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Estado de Minas INTERNACIONAL

Pena de morte: os conservadores que querem abolir essa senten�a nos EUA

Em entrevista � BBC News Brasil, deputados republicanos explicam por que lutam para p�r fim � pr�tica; longo per�odo entre condena��o e execu��o, sofrimento das fam�lias das v�timas e falhas na Justi�a est�o entre alguns motivos.


04/11/2021 20:39 - atualizado 04/11/2021 20:39

Maca para pena de morte
Longo per�odo entre condena��o e execu��o � um dos motivos para p�r fim � pena de morte, argumentam republicanos (foto: Getty Images)
Foi um encontro com uma eleitora que levou o deputado estadual americano Lowry Snow, de Utah, a mudar de posi��o em rela��o � pena de morte.

 

Em um Estado fortemente conservador, onde seu partido, o Republicano, controla o governo e as duas Casas do Legislativo, Snow sempre votou contra propostas para abolir ou restringir o uso desse tipo de senten�a.

Mas, em 2017, ele recebeu um pedido inusitado: Sharon Weeks, cuja irm� e a sobrinha haviam sido assassinadas brutalmente em um dos crimes mais not�rios de Utah, queria se reunir com ele.

 

Em 1984, a irm� de Weeks, Brenda Lafferty, ent�o com 24 anos de idade, foi espancada, estrangulada e teve a garganta cortada por seus cunhados, Ron e Dan Lafferty. Sua filha beb�, Erica Lafferty, de 15 meses de idade, foi degolada.

 

No ano seguinte ao crime, Dan Lafferty foi condenado � pris�o perp�tua, que cumpre at� hoje. Seu irm�o, Ron Lafferty, foi condenado � morte. Mas quando Weeks se reuniu com Snow, 33 anos depois do crime, Ron Lafferty ainda n�o havia sido executado, apesar de j� ter sido sentenciado � morte em dois julgamentos separados.

 

"A partir da nossa conversa, comecei a ver uma perspectiva que jamais havia considerado, aquela do trauma das fam�lias das v�timas", diz Snow � BBC News Brasil.

 

Weeks explicou ao deputado por que a pena de morte n�o havia trazido conforto nem Justi�a para sua fam�lia. O Estado havia prometido que, nesse caso, receber Justi�a significava a execu��o de Ron Lafferty. Mas, mais de tr�s d�cadas depois, Weeks e seus pais continuavam esperando, e a promessa ainda n�o havia sido cumprida.


Lowry Snow
Deputado estadual republicano Lowry Snow passou a se opor � pena de morte depois de ouvir relatos das fam�lia das v�timas (foto: CORTESIA/Rep. Lowry Snow)

A cada novo desenrolar do caso, a fam�lia era obrigada a reviver a dor do crime e a ver o autor dos assassinatos quase transformado em celebridade com a intensa cobertura da imprensa.

 

"Ela falou sobre o que a fam�lia teve de enfrentar, e ainda enfrentava, com as in�meras apela��es (de Ron Lafferty) � Justi�a, audi�ncias, novo julgamento. E, durante isso tudo, a ansiedade de n�o saber se algum detalhe t�cnico poderia livr�-lo (da morte ou mesmo da pris�o)", lembra o deputado.

 

Para Weeks, diante da demora do Estado em levar a execu��o a cabo, a pris�o perp�tua teria sido prefer�vel, porque assim daria o caso por encerrado e o sentimento de Justi�a cumprida, sem prolongar a dor da fam�lia por d�cadas.

Ron Lafferty nunca foi executado. Ele acabou morrendo na pris�o em 2019, de causas naturais, 35 anos depois de ter cometido o crime e recebido a senten�a.

 

Seu caso n�o � incomum. Segundo o Centro de Informa��es sobre Pena de Morte, que compila dados sobre a pr�tica, mais da metade dos cerca de 2,5 mil condenados � essa senten�a nos Estados Unidos a receberam h� mais de 18 anos. Muitos passam d�cadas no corredor da morte.


Jean Schmidt
A deputada estadual republicana Jean Schmidt � autora de projeto de lei para abolir a pena de morte em Ohio (foto: CORTESIA/Rep. Jean Schmidt)

Apoio em queda

Desde que ouviu o relato de Weeks e sua fam�lia, Snow passou a defender o fim da pena de morte. Ele agora est� finalizando um projeto de lei, que deve apresentar � C�mara Estadual no in�cio de 2022, para substituir a senten�a por pris�o perp�tua.

