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Estado de Minas HABILIDADES T�XTEIS

A ilha onde tricotar � tarefa dos homens

Uma ilha no lado peruano do Lago Titicaca � conhecida por suas incr�veis e ancestrais habilidades t�xteis, que s�o passadas pelos homens de gera��o em gera��o.


09/10/2021 20:51 - atualizado 10/10/2021 12:25


Homem taquilenho com seu chapéu típico
Homem taquilenho com seu chap�u t�pico; pe�as existem h� centenas de anos e s�o passadas de gera��o em gera��o (foto: hadynyah/Getty Images)

Na min�scula ilha peruana de Taquile, o valor de um homem n�o � medido por sua habilidade de ca�ar ou pescar, mas de tecer.

Alejandro Flores Huatta, de 67 anos, nasceu nesta ilha de 1,3 mil habitantes no lado peruano do lago Titicaca, a uma dist�ncia de tr�s horas de carro a partir de Puno, a cidade mais pr�xima. Flores aprendeu a tecer ainda crian�a, sendo ensinado por seu irm�o mais velho e por seu av�, usando espinho de cacto como agulha.

"A maioria das pessoas aprende olhando. Como n�o tive pai, aprendi assistindo (meu irm�o e meu av�), pouco a pouco", ele diz no idioma quechua.

Taquile � famosa por seus produtos t�xteis. As mulheres costumam tran�ar o tecido e cuidar das ovelhas que proveem a l�, enquanto os homens s�o respons�veis por produzir os gorros tecidos da ilha. Esses gorros, os chullos , s�o donos de um significado cultural e t�m um papel crucial na estrutura social da ilha: permitem aos homens demonstrar sua criatividade al�m de identificar seu status marital, seus sonhos e aspira��es. Alguns servem at� para representar o estado de �nimo.

� uma tradi��o que a popula��o local se esfor�a para preservar.

A ilha esteve relativamente isolada at� os anos 1950, o que contribuiu para manter suas heran�as culturais e modo de vida intactos. Os locais seguem o mantra quechua de " Ama sua, ama llulla, ama qhilla ", ("n�o roube, n�o minta, n�o seja pregui�oso"). Os taquilenhos s�o, tradicionalmente, agricultores: as seis comunidades da ilha se alternam entre cultivos de batata, milho, feij�o e cevada em encostas nas montanhas. Tamb�m criam ovelhas, porquinhos-da-�ndia, galinhas e porcos em terra, enquanto pescam nas �guas.

O turismo come�ou a deslanchar nos anos 1970, dando aos locais uma fonte de renda - s�o milhares de visitantes anualmente para as aldeias e para o lago. Esses visitantes geralmente se hospedam com os locais em acomoda��es simples, gerenciadas por fam�lias, participam das colheitas e experimentam especialidades locais, como truta frita com batata e arroz, feij�o e ch� de menta. Tamb�m compram as famosas pe�as t�xteis feitas a m�o.


Alejandro Flores com seu chullo e a lã usada para produzi-lo
Alejandro Flores com seu chullo e a l� usada para produzi-lo; como os demais homens da ilha, ele aprendeu a t�cnica observando os mais velhos (foto: Romel Velasquez)

Em 2005, a arte t�xtil de Taquile foi considerada patrim�nio cultural intang�vel pela Unesco, bra�o da ONU para cultura e educa��o. Alejandro Flores � um entre sete homens da ilha reconhecidos como Mestre de T�xteis, junto ao presidente da ilha, Juan Quispe Huatta.

A tradi��o existe h� cerca de 500 anos, com ra�zes nas civiliza��es antigas dos incas, pukaras e collas. Os incas, em particular, usavam adere�os na cabe�a de modo similar os chullos taquilenhos, para representar a ins�gnia de sua prov�ncia espec�fica - mas as similaridades param por a�. Os chullos taquilenhos e os adere�os incas s�o bastante diferentes entre si. Os mais velhos da ilha dizem que o desenho do chullo chegou com os conquistadores espanh�is em 1535, e o av� de Flores contava a ele hist�rias de conquistadores usando chap�us similares, "mas n�o com os mesos padr�es ou s�mbolos".

Meninos taquilenhos aprendem a tecer a partir dos 5 ou 6 anos, e o aprendizado � passado pelos mais velhos � gera��o seguinte. O primeiro chullo feito pelos meninos � branco, e mais tarde ele come�a a usar l� de ovelha tingida com plantas e minerais locais, em um m�todo que � refinado at� que ele domine a t�cnica. � um processo lento - at� mesmo os mais experientes gastam quase um m�s para produzir um chullo, por conta dos intrincados padr�es e da iconografia espec�fica, que reflete quest�es agr�colas, sazonais e familiares.

Os chullos tamb�m t�m um papel-chave em unir jovens casais. Os homens s�o escolhidos com base em sua habilidade em tecer com �xito um chullo com pequenas agulhas. Atualmente, alguns homens usam at� os raios de rodas de bicicleta no processo. "Eles s�o bons para se tecer", diz Flores. "S�o finos e n�o quebram com facilidade."

