
Parado em frente ao buraco vermelho aberto em seu quintal, Ant�nio Silva tenta explicar a raz�o que o levou a procurar novamente ouro na Amaz�nia.
Esse av� de seis netos e 61 anos tinha dado como superada sua �poca de garimpeiro, quando se deixava seduzir pela febre do ouro, prejudicando o meio ambiente.
Mas a pandemia chegou, os pre�os dispararam e ele tomou uma decis�o: saiu da aposentadoria, alugou uma escavadeira amarela e contratou quatro trabalhadores, que cavaram um buraco gigante no meio do terreno que comprou inicialmente para criar gado, numa �rea desmatada de S�o F�lix do Xingu, no Par�.
Do buraco, do tamanho de uma casa, sai �gua turva bombeada e peneirada para separar as part�culas de ouro. Com resultados decepcionantes.
"A gente sabe que este trabalho est� errado. Eu sei que tem problema, que o que a gente faz n�o � legal. Mas a gente n�o tem outra op��o. Sou aposentado, n�o tenho outra renda".
Silva - um pseud�nimo - come�ou a garimpar na corrida do ouro dos anos 1970 e 1980, na not�ria mina da Serra Pelada, no sudeste da Amaz�nia.
Serra Pelada atraiu dezenas de milhares de brasileiros com a promessa de riqueza instant�nea. A violenta e perigosa mina logo ficou famosa por imagens de uma mir�ade de homens encharcados de lama, aglomerados em seus barrancos como formigas, puxando sacos de terra de suas entranhas.
"Era doido. Doido mesmo", diz Silva, que era adolescente quando saiu do Maranh�o e viajou para l�.
Voltou para casa em 1982, casou-se com sua esposa em 1983 e teve tr�s filhos em tr�s anos. Tentou um trabalho diferente, mas - diz ele - nunca conseguiu sobreviver com nada al�m do garimpo.
Ele j� se arrepende da mina gigante em suas terras e dos R$ 50.000 de suas economias que gastou montando sua opera��o de garimpo improvisada.
"N�o compensa", afirma. "Isso s� estraga minha terra".
O garimpo ilegal est� crescendo na bacia amaz�nica. A atividade foi impulsionada pelos pre�os recordes do ouro, que ultrapassaram US$ 2.000 por on�a no ano passado, enquanto os investidores buscavam um ref�gio da devasta��o causada pela covid-19.
Essa pr�tica alimentou, por sua vez, a destrui��o da maior floresta tropical do mundo, que se acelera pelos garimpos ilegais de pelo menos tr�s maneiras diferentes.
Em primeiro lugar, est�o as pr�prias minas, que abrem gigantescas cicatrizes cor de ferrugem no verde exuberante da floresta. No Brasil, as minas destru�ram um recorde de 114 quil�metros quadrados da Amaz�nia este ano. Este total equivale a mais de 10.000 campos de futebol.
Depois, tem o merc�rio t�xico usado para separar o p� de ouro do solo, que passa para a �gua.
Finalmente, h� o fato de que muito disso est� acontecendo em terras ind�genas, onde gangues de garimpeiros invadem o que deveriam ser territ�rios protegidos, atacando aldeias, transmitindo doen�as ex�ticas e devastando as comunidades que os especialistas dizem ser a chave para salvar a Amaz�nia.
Esta � a �ltima de uma longa s�rie de brutais corridas do ouro no Brasil, que acontecem desde o s�culo XVII, quando colonos portugueses enviaram seus escravos africanos para as minas.
- 'Podem me matar' -
Silva diz que tem uma regra inquebrant�vel: ele n�o usa merc�rio.
N�o se pode dizer o mesmo dos garimpeiros que invadem o territ�rio ind�gena, aterrorizando povos, cujas culturas tradicionais est�o enraizadas na cren�a da conviv�ncia em harmonia com a natureza.
Estudos recentes descobriram que garimpeiros ilegais usaram 100 toneladas de merc�rio na Amaz�nia legal em 2019-2020, e que at� 80% das crian�as de aldeias vizinhas t�m sinais de danos neurol�gicos, devido � exposi��o ao metal t�xico, incluindo pontua��es de QI reduzidas.
