarismo transformando a R�ssia na Uni�o da Rep�blicas Socialistas Sovi�ticas (URSS), foi poss�vel a retirada de tratados que firmavam acordos entre o governo czarista e ingl�s, que formalizavam o dom�nio desses imp�rios sobre a regi�o do Afeganist�o.
Gomes explica que esse Afeganist�o mais “moderno” dessa �poca vai ser resultado de uma s�rie de governos que puderam ent�o, tomar conta de fato do poder afeg�o. A partir dessa nova independ�ncia � poss�vel observar um car�ter pol�tico liberal onde reformas passam a acontecer no pa�s e direitos como o voto das mulheres passam a ser levados em considera��o.
Esse per�odo de 1963 e 1973 foi conhecido no pa�s como “Nova Democracia”. � nele que � criada a constitui��o de outubro de 64.
“Nesse tempo o governo vigente era uma monarquia, ali foi criada a c�mara do povo e a c�mara dos anci�os onde uma parcela era eleita pelo povo e a outra indicada pelo rei. Uma s�rie de reformas que levam a constru��o de direitos de participa��o e representa��o pol�tica pela monarquia do rei Zair X� acontecem”, completa o cientista pol�tico.
Foram anos turbulentos. Muitas dessas reformas iam colidindo com regi�es mais conservadoras do estado afeg�o, que resistiam a essas mudan�as. Esse confronto de liberais do governo, comunistas e mul�umanos, acabou resultando no governo do presidente Dahoud Khan, que assume o pa�s em 1973.
Relev�ncia do partido comunista e a guerra 1973-1979
De 1973 at� 1978, Dahoud Khan assume o poder e se declara presidente, 1º ministro, ministro da defesa e ministro de rela��es interiores. Nessa �poca � instaurada o come�o da rep�blica Afeg�.
As principais metas de Khan, segundo o especialista da UFU, eram de acabar com as influ�ncias dos grupos religiosos porque, de acordo com o l�der afeg�o, eles representavam um entrave para a moderniza��o do pa�s.
Al�m dos grupos religiosos, haviam quest�es pol�ticas e territoriais para resolver com o pa�s vizinho, Paquist�o – e a base de apoio entre os partidos de centro-esquerda e comunistas, que apoiaram Khan at� o ano de 1977.
“Em 77, ele abandona os comunistas e come�a a buscar apoio na direita, e aqui � importante observar o contexto hist�rico. O final da d�cada de 70 registra o momento de pr�-revolu��o iraniana, os Estados Unidos tinham muita influ�ncia no Ir�”, explica o professor.
Em 73, Khan acaba com a monarquia, em 77 encerra o pacto com os comunistas e isso gera uma insatisfa��o nos partidos � esquerda, que em 1978 tomam o poder e assassinam toda a fam�lia do Dauhd Khan, com apoio de seu primo Mohammed Khan.
Com novo governo e as novas propostas, Gomes aponta como a sociedade civil como um todo foi de encontro a essas novas reformas.
“Esse novo governo queria impor uma s�rie de medidas ao pa�s que colidiam com o car�ter da sociedade: ideias de reforma agr�ria, mudan�a na lei do casamento e educa��o, acabaram criando ru�dos com a popula��o”, comenta o professor.
Isso acaba enfraquecendo o governo e, em 1979, a Uni�o Sovi�tica acaba invadindo o pa�s para tentar segurar a situa��o no local.
Chegada do poder do partido PDPA e a guerra 1979-1989
O Partido Democr�tico do Povo Afeganist�o (PDPA) assume o poder com apoio da URSS, em paralelo a motiva��o que eles usavam para essa tomada era o temor de que a Revolu��o Isl�mica do Ir� chegasse at� o Afeganist�o, podendo assim, suprimir as pr�ticas isl�micas religiosos no pa�s afeg�o.
Importante ressaltar que o islamismo sunita predomina no Afeganist�o, enquanto o xiita � mais forte no Ir�.
Esse medo da Uni�o Sovi�tica ocorreu e porque o Ir� havia instaurado uma revolu��o teocr�tica no pa�s. Os russos, vendo isso, temiam que no Afeganist�o ocorresse algo semelhante.