Segundo ele, um "bom partido" � um homem capaz de fazer um chullo de fios t�o pr�ximos que seja capaz de armazenar �gua quando virado de cabe�a para baixo. Flores diz, com orgulho, que seu chullo conseguiria reter �gua por at� 30 minutos sem deixar escorrer nenhuma gota, algo que teria impressionado sua mulher, Teodosia Marca Willy, quando eles se conhecerem, 44 anos atr�s.

"Aparentemente ela viu �timas habilidades no meu chullo . Eu era um �timo tricoteiro", ele diz.

"As garotas procuram os melhores chullos . Quem tem um bom chap�u tem mais chances de conseguir uma namorada mais r�pido", agrega Juan, explicando que costuma ser um espet�culo comunit�rio o momento em que um futuro sogro verifica a habilidade tricoteira de seus potenciais genros.

Embora cada chullo seja t�o �nico quanto quem o produziu, a iconografia e as cores costumam se repetir. H� uma rosa de seis p�talas, em refer�ncia �s seis comunidades da ilha; h� p�ssaros como a gar�a-vaqueira e o condor e animais como a ovelha, al�m de s�mbolos agr�colas. A l� vermelha representa carnificinas ocorridas no passado, e o azul � homenagem a Mama Cocha, como os locais se referem ao lago que d� sustento � comunidade.


Lago Titicaca
Taquile fica do lado peruano do Lago Titicaca e passou bastante tempo isolado da civiliza��o (foto: Kevin Schafer/Getty Images)

Embora os noivos produzam seus pr�prios chullos , os usados no casamento s�o presenteados a eles por seus padrinhos, como uma esp�cie de inicia��o � vida adulta.

"S� um homem que tricota um chullo muito bom pode ser chamado de homem", diz Flores.

Os chullos continuam mudando ao longo da vida de um homem, dependendo de seu status - quando ele casa ou se separa ou quando ele muda de posi��o na hierarquia comunit�ria. "Quando algu�m se torna um l�der, uma autoridade, e � considerado um anci�o (...) precisa mudar a cor do chullo , usar um diferente", afirma Juan.


Mulheres tecendo os chumpis
Enquanto os chullos cabem aos homens, as mulheres produzem os chumpis (foto: hadynyah/Getty Images)

J� as mulheres costumam tecer os coloridos chumpis , cintos que s�o apresentados a seu noivo no dia de seu casamento. O processo � profundamente pessoal: o cabelo da mulher � costurado no cinto, em sua camada interna.

No caso de jovens solteiros, o interior de seu chumpi cont�m cabelo de suas m�es.

As ilustra��es nos cintos costumam espelhar as dos chullos e s�o espec�ficas de cada fam�lia ou parte da ilha.

Os chumpis tamb�m costumam ser chamados de "cintos calend�rios", com 12 pain�is que representam os 12 meses do ano. "Nossa iconografia sempre foi a mesma", diz Juan. "� �nica no mundo e vem de nossos ancestrais. (...) Quando vemos um amigo, prestamos aten��o a seu cinto, que nos diz de seus planos, por sua iconografia e cores".

A habilidade feminina dos chumpis tamb�m � passada de gera��o em gera��o, explica Teodosia. Al�m disso, os cintos t�m um prop�sito funcional, como apoio �s costas durante o trabalho manual de semeadura e agricultura das colheitas ou do cuidado com as ovelhas.


Alejandro Flores e sua mulher Teodosia
Alejandro Flores e sua mulher Teodosia: decis�es comunit�rias s�o tomadas em conjunto, dizem eles (foto: Romel Velasquez)

A cultura taquilenha � um tanto progressista: tanto Flores quanto sua mulher s�o considerados autoridades na ilha, compartilhando a responsabilidade da tomada de decis�es.

"Ambos estamos no comando, sempre trabalhamos juntos e decidimos juntos", Teodosia diz. "Um homem n�o lidera sozinho. Precisa de sua mulher. Nos tempos antigos tamb�m era assim."

Embora a ilha esteja isolada da civiliza��o, n�o foi poupada da covid-19. A ilha foi completamente fechada para visitantes durante 12 meses, cortando uma importante fonte de recursos para os moradores e for�ando-os a depender exclusivamente de sua pr�pria agricultura. Ironicamente, os efeitos da pandemia j� s�o representados nos chullos sendo feitos pelas gera��es mais jovens. Juan explica que, recentemente, um menino tricotou a imagem de um c�rculo com os "spikes" do coronav�rus.

Para Alejandro Flores, Juan e os demais tricotadores de Taquile, as mudan�as recentes fazem com que seja ainda mais importante preservar a cultura e as tradi��es locais, sobretudo porque seu dialeto da l�ngua quechua n�o � escrito. Ambos os homens j� passaram as habilidades adiante para seus filhos.

"Temos muito conhecimento de nossos ancestrais, e preciso ajudar (os mais jovens) a entender que isso deve estar sempre na nossa mente, na nossa consci�ncia, porque s�o conhecimentos e sabedorias que n�o podem ser esquecidos", diz Juan. "Se os tempos modernos est�o vindo, precisamos aceit�-los, mas sem esquecer nossa origem."

No fim, Alejandro Flores acrescenta: "Um homem que n�o tece n�o � um homem".

  • Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no BBC Travel .

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