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Estado de Minas DRAMA

Os relatos de brasileiros que sobreviveram em ilha e no alto-mar ap�s naufr�gio na Guiana Francesa

Ao menos 17 pessoas seguem desaparecidas 20 dias ap�s um barco naufragar quando transportava ilegalmente passageiros do Amap� � Guiana Francesa


17/09/2021 07:14 - atualizado 20/09/2021 12:39


Rota ilegal por meio de embarcações é usada para entrada clandestina na Guiana Francesa
Rota ilegal por meio de embarca��es � usada para entrada clandestina na Guiana Francesa (foto: NILTON CECCON/DNIT)

Aten��o: O texto cont�m detalhes que podem ser considerados perturbadores

Ao menos 17 pessoas seguem desaparecidas 20 dias ap�s um barco naufragar quando transportava ilegalmente passageiros do Amap� � Guiana Francesa.

Quatro brasileiros que sobreviveram ao acidente passaram dias em alto-mar at� serem encontrados. Tr�s homens nadaram at� uma ilha deserta, onde fizeram uma jangada para atravessar at� o continente, e uma mulher ficou dias flutuando antes de ser achada nas proximidades de um porto ( leia mais abaixo ).

Autoridades guianesas tamb�m localizaram corpos de tr�s poss�veis v�timas do acidente, mas eles ainda n�o foram identificados.

O barco deixou o munic�pio de Oiapoque (AP) em 28 de agosto rumo a Caiena, a maior cidade da Guiana Francesa. A previs�o era de que o trajeto durasse cerca de seis horas, mas a embarca��o afundou em �guas guianesas em alto-mar.

Segundo autoridades locais, havia na embarca��o 24 pessoas, dos quais 17 homens e sete mulheres.

Muitos passageiros eram brasileiros que buscavam trabalhar no territ�rio ultramarino franc�s — alguns deles em garimpos de ouro. Tamb�m havia dois haitianos no grupo.

Na �ltima sexta-feira (10/9), a Pol�cia Federal prendeu no Amap� dois homens brasileiros acusados de agenciar a viagem.

A delegada da PF Janine Henrique Bastos diz � BBC News Brasil que os passageiros buscavam trabalhar na Guiana Francesa por um tempo para juntar dinheiro.

Busca por oportunidade

A busca por oportunidades no territ�rio franc�s por brasileiros se intensificou a partir dos anos 1980 e atrai principalmente moradores do Amap�, Par� e Maranh�o.

Os acidentes com brasileiros que tentam entrar no territ�rio vizinho de forma clandestina ocorrem h� cerca de 20 anos, diz o professor de Ci�ncias Sociais Manoel de Jesus de Souza, da Universidade Federal do Amap� (Unifap). Ele avalia que isso acontece, principalmente, em raz�o das dificuldades para viajar legalmente � Guiana Francesa.

Ele diz que � mais f�cil para um brasileiro viajar � capital francesa, Paris, do que � vizinha Guiana Francesa. "Brasil e Fran�a t�m uma boa rela��o, mas essa boa rela��o acaba quando o assunto � a Guiana Francesa", afirma o professor.


Carlos Almeida e a esposa Karine Oliveira (ao centro) ao lado da mãe dela, Jeane: os três estão desaparecidos em naufrágio
Carlos Almeida e a esposa Karine Oliveira (ao centro) ao lado da m�e dela, Jeane: os tr�s est�o desaparecidos em naufr�gio (foto: Arquivo pessoal)

Souza, que estuda a migra��o de brasileiros para a Guiana Francesa desde 2004, explica que para voar at� Paris, brasileiros s� precisam apresentar o passaporte, n�o sendo necess�rio tirar visto. J� a entrada na Guiana Francesa exige a obten��o de visto, emitido pela embaixada francesa em Bras�lia.

"� um protocolo muito grande, quase imposs�vel. � preciso investir muito para chegar � Guiana Francesa de forma legal", afirma.

No atual contexto, a entrada de forma legal no territ�rio vizinho se torna ainda mais dif�cil porque a fronteira entre o Brasil e a Guiana Francesa est� fechada por causa da pandemia. Desde ent�o, s� pessoas com passaporte franc�s e familiares podem acessar o territ�rio.

Para muitos, a �nica op��o � se arriscar em viagens de barcos clandestinos. As embarca��es partem do rio Oiapoque at� sua foz e, ao chegar ao Atl�ntico, seguem pela costa at� Caiena.

A reportagem apurou que o valor da viagem costuma variar conforme a quantidade de carga que a pessoa levava. A cobran�a come�a por volta de R$ 1 mil.

Trabalho em garimpos

A embarca��o que naufragou em 28 de agosto estava sendo usada pela primeira vez, diz a delegada Bastos. Segundo ela, o barco, conhecido na regi�o como catraia, n�o era apropriado para a navega��o no mar, "muito menos para a quantidade de pessoas e mercadorias presentes".

Para aqueles que se aglomeravam na embarca��o para o garimpo, a viagem representava a busca por recursos para uma vida melhor. Uma dessas pessoas era Maria da Concei��o Silva, de 57 anos, que, segundo os parentes, havia se preparado para aquele momento por dois meses.