O produto qu�mico tamb�m envenena os peixes, principal fonte de alimento para muitas comunidades ind�genas.
Os povos nativos que enfrentam esse pesadelo come�aram a organizar patrulhas e protestos contra o garimpo - �s vezes pagando um pre�o alto.
Maria Leusa Munduruku � uma l�der do povo Munduruku, no estado do Par�, cujo territ�rio est� entre os mais atingidos.
Quando garimpeiros ilegais come�aram a subornar membros de sua comunidade com dinheiro, �lcool e drogas em uma tentativa de se mudar para as terras ind�genas, Munduruku, de 34 anos, organizou a resist�ncia junto �s mulheres locais.
Logo, ela estava recebendo amea�as de morte, afirma. Em 26 de maio, homens armados invadiram sua casa.
"Tinham dois litros de garrafas com combust�vel e jogaram em toda minha casa, ao redor da minha casa, dentro. E tacaram fogo", conta ela, com uma coroa de flores vermelhas enfeitando seu cabelo preto e amamentando seu beb�.
"Eu falei que eu n�o ia sair, que podiam me matar dentro da minha casa, porque eu n�o ia sair. S� Deus mesmo sabe por que n�o pegou fogo dentro da minha casa, porque tudo o que tem dentro, eles queimaram, mas a casa n�o conseguiam pegar fogo".
Munduruku, que tem cinco filhos e um neto, n�o desistiu. Em setembro, viajou para Bras�lia, a cerca de 2.500 km de sua aldeia, para ajudar a liderar um protesto de mulheres ind�genas exigindo que o governo proteja suas terras.
"Tenho que garantir o futuro dos nossos filhos, ter onde pescar, onde viver", ela diz.
"� por isso que continuo lutando".
- Apoiado por Bolsonaro -
O Brasil extraiu 107 toneladas de ouro no ano passado, tornando-se o s�timo maior produtor mundial do metal precioso.
Garimpos ilegais explodiram sob o governo do presidente Jair Bolsonaro, que pressionou para abrir reservas ind�genas � minera��o.
Um estudo recente revelou que apenas um ter�o da produ��o de ouro do Brasil tem origem legal documentada.
A ilegalidade e a impunidade alimentam as minas ilegais, cujo ouro � exportado para todo mundo, dizem promotores do estado do Par�.
A legisla��o atual permite que os vendedores atestem a origem de seu ouro simplesmente assinando um papel - qualquer papel.
O sistema produziu resultados de corrup��o quase c�micos. H� tr�s anos, o estado de Roraima, no norte, exportava 194 quilos de ouro para a �ndia, apesar de n�o ter uma �nica mina legalmente registrada.
Os promotores come�aram a perseguir os poderosos financiadores que traficam ouro ilegal.
Em agosto, mobilizaram-se para suspender as opera��es de tr�s grandes exportadoras de ouro, pedindo a um tribunal que impusesse R$ 10,6 bilh�es em multas.
Mas eles lutam contra interesses poderosos, explica a porta-voz do Minist�rio P�blico federal no Par�, Helena Palmquist.
"O setor do ouro tem acesso direto ao governo", afirma. "H� uma vis�o muito arraigada no Brasil de que a Amaz�nia existe para ser explorada, n�o para ser preservada", completa.
Mas isto pode estar mudando.
Em S�o F�lix, o fazendeiro Laury C�ndido Dantas Ferreira costuma pescar ao entardecer no rio Xingu, afluente de �guas cristalinas do Amazonas em que outro rio mais ao norte, o Fresco, verte uma �gua turva que, segundo as autoridades, procede de res�duos da minera��o ilegal.
Como muitas pessoas na regi�o, Ferreira, 53 anos, apoia Bolsonaro. Mas considera que a destrui��o do meio ambiente foi muito longe.
"Quando eu mudei para c�, a �gua n�o era suja desse jeito. Aquilo tudo � garimpo. Antes era branquinho, igual a esse aqui. � complicado. Se eles n�o pegam firme mesmo, n�o tem como voltar ao normal".