 

Snow � um entre mais de 40 senadores e deputados estaduais republicanos em pelo menos 10 Estados que recentemente apresentaram ou foram coautores de projetos de lei para abolir, restringir ou, em alguns casos, reformar a pena capital. A puni��o � legal em 27 dos 50 Estados americanos.

 

V�rias das propostas pro�bem que determinadas categorias de pessoas recebam a senten�a, desde aquelas com doen�a mental grave at� c�mplices que tiveram papel pequeno no crime.

Outras buscam impedir que inocentes sejam executados, com medidas como proibir pena de morte quando a evid�ncia contra o r�u for o depoimento de uma �nica testemunha.

 

No in�cio deste ano, a Virg�nia se tornou o 23º Estado do pa�s — e o primeiro do Sul — a abolir a senten�a, em uma decis�o considerada hist�rica e que foi aprovada gra�as ao apoio de alguns republicanos � maioria democrata.

 

Em 2015, o Nebraska j� havia gerado manchetes ao redor do pa�s ao se tornar o primeiro Estado conservador (governado pelo Partido Republicano e com maioria de legisladores republicanos) a abolir a pena de morte em mais de 40 anos. A decis�o, no entanto, acabou sendo revertida ap�s consulta popular.

 

O movimento de legisladores republicanos contra a pena capital representa uma mudan�a em rela��o � posi��o hist�rica do partido. Nos Estados Unidos, pol�ticos (e eleitores) republicanos costumam se definir como conservadores e s�o tradicionalmente a favor da pena de morte.


Prisão
Segundo pesquisa de abril, 60% dizem ser favor�veis � pena de morte para condenados por assassinato (foto: Getty Images)

Segundo o centro de pesquisas Pew Research Center, em pesquisa conduzida em abril deste ano, 60% dos entrevistados disseram ser favor�veis � pena de morte para condenados por assassinato. Entre os republicanos, o apoio chegou a 77%, bem maior que os 46% entre os democratas.

 

Mas, apesar de a maioria dos republicanos, e dos americanos em geral, continuarem apoiando a pena de morte, o percentual vem caindo. Dois anos atr�s, o Pew indicava que 65% dos americanos e 84% dos republicanos concordavam com a pena capital para assassinatos.

 

"O apoio � pena de morte em c�rculos conservadores republicanos vem caindo por v�rias raz�es econ�micas, culturais, morais e religiosas", diz � BBC News Brasil o diretor nacional do grupo Conservatives Concerned About the Death Penalty (Conservadores Preocupados com a Pena de Morte, em tradu��o livre), Demetrius Minor.

O grupo re�ne pol�ticos e l�deres ao redor do pa�s que questionam a possibilidade de conciliar a pena de morte com os valores conservadores.


Arthur Rusch
O senador estadual republicano Arthur Rusch, que foi juiz em um caso de pena capital que custou mais de US$ 1 milh�o, mudou de opini�o sobre o tema (foto: CORTESIA/Sen. Arthur Rusch)

Aprovar propostas contra a pena de morte em Estados fortemente conservadores ainda � um desafio. Mas, segundo o diretor executivo do Centro de Informa��es sobre Pena de Morte, Robert Dunham, o tema n�o � mais considerado t�o pol�mico, o que permite que cada vez mais pol�ticos fiquem livres para agir de acordo com sua consci�ncia.

 

"Essa n�o � mais uma quest�o que far� com que voc� seja derrotado nas urnas por eleitores do seu pr�prio partido que n�o concordam com a sua posi��o", diz Dunham � BBC News Brasil.

 

Tanto o n�mero de sentenciados � morte quanto o de execu��es v�m caindo no pa�s desde o fim da d�cada de 1990. Em 1999, foram executadas 98 pessoas, e outras 279 foram condenadas � morte. No ano passado, foram 17 execu��es e 18 senten�as � morte.

Inocentes no corredor da morte

Dunham observa que um dos grupos cuja oposi��o � pena capital vem crescendo mais rapidamente � aquele formado por pessoas que s�o favor�veis � pena de morte em teoria, mas n�o acreditam que o sistema atual � justo.