De acordo com a fam�lia, ela j� havia trabalhado em outros garimpos, inclusive na Guiana Francesa — mas nas outras vezes seguiu por caminhos terrestres.


Maria da Conceição queria juntar dinheiro no garimpo para construir quitinetes
Maria da Concei��o queria juntar dinheiro no garimpo para construir quitinetes (foto: Arquivo pessoal)

"Era a primeira vez que ela faria a travessia pelo mar", diz a contabilista Ana Clara Silva, uma das filhas da mulher.

Os familiares relatam que Maria queria trabalhar como cozinheira no garimpo e tamb�m planejava vender mercadorias, como roupas e cosm�ticos, na regi�o.

O objetivo dela, que morava em Boa Vista (RR), era conseguir dinheiro para construir quitinetes. "Essa seria a aposentadoria da minha m�e", afirma Ana Clara.

Na mesma embarca��o estavam Carlos Almeida, de 22 anos, e Karine Oliveira, de 18. O casal sonhava em comprar o primeiro im�vel. Eles moravam em uma casa de um parente, em Turil�ndia, no Maranh�o, e queriam conquistar uma resid�ncia pr�pria.

Os familiares contam que Carlos pediu R$ 2 mil a um tio e disse que iria para a Guiana Francesa. Ele n�o tinha experi�ncia com garimpo, mas, segundo os parentes, a companheira dele tinha familiares que j� haviam trabalhado nessa �rea.

O casal seguiu para a Guiana Francesa junto com a irm� dela, J�ssica, de 22 anos, e a m�e, Jeane, de 43.

"Eles acreditavam que l� (na Guiana Francesa) ganhariam muito bem. Foram iludidos e largaram tudo aqui. A gente ficou sabendo s� no dia em que eles embarcaram que estavam indo pra l�. Nos dias seguintes, come�ou um boato sobre o acidente e a fam�lia come�ou a se desesperar, mas a gente s� soube mesmo que tinha acontecido depois de oito dias", diz a esteticista Ivanilde Almeida, tia de Carlos.

Os sobreviventes

Segundo a delegada, o barco aportou em uma ilha no meio do caminho, porque o mar estava revolto durante a viagem.

"Eles seguiram viagem e, chegando perto de Caiena, o mar estava mais agitado ainda. E a�, pela quest�o de estar pesada a canoa, uma onda forte fez com que ela afundasse", conta a delegada.


Acidentes com brasileiros que tentam entrar no território vizinho de forma clandestina ocorrem há cerca de 20 anos, diz especialista
Acidentes com brasileiros que tentam entrar no territ�rio vizinho de forma clandestina ocorrem h� cerca de 20 anos, diz especialista (foto: Reprodu��o Google)

Ela conta que n�o havia coletes para todos os passageiros. "Algumas pessoas se agarraram a mercadorias que flutuavam e foram levadas pelo mar", afirma.

A delegada diz que tr�s passageiros conseguiram nadar at� uma ilha deserta. L�, "sobreviveram como n�ufragos", afirma ela, e constru�ram uma jangada para tentar chegar ao continente.

Dois partiram na embarca��o improvisada e conseguiram alcan�ar Caiena, onde pediram ajuda para resgatar o passageiro que havia ficado na ilha.

Os tr�s, que n�o tiveram os nomes revelados, prestaram depoimento � pol�cia da Guiana Francesa e foram soltos.

Outra passageira agarrou uma boia e passou horas � deriva at� ser localizada por um barco de recreio num canal de acesso ao porto de Kourou, a cerca de 60 km de Caiena.

Ela foi deportada para o Brasil e dep�s � Pol�cia Federal. Em um �udio compartilhado nas redes sociais, que uma fonte confirmou � reportagem que foi gravado pela sobrevivente, a mulher relatou momentos de p�nico.

Segundo ela, come�ou a entrar muita �gua no barco durante a noite, at� que ocorreu o naufr�gio.

A sobrevivente disse ter passado dias em alto-mar. Ela contou que s� conseguia enxergar uma multid�o de �gua e n�o via nenhum sinal de terra nas proximidades.

Ela relatou que sobreviveu por causa do colete que usava no momento. Segundo a mulher, a maioria estava sem o item de seguran�a na embarca��o porque havia poucas unidades.

A sobrevivente comentou que, a princ�pio, ficou um per�odo com duas outras mulheres, uma delas era Maria da Concei��o, que tamb�m estava na embarca��o. As tr�s estavam com objetos flutuantes, segundo a sobrevivente, e se apoiavam nisso para n�o se afogar.

Em determinado momento enquanto as tr�s estavam juntas, conforme relato da sobrevivente a conhecidos, as ondas se intensificaram, as outras duas mulheres foram levadas para uma parte e a sobrevivente foi para outra.

Sozinha, a sobrevivente diz ter passado mais um per�odo em alto-mar, agarrada a uma boia. Ela relatou que gritava por socorro para que algu�m a localizasse. Segundo ela, uma lancha com franceses a localizou e a resgatou.