“A pr�pria Uni�o Sovi�tica estava receosa das reformas que estavam sendo feitas. Eles tinham conselheiros para dar orienta��o para o PDPA que possu�am uma rela��o estreita com Moscou, entorno disso houve uma diverg�ncia entre o PDPA e os sovi�ticos. Foi a� que o governo de Cabul perdeu o controle da situa��o e com isso, alarmada com toda a situa��o, a URSS resolve invadir o pa�s”, explica.
Envolta dessa instabilidade pol�tica o governo russo tamb�m tinha certa preocupa��o com o apoio que o Paquist�o dava a grupos religiosos afeg�os. “Tudo isso motivou a Uni�o Sovi�tica a invadir, a luz dessa conjuntura pol�tica e assim come�ar a guerra dentro do Afeganist�o”.
Talib�, drogas e crise humanit�ria pol�tico social 1980-2021
Com a guerra instaurada, os Estados Unidos veem uma oportunidade para enfraquecer a Uni�o Sovi�tica durante o conflito b�lico e come�am a armar por meio da CIA, grupos majoritariamente religiosos e de extrema ideologia pol�tica.
Os norte-americanos, juntos de paquistaneses e sauditas, come�am um financiamento estrat�gico que tem como principal objetivo minar as atividades de guerrilha da URSS dentro do Afeganist�o.
Mas para entender o Talib� � preciso compreender a resist�ncia Mujahiden. Essa resist�ncia armada, liderada por campos pol�ticos da sociedade afeg�, � dissipada em v�rias organiza��es que s�o conhecidas como “Senhores da Guerra”, que s�o lideradas por indiv�duos com for�a pol�tica religiosa.
Os Mujahiden s�o de etnias diferentes, s�o denominados entre os Pashtoons, Azaras e o Talib�.
“Em 1989 a URSS deixa o pa�s pois estava gastando demais, e nessa �poca o Talib� j� existia. Em retrospecto, esses grupos origin�rios do Mujahiden n�o tinham como se organizar porque a �nica coisa em comum que eles possu�am, era o enfrentamento � Uni�o Sovi�tica”, explica o professor.
� entre os anos de 1992 a 1996 que come�a uma guerra civil, sendo o ano de 1994 o pior para o Afeganist�o.
“Estava tudo destru�do, a popula��o extremamente desgastada e nesse momento em que os grupos estavam digladiando e ningu�m conseguia tomar o poder, aconteceu o Talib�”, explica.
Gomes aponta que h� algumas lendas que explicam a cria��o do Talib�. Uma delas � a de que em uma ocasi�o um Senhor da Guerra de um dos grupos pol�ticos do Mujahiden havia estuprado e matado tr�s garotas, e com isso uma como��o em volta do caso foi gerada.
“Talib� � natural da palavra ‘talib’ que significa estudante, ent�o um homem chamado Mohammed Omar juntou alguns homens ligados a outros grupos religiosos, pegou 16 rifles e assim, mataram o Senhor da Guerra”, conta o professor da UFU.
Um outro caso registrado seria o de um menino que estava sendo torturado, e mais uma vez quem praticou o ato de vingan�a contra os abusadores, teria sido o Mohammed Omar, l�der do Talib�. Isso gerou uma como��o nacional, segundo Gomes.
“Em um ambiente muito desgastado a popula��o pensou ‘olha s� esses caras est�o fazendo alguma diferen�a’, a mensagem deles era de reeslamizar o Talib�”, e isso come�ou a chamar a aten��o de agentes externos como o Paquist�o que tinham interesses produtivos no pa�s, comenta o professor. Esses interesses come�aram a ser atendidos pelos homens do Talib� que come�aram a agir em transfer�ncias externas, com inje��o financeira paquistanesa, e ao inv�s de ser um grupo de estudantes que queriam dar novas caracter�sticas religiosas para o Afeganist�o, passaram a ser um grupo armado forte.
“Com isso, eles passaram a crescer e em 1996, eles tomam Cabul”, explica o professor.