 

Muitos dizem n�o confiar na capacidade do Estado de garantir um processo sem erros e citam o risco de que inocentes sejam executados. Nos �ltimos anos, ganharam aten��o nacional diversos casos de presos que passaram d�cadas no corredor da morte at� conseguirem provar que haviam sido condenados injustamente.

 

Segundo Dunham, 1.537 pessoas foram executadas nos Estados Unidos desde 1972. No mesmo per�odo, outras 186 conseguiram provar que haviam sido condenadas injustamente e deixaram o corredor da morte.

 

"� um n�mero chocante. Estimamos que dezenas de pessoas executadas eram inocentes", afirma Dunham.

Foi depois de tomar conhecimento dos casos de dois inocentes condenados injustamente que a deputada estadual republicana Jean Schmidt, de Ohio, mudou completamente de posi��o sobre a pena de morte.

 

"Vinte anos atr�s, eu votei nesta mesma C�mara para manter a pena de morte", diz Schmidt � BBC News Brasil.

 

A deputada � autora de proposta para abolir a pena capital em Ohio, Estado onde o Executivo e as duas Casas do Legislativo est�o sob comando republicano. Um projeto semelhante tramita no Senado estadual.

 

Schmidt conta que come�ou a mudar de opini�o h� cerca de dez anos, principalmente depois de conhecer os detalhes dos casos de Tyra Patterson, que cumpria 43 anos de pris�o por roubo e assassinato, e de Joe D'Ambrosio, condenado � morte por sequestro e assassinato. Ambos conseguiram provar, ap�s anos na pris�o, que eram inocentes.

 

"Nesse processo, vi como promotores e detetives podem manipular as coisas para criar a impress�o de que eles (os r�us) s�o culpados, quando na realidade n�o s�o", afirma Schmidt. "Esses encontros me fizeram perceber que h� pessoas inocentes no corredor da morte."

 

Os problemas que levam inocentes a serem condenados � morte come�am antes do julgamento. A maioria desses r�us s�o pobres e n�o t�m condi��es de contratar bons advogados, o que os coloca em desvantagem diante da promotoria, que costuma ser bem equipada.


Kevin McDugle
O deputado estadual republicano Kevin McDugle n�o quer acabar com pena de morte, mas evitar a execu��o de inocentes (foto: CORTESIA/Rep. Kevin McDugle)

"Eles (os r�us) dependem de defensores p�blicos, que em Ohio s�o mal pagos, sobrecarregados e t�m um teto para o quanto de dinheiro dos contribuintes podem gastar na defesa", ressalta Schmidt, que tamb�m cita as dificuldades de apresentar novas evid�ncias depois de encerrado o julgamento.

 

Outro fator preocupante � a arbitrariedade na aplica��o da senten�a. Muitas vezes a localiza��o geogr�fica � mais importante do que o crime em si para determinar se o r�u ser� condenado � morte. Um crime punido com a morte em um condado (subdivis�o administrativa dos Estados) pode levar apenas � pris�o no condado vizinho.

 

"Em cada Estado com pena de morte, h� condados individuais que buscam a senten�a de maneira muito mais agressiva do que os outros", afirma Dunham, ressaltando que apenas 1,2% dos condados do pa�s respondem por mais da metade das pessoas no corredor da morte.

Defesa da vida e custos

Assim como v�rios legisladores republicanos, Schmidt tamb�m diz que outro ponto que pesou em sua mudan�a de posi��o foi a contradi��o da pena de morte com sua postura contra o aborto.

 

"Acredito que somente Deus pode tirar uma vida. N�o acredito em aborto em nenhuma circunst�ncia, nem mesmo se a vida da m�e estiver em risco", afirma Schmidt.

O senador estadual republicano Arthur Rusch, de Dakota do Sul, tamb�m cita a contradi��o de apoiar a pena de morte ao mesmo tempo em que se op�e ao aborto.

 

"Dakota do Sul � um Estado fortemente contr�rio ao aborto. N�o entendo como algu�m pode ser contra o aborto em alguns casos e apoiar a pena de morte. Me parece uma posi��o completamente inconsistente", diz Rusch � BBC News Brasil.