Em nota, autoridades guianesas citam o caso dessa sobrevivente ao relatar que avistaram "uma mulher agarrada a uma boia" dias ap�s o naufr�gio.

As outras duas mulheres que estavam junto com ela continuam desaparecidas.

"A sobrevivente me disse que quando subiu na embarca��o (ap�s ser resgatada) falou que sabia que tinha mais sobreviventes naquela regi�o, mas n�o sei o motivo de n�o terem procurado mais gente", diz Ana Clara, filha de Maria da Concei��o.

"Acho que houve um grande descaso tanto da Guiana Francesa quanto do lado do Brasil", acrescenta Ana. Ela e os parentes acreditam que Maria poderia ser encontrada nas proximidades se fizessem buscas por ela logo que localizaram a sobrevivente.

� espera de respostas

Os familiares dos ocupantes do barco vivem dias de ang�stia e desespero por informa��es sobre eles. Eles se reuniram em um grupo de WhatsApp em que relatam as dificuldades para ter respostas de autoridades francesas e cobram apoio de entidades brasileiras nas buscas.

Parentes de desaparecidos foram ao Oiapoque em busca de apoio para que possam fazer buscas mar�timas na regi�o. Por�m, n�o conseguiram autoriza��o.


Karine e Carlos (ao fundo) em foto tirada na embarcação, horas antes do naufrágio: família de casal pede apoio nas buscas após acidente
Karine e Carlos (ao fundo) em foto tirada na embarca��o, horas antes do naufr�gio: fam�lia de casal pede apoio nas buscas ap�s acidente (foto: Arquivo pessoal)

"N�s, familiares, estamos pedindo ajuda para o governo franc�s e tamb�m para o governo brasileiro. N�o podemos continuar assim sem respostas. Mesmo que eles tenham tentado entrar de forma irregular, a gente quer saber o que realmente aconteceu", afirma Ivanilde, que n�o teve nenhuma informa��o a respeito do sobrinho, da esposa dele ou das parentes dela que estavam no barco.

"A cada dia que passa a gente chora mais e mais e n�o tem quem nos acuda. N�o deixam a gente fazer buscas nas ilhas da regi�o, n�o nos autorizam a fazer nada. Eu fico nesse impasse, ligo para todos os cantos e ningu�m faz nada", assevera Ana Clara, filha de Maria da Concei��o.

"Apesar de essas pessoas estarem ali de maneira clandestina, n�o deixam de ser brasileiras. O governo brasileiro n�o faz nada. J� s�o v�rios dias sem respostas e ningu�m faz nada. E segundo as informa��es, (os guianeses) s� fizeram dois dias de buscas no mar e ficou por isso mesmo", acrescenta Ana Clara.

Segundo as autoridades guianesas, foram feitas buscas por n�ufragos em 31 de agosto e 1º de setembro. Mas n�o h� detalhes se foram feitos novos procedimentos para tentar localizar os ocupantes da embarca��o posteriormente.

Em nota, as autoridades locais afirmam que o Minist�rio P�blico de Caiena abriu um inqu�rito para apurar o caso.

At� o momento, h� a confirma��o de que, al�m dos sobreviventes, foram encontrados tr�s corpos que estavam em decomposi��o e ainda n�o foram identificados. Foram colhidos materiais gen�ticos de familiares dos ocupantes da embarca��o para descobrir as identidades das v�timas.

O governo brasileiro justifica que n�o faz buscas porque o naufr�gio foi em territ�rio franc�s.

Em nota � BBC, o Minist�rio das Rela��es Exteriores diz que, por meio de seu consulado em Caiena, acompanha o epis�dio "com aten��o e tem mantido coordena��o com as autoridades locais sobre o incidente".

"A rede consular do Itamaraty est� � disposi��o para prestar toda a assist�ncia cab�vel, respeitando-se os tratados internacionais vigentes e a legisla��o local."

Segundo estimativa do minist�rio, 72,3 mil brasileiros vivem na Guiana Francesa, que tem cerca de 294 mil habitantes.

Metade dos brasileiros que vivem no territ�rio vizinho trabalham em garimpos, enquanto a outra metade se dedica a servi�os em cidades, como carpintaria, mec�nica e constru��o, diz o professor Manoel de Jesus de Souza, que estuda o tema.

"Todos que emigram para a Guiana Francesa t�m o sonho de conseguir juntar um bom dinheiro, fazer um investimento no Brasil e mudar de vida", ele diz. Como a moeda do territ�rio � o euro, a migra��o tende a crescer em momentos de desvaloriza��o do real, como o atual.

Para Souza, o combate a acidentes nos deslocamentos exige que "o estado brasileiro esteja mais presente na regi�o, fiscalizando mais, para que a ponte (que liga o que liga o Oiapoque � Guiana Francesa, inaugurada em 2017) sirva como um modelo de integra��o e n�o s� um elefante branco no meio da floresta amaz�nica".

"Enquanto dificultarem a entrada de brasileiros, as sa�das arriscadas ser�o constantes", afirma.

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