Em seu auge, o Talib� chegou a tomar conta de quase 90% de todo territ�rio afeg�o.
Tudo isso muda em 11 de setembro de 2001 quando ocorre o maior ataque terrorista aos Estados Unidos, onde dois avi�es colidem com as Torres G�meas.
Os EUA encaram o Afeganist�o como alvo, pelo fato de o pa�s dar suporte ao Osama Bin Laden e � Al-Qhaeda para atuar a partir do pa�s afeg�o.
“Os Estados Unidos entram no Afeganist�o para pegar a Al-Qhaeda e o Bin Laden, eles n�o entram com o intuito de reconstruir ou ajudar o pa�s”, explica Gomes.
Essa guerra que durou duas d�cadas gerou gastou exorbitantes para o pa�s, segundo Gomes, para os Estados Unidos equipar pelo menos um soldado estadunidense � preciso gastar em volta de 17 mil d�lares.
Com a ca�ada a Osama declarada, em meio ao confronto � discutido acordos de paz que n�o agradam grande parte do povo afeg�o e em 2004 � criado uma nova constitui��o que d� ao pa�s um car�ter de estado unit�rio, aqui alguns direitos para a popula��o feminina s�o promulgados, mas ainda assim s�o poucos.
Com as repercuss�es dos esc�ndalos divulgados pelo site Wikileaks em 25 de julho de 2010, a guerra no Afeganist�o mostra que a disputa acontece muito mais pelo lucro e interesse das ind�strias que envolvem a guerra, do que a reestrutura��o de um pa�s.
Uma das informa��es centrais do conflito, para o professor da UFU, s�o as drogas. Durante muito tempo o Afeganist�o foi o maior produtor de �pio do mundo, droga essa que gera a pasta de hero�na.
Uma das curiosidades dessa parte que envolvem o mercado do tr�fico no Afeganist�o � que de 1996 a 2001 o Talib� incendiou in�meras planta��es de �pio pelo pa�s.
“O que chama a aten��o, � que para reconstruir � preciso oferecer uma oportunidade para as pessoas, e que oportunidade foi oferecida? Nenhuma”, comenta Gomes.
Modera��o
Modera��o
Hoje em dia discute-se que o Talib� esteja mais moderado e se atores internacionais como a China conseguir�o moder�-lo. No entanto, para Gomes, � preciso cuidado.
Ele conta que para isso � necess�rio lembrar algumas a��es realizadas contra as mulheres e minorias durante o per�odo de 1996 e 2001.
“O Talib� criou algo como um departamento de promo��o da virtude e preven��o do v�cio. Tal �rg�o realizou uma s�rie de decretos que proibiam mulheres de realizar uma s�rie de atividades”, comenta Gomes.
Uma dessas v�rias atividades seriam o banimento do trabalho feminino fora de casa, proibiam que as mulheres sa�ssem de casa a n�o ser que estivessem acompanhadas de um homem.
Al�m disso, elas estavam proibidas de qualquer tipo de acesso � educa��o, seja em escolas, universidades e outros tipos de institui��es – uso obrigat�rio da burca, a�oitamento, espancamento e repreens�o verbal e p�bica.
“Segundo o porta-voz do Talib� � �poca, al�m da dificuldade em garantir a seguran�a das mulheres, outro grande motivo para que a educa��o feminina fosse restringida era a deque o pa�s n�o tinha condi��es financeiras para realizar tal empreitada”, afirma o pesquisador.
Em rela��o a perspectiva dos direitos humanos, visto que milhares est�o tentando fugir do pa�s, lotando aeroportos e at� mesmo pessoas caindo dos avi�es, Gomes comenta que o pa�s vai precisar de muita ajuda.
“Eu li algo que me chocou muito, tradutores que trabalharam para o Estados Unidos est�o tendo dificuldades para conseguir ir embora. O que eu acho dessa quest�o dos direitos humanos � que ser� preciso vigil�ncia, os refugiados ir�o precisar de tratamento digno. A situa��o agora � de incerteza, voc� tem voltando ao poder um grupo que tem as piores pr�ticas em rela��o aos direitos humanos”, explica o professor da UFU.