Desde que entrou para o Senado, em 2015, Rusch apresentou v�rias propostas para abolir a pena capital ou limitar seu uso. At� agora, nenhuma teve sucesso, mas ele j� prepara um novo projeto de lei sobre o tema para o ano que vem.

 

Sua oposi��o tamb�m � motivada pelos altos custos do processo, mais longo e complexo do que um caso em que a senten�a m�xima � de pris�o perp�tua. Antes de entrar para a pol�tica, Rusch foi juiz durante 18 anos. Ele diz que sua opini�o mudou ap�s julgar um caso de pena de morte que custou mais de US$ 1 milh�o (cerca de R$ 5,6 milh�es).

 

"Antes disso, eu provavelmente diria que n�o tinha nenhum problema com a pena de morte", diz Rusch. "Mas esse julgamento realmente mudou minha vis�o."

 

Os custos mais altos v�o desde o n�mero maior de testemunhas, advogados e apela��es at� a manuten��o dos presos no corredor da morte. V�rios estudos calculam que um processo de pena de morte custe pelo menos dez vezes mais que um caso que n�o envolva essa senten�a, conta que � paga pelos contribuintes.

 

"No Kansas, um julgamento que possa levar � pena de morte custa 16 vezes mais do que um no qual n�o exista essa possibilidade", diz Demetrius Minor. "Na Calif�rnia, um preso no corredor da morte custa US$ 90 mil (R$ 504 mil) a mais por ano do que algu�m em uma pris�o de seguran�a m�xima."

 

Rusch salienta que os custos n�o s�o apenas materiais, mas tamb�m psicol�gicos. "Basicamente, custou um ano da minha vida", diz o senador sobre o julgamento que presidiu. "Alguns membros do j�ri sofreram estresse p�s-traum�tico. N�o dever�amos for�ar as pessoas a passar por algo assim."


Mãos seguram cela de prisão
Casos de inocentes condenados � pena capital nos EUA n�o s�o raros (foto: Getty Images)

Corrigir em vez de abolir

Mas nem todos os pol�ticos com propostas para restringir o uso da pena capital querem necessariamente acabar com a pr�tica. O deputado estadual republicano Kevin McDugle, de Oklahoma, � autor de dois projetos de lei que buscam corrigir problemas na aplica��o da senten�a e evitar que inocentes sejam executados.

"N�o mudei de opini�o sobre a pena de morte, mas sim sobre o processo que cerca a pena de morte", diz McDugle � BBC News Brasil.

 

"Se voc� tem algu�m que, digamos, estuprou e matou um beb�, � preciso que haja um mecanismo como o corredor da morte para esse tipo de pessoa", afirma. "Mas tamb�m acredito que a oportunidade para algu�m (condenado � morte) provar sua inoc�ncia n�o deve ser algo imposs�vel de ser alcan�ado."

Uma das propostas de McDugle estabelece a cria��o de uma unidade de investiga��o independente em casos de pena capital, para analisar novas evid�ncias que apontem para a inoc�ncia do condenado.

 

A outra torna obrigat�rio o compartilhamento com a defesa de evid�ncias a respeito de um prisioneiro no corredor da morte. Em Oklahoma e outros Estados, a defesa n�o pode acessar evid�ncias nas m�os dos promotores caso n�o haja previs�o de novo julgamento, mesmo que essas provem a inoc�ncia do condenado.

 

McDugle elaborou as propostas ap�s saber do caso de Richard Glossip, condenado por um assassinato que nega ter cometido. Outro homem, Justin Sneed, confessou o crime � pol�cia, mas disse que Glossip era o mandante. Apesar da falta de evid�ncias, Glossip foi sentenciado � morte com base nesse testemunho. Sneed recebeu pris�o perp�tua.

 

"Honestamente, n�o tinha muito interesse em justi�a criminal ou na pena de morte at� ent�o", diz o deputado. "Mas quanto tomei conhecimento desse caso, senti — e ainda sinto — que temos um inocente no corredor da morte."

Nenhuma de suas propostas foi adiante neste ano, mas McDugle pretende apresent�-las novamente em 2022.

 

"Se Oklahoma vai matar algu�m, acho que precisamos dos crit�rios mais r�gidos poss�veis para provar (a culpa)", afirma. "Minha opini�o � a de que � melhor deixar um culpado livre do que executar um inocente", conclui.

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